Cartão vermelho

Imagem: Marcio Costa
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por ANDRÉ SINGER*

A promessa de Bolsonaro de que não permitirá a retirada de benefícios dos mais pobres indica uma virada nos rumos do governo

Jair M. Bolsonaro disse, no decorrer da semana, que irá dar cartão vermelho a quem, dentro de sua equipe de governo, falar em corte de benefícios. Podem-se inferir desta afirmação algumas indicações sobre as intenções do presidente. A primeira coisa que cabe notar é o estilo da linguagem, a escolha de uma metáfora ligada ao futebol visando uma forma de comunicação de fácil compreensão, a opção por um discurso que é muito direto e talvez efetivo.

Bolsonaro está se referindo às notícias de que havia na equipe econômica estudos que propunham como fonte de recursos para o programa Renda Brasil o congelamento de benefícios tanto das pessoas carentes com necessidades especiais como dos idosos que recebem aposentadorias, medida que produziria uma economia nos próximos dois anos de 10 bilhões de reais.

Ele está avisando para a população de menor renda que não tirará recursos dela, o que configura uma novidade. Até então, durante seu mandato como presidente, Bolsonaro nunca havia se comportado desse modo. Tudo indica que ele está reorientando suas ações em função dos resultados das pesquisas de popularidade, pois demonstra visivelmente que está preocupado com a eleição de 2022 e com o fato de que para ser reeleito terá que garantir o apoio da maioria. Acredito que se trata de uma virada no interior do governo Bolsonaro.

Isso não significa que esse assunto esteja resolvido. Há uma mudança de linguagem, a escolha deliberada de uma linguagem popular voltada para a população de menor renda, para essa parcela que não fora objeto de uma preocupação especial do governo Bolsonaro até muito recentemente. No entanto, do ponto de vista efetivo, ainda cabe resolver o problema econômico para que a mudança não fique apenas no discurso.

Para modificar a situação na prática faz-se necessário garantir fontes de recursos para essa parcela da população. O presidente Bolsonaro tem dito que a despeito de ter sido um programa estabelecido no governo Lula, o programa Bolsa Família será mantido. Na situação em que estamos – sob os efeitos de uma crise econômica grave, decorrente da pandemia – não será suficiente apenas manter esse programa, ele terá que ser ampliado, se é que atual presidente realmente busca o apoio da população de menor renda.

Para isso, o governo precisa de novos recursos. Bolsonaro terá de enfrentar a sua própria equipe econômica, comprometida com uma política liberal na qual não há espaço para ampliação de programas como o Bolsa Família.

*André Singer é professor titular de ciência política na USP. Autor, entre outros livros, de O lulismo em crise (Companhia das Letras).

Texto estabelecido a partir de entrevista concedida a Gustavo Xavier, na rádio USP.

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Bolsonarismo – entre o empreendedorismo e o autoritarismo
Por CARLOS OCKÉ: A ligação entre bolsonarismo e neoliberalismo tem laços profundos amarrados nessa figura mitológica do "poupador"
Fim do Qualis?
Por RENATO FRANCISCO DOS SANTOS PAULA: A não exigência de critérios de qualidade na editoria dos periódicos vai remeter pesquisadores, sem dó ou piedade, para um submundo perverso que já existe no meio acadêmico: o mundo da competição, agora subsidiado pela subjetividade mercantil
Carinhosamente sua
Por MARIAROSARIA FABRIS: Uma história que Pablo Larraín não contou no filme “Maria”
O marxismo neoliberal da USP
Por LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA: Fábio Mascaro Querido acaba de dar uma notável contribuição à história intelectual do Brasil ao publicar “Lugar periférico, ideias modernas”, no qual estuda o que ele denomina “marxismo acadêmico da USP
Distorções do grunge
Por HELCIO HERBERT NETO: O desamparo da vida em Seattle ia na direção oposta aos yuppies de Wall Street. E a desilusão não era uma performance vazia
Carlos Diegues (1940-2025)
Por VICTOR SANTOS VIGNERON: Considerações sobre a trajetória e vida de Cacá Diegues
O jogo claro/escuro de Ainda estou aqui
Por FLÁVIO AGUIAR: Considerações sobre o filme dirigido por Walter Salles
Cinismo e falência da crítica
Por VLADIMIR SAFATLE: Prefácio do autor à segunda edição, recém-publicada
A força econômica da doença
Por RICARDO ABRAMOVAY: Parcela significativa do boom econômico norte-americano é gerada pela doença. E o que propaga e pereniza a doença é o empenho meticuloso em difundir em larga escala o vício
A estratégia norte-americana de “destruição inovadora”
Por JOSÉ LUÍS FIORI: Do ponto de vista geopolítico o projeto Trump pode estar apontando na direção de um grande acordo “imperial” tripartite, entre EUA, Rússia e China
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES