Por FERNANDO LIONEL QUIROGA*
Os adjetivos do professor e a máquina de moer o passado
O adjetivo é um recurso da linguagem que qualifica, caracteriza ou atribui nuances a um substantivo. O bom adjetivo, como a boa crítica, é aquele que reforça a potência do substantivo. Ele ilustra sua nuance indescritível e ilumina, como um feixe de luz, aquilo que a própria linguagem é capaz de capturar. Além disso, o adjetivo é o que põe em movimento a fixidez da palavra; é o recurso que anima, que insufla vida no que, sem ele, permaneceria como um vestígio arqueológico.
No entanto, essa é apenas uma maneira de encarar o adjetivo. Uma reflexão breve já é suficiente para revelar o poder corrosivo que ele pode exercer sobre o substantivo. Em geral, essa é a forma depreciativa que visa extrair valor e corromper sua essência. Sem esse aspecto negativo, não seriam possíveis a ironia ou o humor, por exemplo.
Dito isso, pensemos nos adjetivos que o professor tem recebido nas últimas décadas: “professor mediador”, “professor orientador”, “professor coordenador”, “professor supervisor”, “professor conteudista”, “professor facilitador”, “professor reflexivo”, “professor colaborador” ou, simplesmente, “tutor”. Mas, o que subjaz a essa classificação? Seria apenas a consequência das transformações no que passou a significar ser “professor” em uma sociedade complexa?
Ou, sob outra perspectiva, seriam sintomas descritos por Marilena Chaui em “A morte do educador”, ao refletir sobre a transformação da figura do educador, substituído por um profissional técnico, um “prestador de serviços”? Como diria Max Weber, alguém que fornece “produtos” da mesma forma que o comerciante tradicional, ou seja, aquele que “vende seu conhecimento e seus métodos em troca do dinheiro do meu pai, tal como o verdureiro vende repolhos à minha mãe”.
Nesse terreno ambíguo, o que resta do professor são quase apenas os seus adjetivos, como se sua “essência” fosse sugada por eles. O professor que possui capital cultural em estado incorporado (e não apenas no estado institucionalizado) tem se tornado cada vez mais raro e difícil de encontrar. A distinção entre esses tipos de capital é essencial para compreender essa questão.
Segundo Pierre Bourdieu, o capital cultural assume três formas: no estado incorporado, por meio de disposições e competências culturais adquiridas pela socialização e educação ao longo do tempo, como conhecimentos e modos de pensar; no estado objetivado, por meio da aquisição de bens culturais, como livros, obras de arte e instrumentos musicais; e no estado institucionalizado, pelo reconhecimento formal do capital cultural por meio de títulos e qualificações, como diplomas e certificados.
Atualmente, com o crescimento exponencial da valorização dos diplomas, a correlação entre o estado institucionalizado e o estado incorporado perdeu a relação de causalidade. Alguém pode deter um capital cultural expressivo em estado institucionalizado e, ainda assim, ser miserável em termos de capital incorporado. Esta é a maior contradição educacional dos nossos tempos.
Assim, excluindo os adjetivos que produzem um efeito positivo sobre o professor – como os que têm origem no sistema de ensino superior europeu, como “professor titular”, “professor adjunto”, “livre-docente”, cuja diferença se marca por distinções e prestígios específicos – a avalanche de adjetivos que tem assombrado o substantivo “professor” tem o aproximado cada vez mais de um burocrata a serviço do mercado.
Com efeito, o professor é coagido a recusar o passado em detrimento da dimensão inovadora do capitalismo. E quando ele não segue a cartilha ideológica da inovação, é lançado à vala do obsoleto e arcaico. A força da moda o expulsa da “resistência”, colocando em seu lugar a “resiliência”, isto é, o professor deve ser adaptável às transformações como se fossem inevitáveis. É a ingenuidade do progresso como algo neutro e irrecusável se arrastando geração após geração.
Como esse tipo de adjetivação não é utilizado para reconhecimento social, ele tem servido aos interesses da elite econômica, que pretende eliminar a educação como um direito social. Uma vez convertido em “mediador”, “tutor” ou “facilitador”, o professor não precisa ter um domínio profundo sobre a matéria que ensina. Ele pode, inclusive, receber o diploma de licenciado em Letras sem ter lido sequer um livro de ficção ao longo de sua trajetória acadêmica.
Como norma geral, se ele souber acompanhar a leitura de slides por cerca de vinte minutos (o restante do tempo é frequentemente utilizado para que os alunos se conformem, sem perceber, com o que não entendem por ser tão desinteressante), estará apto para os “desafios” da docência.
Esses adjetivos, que agem como vozes hostis em torno do professor, diminuem sua figura e explicam, em última instância, a lógica subjacente à sua multiplicação.
Curiosamente, a sociedade também tem recebido, nos últimos anos, uma ampla gama de adjetivos: “sociedade líquida”, “sociedade do espetáculo”, “sociedade excitada”, “sociedade da transparência”, “sociedade digital”, entre outros. Seria esse um sintoma do desgaste da própria ideia de sociedade, algo que, de maneira análoga ao professor, foi erodido pelas engrenagens devoradoras do capitalismo, essa máquina de moer o passado?
*Fernando Lionel Quiroga é professor de Fundamentos da Educação na Universidade Estadual de Goiás (UEG).
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