Ciência e Tecnologia na pandemia

Imagem: Elyeser Szturm
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por Eduardo Bicudo*

Os países que investem acima de 2% do PIB em pesquisa científica e desenvolvimento (tecnologia), com exceção dos EUA, têm lidado melhor com a pandemia.

Uma análise que busca relacionar enfrentamento da pandemia do coronavírus e o investimento de cada nação em Ciência e Tecnologia está sujeita a limitações e por esta razão deve ser vista com a devida cautela. Estabelecer correlações é útil para se observar fenômenos naturais. Todavia, nem sempre podemos estabelecer relações de causa e efeito a partir de tais correlações.

Para esta análise específica foi feito um recorte. Ou seja, foram nela incluídos os países que lideram o número de casos de infecção pelo Covid-19, acrescida do Brasil e da Estônia. O Brasil foi incluído para efeitos de comparação, levando-se em consideração que o Covid-19 se instalou no país mais tardiamente que nos outros países incluídos nesta análise. É importante enfatizar que não foram consideradas as diferenças de políticas de contenção adotadas pelos diferentes países incluídos nesta análise.

No entanto, não se pode ignorar o fato de que tais políticas de contenção possam ter sido determinantes para impedir a transmissão e expansão do Covid-19, ao menos nos estágios iniciais do contágio do vírus. A Estônia foi incluída na análise por ser um país, talvez único, onde a economia está praticamente toda voltada para a tecnologia digital e onde os serviços são ou podem ser fornecidos por via eletrônica. Noventa e nove porcento dos lares na Estônia dispõem de banda larga e o sistema educacional do país é líder mundial na utilização e desenvolvimento de tecnologias eletrônicas.

Posto isto, ao observarmos os dados da tabela, verificamos de pronto que em relação ao Covid-19, países que investem acima de 2% do PIB em pesquisa científica e desenvolvimento (tecnologia), com exceção dos EUA, têm lidado melhor com a pandemia. Com destaque, temos a Coréia do Sul e Alemanha, onde há uma forte correlação entre o percentual aplicado em ciência e tecnologia e o número reduzido de mortes devido ao Covid-19, 4,55% e 3,02%, e 158 e 560 mortes (até 30 de março de 2020), respectivamente. No caso específico da pandemia, isso se deve ao volume de testes efetuados. A Alemanha se aproxima da política adotada pela Coréia do Sul, que testa a população até nas ruas. Tal medida tem feito com que esses dois países alcançassem um índice de mortalidade da ordem de 1%. Na Itália, o índice é da ordem de 10%.

Por outro lado, Espanha e Itália, dentre os países considerados desenvolvidos, são aqueles que menos investem em ciência e tecnologia, 1,20% e 1,35% do PIB, respectivamente, e coincidentemente estão enfrentando maiores dificuldades para lidar com a pandemia. A Estônia, apesar de investir 1,32% do seu PIB em ciência e tecnologia, pelas razões já apontadas anteriormente, vem lidando muito melhor com a pandemia que Espanha e Itália.

O Brasil, em 2018, investiu em saúde 9,2% do PIB, percentual apenas abaixo de França (11,2%), Alemanha (11,2%) e EUA, com este último investindo o percentual mais elevado, 16,9%, dentre os países analisados. Dentre esses 4 países, França e Alemanha vêm até o momento lidando melhor com a pandemia que os EUA. O Brasil, talvez tenha ainda certo fôlego para lidar com a pandemia em razão da existência do SUS, o maior sistema de saúde público do mundo, o qual ainda não foi completamente desmantelado pelas políticas neoliberais que vêm sendo aplicadas desde 2016.

É interessante notar que apesar de Espanha, Itália e Coréia do Sul investirem praticamente o mesmo percentual do PIB em saúde, entre 8 e 9%, Coréia do Sul tem sido muito mais bem sucedida que Espanha e Itália no combate ao Covid-19. Irã e China, cujos percentuais do PIB aplicados em saúde são da ordem de 6,9% e 5,0%, respectivamente, também têm lidado melhor com a pandemia que Espanha e Itália. Chama a atenção os EUA, que apesar de investirem um percentual do PIB significativamente elevado, quase o dobro ou mais em relação aos demais países aqui analisados, está enfrentando muitas dificuldades para lidar com a pandemia.

Nesse sentido, é importante ressaltar que nos EUA o sistema de saúde predominante é o privado, ao passo que nos outros países aqui analisados o sistema de saúde predominante é o público. Outro dado relevante é o fato de que dentre os países aqui analisados, a China é o país que menos investe em saúde, apenas 5% do seu PIB e o sistema de primeiros socorros no país é ainda precário. No entanto, tem lidado melhor com a pandemia que outros países incluídos nesta análise.

Uma possível explicação residiria talvez no fato de que, assim que a gravidade da transmissão do Covid-19 foi detectada pelas autoridades sanitárias chinesas, o país adotou medidas severas de contenção, não deixando a transmissão do vírus se alastrar para outras províncias, restringindo-se principalmente à cidade de Wuhan, na província de Hubei. O Irã, apesar de todas as dificuldades provocadas pelo embargo comercial imposto pelos EUA, tem conseguido lidar muito melhor com a pandemia em relação a alguns países europeus, como Itália e Espanha, por exemplo.

Como conclusão principal desta análise, ressalvadas todas as suas limitações mencionadas anteriormente, temos que um investimento significativo de parte do PIB em ciência e tecnologia é um dos fatores determinantes para se lidar com uma pandemia da grandeza do Covid-19.

*Eduardo Bicudo é Professor Titular aposentado da Universidade de São Paulo e Professor Honorário da Universidade de Wollongong (Austrália).

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Ari Marcelo Solon Gerson Almeida José Dirceu Juarez Guimarães Ricardo Musse Samuel Kilsztajn João Paulo Ayub Fonseca Flávio R. Kothe Liszt Vieira Fábio Konder Comparato Andrés del Río Leda Maria Paulani Luis Felipe Miguel Afrânio Catani Mário Maestri José Geraldo Couto Vanderlei Tenório Lucas Fiaschetti Estevez Elias Jabbour Flávio Aguiar Dênis de Moraes André Márcio Neves Soares Luiz Marques Maria Rita Kehl Michael Löwy João Lanari Bo Alexandre de Freitas Barbosa Manuel Domingos Neto Remy José Fontana Alexandre Aragão de Albuquerque Jean Marc Von Der Weid Ricardo Antunes Rodrigo de Faria Matheus Silveira de Souza Jorge Luiz Souto Maior Tales Ab'Sáber Sergio Amadeu da Silveira Antonio Martins João Carlos Salles Leonardo Boff Valerio Arcary Francisco Pereira de Farias Ronald Rocha Dennis Oliveira Valerio Arcary Fernando Nogueira da Costa Michel Goulart da Silva Tarso Genro Daniel Afonso da Silva Bento Prado Jr. Tadeu Valadares Marjorie C. Marona Paulo Martins Eleutério F. S. Prado Igor Felippe Santos Paulo Capel Narvai Rafael R. Ioris Jorge Branco João Feres Júnior Luiz Roberto Alves Carlos Tautz Paulo Nogueira Batista Jr Milton Pinheiro Lincoln Secco Celso Frederico Anselm Jappe Salem Nasser José Raimundo Trindade Marcus Ianoni Mariarosaria Fabris Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Luís Fernando Vitagliano Eleonora Albano Gilberto Maringoni Bruno Machado Walnice Nogueira Galvão Celso Favaretto Rubens Pinto Lyra Lorenzo Vitral Ricardo Abramovay André Singer Sandra Bitencourt Priscila Figueiredo Airton Paschoa Berenice Bento Jean Pierre Chauvin Leonardo Sacramento Marcos Aurélio da Silva Plínio de Arruda Sampaio Jr. Gabriel Cohn Yuri Martins-Fontes Alexandre de Lima Castro Tranjan Renato Dagnino Luiz Bernardo Pericás Luciano Nascimento Ladislau Dowbor Vinício Carrilho Martinez Luiz Eduardo Soares Armando Boito Marilia Pacheco Fiorillo Annateresa Fabris Michael Roberts Bernardo Ricupero Daniel Costa Osvaldo Coggiola Ronaldo Tadeu de Souza Vladimir Safatle Kátia Gerab Baggio João Carlos Loebens Paulo Sérgio Pinheiro José Machado Moita Neto Heraldo Campos Bruno Fabricio Alcebino da Silva José Luís Fiori Gilberto Lopes Everaldo de Oliveira Andrade Denilson Cordeiro Andrew Korybko Thomas Piketty Chico Alencar Henry Burnett Julian Rodrigues Antonino Infranca Eliziário Andrade Antônio Sales Rios Neto Luiz Carlos Bresser-Pereira Manchetômetro Paulo Fernandes Silveira João Adolfo Hansen João Sette Whitaker Ferreira Chico Whitaker Carla Teixeira Marilena Chauí Boaventura de Sousa Santos Marcos Silva Otaviano Helene Henri Acselrad Eugênio Trivinho Francisco de Oliveira Barros Júnior Eduardo Borges Benicio Viero Schmidt Ricardo Fabbrini Claudio Katz Marcelo Guimarães Lima Daniel Brazil Caio Bugiato José Costa Júnior Atilio A. Boron Francisco Fernandes Ladeira Alysson Leandro Mascaro Luiz Renato Martins Slavoj Žižek Leonardo Avritzer Ronald León Núñez Luiz Werneck Vianna Érico Andrade José Micaelson Lacerda Morais Fernão Pessoa Ramos Eugênio Bucci Marcelo Módolo

NOVAS PUBLICAÇÕES