Por ANGELITA MATOS SOUZA*
As dificuldades dos governos progressistas os colocam distantes das aspirações da esquerda
Logo após a eleição do presidente Lula para o seu terceiro mandato, uma matéria no jornal O Globo declarava que a vitória consolidava a nova ‘onda rosa’ na América do Sul: estavam em mãos de governos de esquerda a Argentina, a Bolívia, o Peru, Chile, Colômbia e, finalmente, o Brasil, além de Honduras e México, fora da região. E muitos analistas escreveram o mesmo, havia no horizonte uma nova onda rosa.
Infelizmente, há indícios de que está virando uma “onda cinza”. No Peru, o presidente Pedro Castillo foi destituído antes mesmo da posse do presidente Lula. A situação na Argentina é tão crítica que não podemos desconsiderar a possibilidade de a eleição deste ano dar vitória a um fanfarrão. Na Bolívia, à crise econômica, marcada pela evasão de divisas, soma-se a disputa já estabelecida entre Luis Arce e Evo Morales, em torno de quem será o candidato do MAS (Movimento ao Socialismo) em 2026, o que divide o partido e, obviamente, favorece a direita.
Na Colômbia, o presidente Gustavo Petro, diante das dificuldades para governar em sentido reformista, fez uma reforma ministerial e anunciou que apostará na mobilização popular para se fortalecer. Se tiver êxito, servirá de exemplo para os governos progressistas na região. Por isso mesmo, a batalha tem tudo para ser dificílima.
No Chile, a reversão foi mais deprimente, pois depois das grandes mobilizações que clamavam por mudanças, e resultaram na eleição de Gabriel Boric para presidente, se esperava muito mais do país. No entanto, em 2022 houve a derrota em plebiscito do projeto de Constituição e a extrema direita venceu as eleições para o novo processo constituinte ocorridas neste mês.
Quase todas as análises que li responsabilizaram o descompasso entre o avanço das pautas por reconhecimento e a realidade ideológica chilena (conservadora). Carlos E. Martins, em artigo postado no site A Terra é Redonda chamou a atenção para um fato importante: a introdução do voto obrigatório teria ampliado a participação eleitoral das massas desorganizadas e despolitizadas, o que teria favorecido a direita. Em meio à difusão de fake news, o voto obrigatório parece que foi mesmo um equívoco. Ou seria sempre um equívoco? (Por aqui, por causa do fenômeno do lulismo, pode ser que não).
Por fim, em que pese a recuperação de prestígio internacional com a volta do presidente Lula ao poder, internamente a situação no Brasil é complicada. O Banco Central insiste em uma política de juros suicida; no Congresso, Arthur Lira faz os “Rodrigos” parecerem grandes republicanos: o presidente anterior, Rodrigo Maia, e o atual presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.
Há ainda um conflito se desenhando entre o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e a Petrobras, e se tem uma pessoa que o governo não deveria arriscar a perder é a Marina Silva. Atualmente, a Amazônia é a principal fonte de soft power para o governo (não mediar conflitos bélicos, ao que tudo indica, de longa duração) e a ministra contribui para tanto.
Em suma, nunca foi fácil, mas na primeira década deste século o milagre das commodities ajudou bastante. O que certamente não contribuiu para com o futuro (o agora), notadamente no caso brasileiro, foi a carência de um projeto de desenvolvimento (industrial), que visasse investimentos em setores econômicos novos ou mesmo no sentido da reindustrialização como objetivo principal.
O Brasil era o país em melhores condições para perseguir esse objetivo. As políticas de distribuição de renda foram importantes, inclusive para a vitória do presidente Lula em 2022, todavia, nos seus governos anteriores se poderia ter aproveitado melhor a fortuna, inclusive para travar uma “batalha ideológica” contra o neoliberalismo hegemônico. Esperemos que haja outra oportunidade, agora construída por nós. E fiquemos de olho na Colômbia
*Angelita Matos Souza é cientista política e professora no Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Unesp.
Publicado originalmente no Jornal GGN.
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