Por JEREMY CORBYN & NIKI ASHTON*
Os líderes do G7 são culpados pelo nacionalismo da vacina – esta postura vergonhosa prolongará a pandemia.
Na semana passada, os presidentes e primeiros-ministros do Grupo dos Sete (G7) – com a apresentação do britânico Boris Johnson e do canadense Justin Trudeau – reuniram-se em Cornualha com a incumbência de desenvolver um plano para acabar com a pandemia de Covid-19, que já custou pelo menos 4 milhões de vidas, com a contagem prosseguindo.
Falharam. Em termos simples, o plano anunciado de doar 1 bilhão de doses da vacina contra a Covid-19 é muito lento e irrisório para deter a propagação viciosa do vírus. Ele destina menos de 10% das doses necessárias para vacinar o mundo, e as distribui durante um ano e meio. Como disse o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres: “Precisamos de mais do que isso”.
As vítimas deste fracasso não são apenas comunidades vulneráveis em regiões como a África Subsaariana ou o Sudeste Asiático, que, nas taxas atuais, segundo pesquisas da Aliança, levariam 57 anos para atingir a vacinação em massa. Ao permitir o surgimento e a propagação de cepas mutantes, o plano do G7 ameaça trazer a pandemia de volta a países como o Canadá e o Reino Unido, apagando o progresso que já fizemos para proteger nossas comunidades do vírus.
Precisamos urgentemente de uma alternativa ao plano do G7 – uma alternativa que seja global, viável e seriamente focada no fim da pandemia em vez de proteger corporações farmacêuticas ou vender um enredo de boa vontade caridosa dos nossos países.
É por isso que estamos unindo forças com governos, oficiais de saúde e fabricantes de vacinas de todo o mundo numa Cúpula para o Internacionalismo da Vacina. Organizada pela Internacional Progressista, a cúpula visa desenvolver um plano comum para vacinar o mundo através do compartilhamento de tecnologia, investimento na produção e entrega de vacinas a todas as partes do planeta. Longe de um pódio para declarações políticas, a cúpula apela a todos os participantes para que assumam compromissos concretos no sentido de uma verdadeira alternativa ao plano fracassado do G7.
Sabemos que estes compromissos começam em casa – no Canadá e no Reino Unido. Nossos governos têm desempenhado um papel vergonhoso no prolongamento desta pandemia. Eles são culpados precisamente pelo nacionalismo da vacina que a cúpula pretende suplantar.
No Reino Unido, o governo de Boris Johnson tem sido um ardente opositor da dispensa da propriedade intelectual das vacinas que foi apresentada à Organização Mundial do Comércio (OMC) por mais de 100 nações por todo o mundo. Mesmo quando países como os Estados Unidos, França e Espanha abrandaram sua posição sobre patentes de vacinas, o Reino Unido continua ignorando os apelos de cientistas, médicos e cidadãos para acelerar a produção de vacinas, liberando a tecnologia de corporações farmacêuticas como a AstraZeneca – apesar da vacina da AstraZeneca ter sido alegadamente financiada com 97% de recursos públicos do Reino Unido.
No Canadá, o governo de Justin Trudeau não tem se comportado melhor. Trudeau pode afirmar que o Canadá “não está interferindo ou bloqueando” o esforço global para retirar as patentes das vacinas, mas os registos mostram o contrário. Ainda no mês passado, por exemplo, o governo da Bolívia chegou a um acordo com a fabricante de medicamentos canadense Biolyse para adquirir desesperadamente as vacinas necessárias para o país sul-americano, que só conseguiu vacinar 5% de seus cidadãos. Mas o governo de Trudeau recusou-se a conceder a licença obrigatória que permitiria à Biolyse produzir as vacinas.
Em dezembro, o governo de Trudeau pediu aos proponentes da retirada na OMC evidências “concretas” de que as patentes restringiram seu acesso às vacinas contra a Covid-19. Agora, o governo boliviano providenciou-a – mas o governo canadense continua apoiando o sistema farmacêutico desmantelado, com um efeito mortal.
Além disso, o fracasso do Canadá em recuperar um laboratório de propriedade pública, Connaught Laboratories, que foi privatizado nos anos 80, custou aos canadenses e ao mundo nesta pandemia. Connaught estava na vanguarda da inovação em vacinas em nível nacional e internacional. Sem ele, o Canadá não seria capaz de produzir publicamente vacinas para seus próprios cidadãos durante esta pandemia, nem produzir vacinas para compartilhar com o mundo.
A Cúpula para o Internacionalismo da Vacina é uma oportunidade para ouvirmos de participantes como Rogelio Mayta, o ministro das relações exteriores da Bolívia, sobre os desafios que seu país enfrenta, as oportunidades de cooperação do Sul Global para pôr fim à pandemia, e a obrigação histórica que temos de ajudá-los.
Ficamos indignados, mas não surpresos com o fracasso dos líderes do G7 em cumprir esta obrigação. Agora, temos uma oportunidade de nos reunirmos numa reunião global para levar a sério a produção, distribuição e entrega de vacinas ao mundo. Esperamos que se juntem a nós.
*Jeremy Corbyn é membro do parlamento inglês. Foi líder do Partido Trabalhista e líder da Oposição na Câmara dos Comuns do Reino Unido de 2015 a 2020.
*Niki Ashton é membro da Câmara dos Comuns canadense.
Tradução: Fernando Lima das Neves.
Publicado originalmente no jornal The Independent.