Por ANDRÉ LUIZ PESTANA CARNEIRO, GUILHERME SILVA LAMANA CAMARGO, LILIAN TAVARES DIAS & AFRÂNIO CATANI*
Trajetória histórica, legislativa e desafios atuais das universidades brasileiras
“O que dá grandeza às universidades não é o que se faz dentro delas – é o que se faz com o que elas produzem” (Florestan Fernandes).
O papel dos padres jesuítas no Brasil colonial é parte importante na história da educação formal do país. Marcado pelo interesse na difusão da cultura europeia e do domínio religioso, a atuação jesuítica vinculou-se à formação intelectual clássica, baseada em uma educação da moral e dos bons costumes. Neste contexto, a oferta do curso de teologia, voltado para a educação eclesiástica, pode ser considerada precursora da experiência de ensino superior no Brasil.
No entanto, ainda não será no século XVI que o país conhecerá o oferecimento de cursos superiores, já que a dependência do país à Metrópole não permitia tal aparato educacional no Brasil colônia. Neste sentido, afirma Teixeira: “Não havia, pois, entre a Metrópole e a Colônia, diferença quanto ao nível ou conteúdo da educação intelectual, pois toda educação local ministrada pelos jesuítas iria completar-se com a educação universitária na Metrópole. Até meados do século XIX, a universidade do Brasil foi a Universidade de Coimbra, onde iam estudar os brasileiros, depois dos cursos no Brasil nos reais colégios jesuítas”. (TEIXEIRA, 2005, p 135-136).
Embora não tenha sido por meio da influência jesuítica, é ainda no período colonial que o país conheceu seus primeiros cursos superiores. A chegada da família real no Brasil em 1808 marcou o princípio da constituição de cursos superiores fora da corte, com vistas à formação de quadros profissionais para os negócios do Estado.
Neste contexto e sob controle total do Estado, são criadas Escola de Cirurgia em Salvador e no Rio de Janeiro (hoje, respectivamente, Faculdades de Medicina da UFRJ e UFBA) e a Academia Real Militar (atualmente Escola Nacional de Engenharia da UFRJ).
Já no Brasil independente, em 1827, surgem dois cursos de Direito (Olinda e São Paulo). Ainda na perspectiva da oferta de formação de uma elite coesa e alinhada ao Estado, o modelo universitário não fazia parte da proposta do império, que seguia com a proposta de formação para profissões, em escolas isoladas.
A Constituição Federal de 1891, frente ao contexto social pós-abolição da escravidão, traz avanços à época também na educação superior, que deixa de estar vinculada apenas ao poder central. Sob a possibilidade de controle estadual e da criação de instituições privadas, novas escolas de ensino superior são constituídas no país, ainda sob o formato da formação técnico-profissional e distante de um caráter universitário.
A expansão do ensino superior nesse período foi marcada pela presença das instituições confessionais e privadas e representou uma ruptura no modelo das escolas profissionais. Nas três primeiras décadas dos anos 1900 o país passou a contar com 109 instituições ofertando cursos superiores (SAMPAIO, 2000).
Diferentemente de outros países da América Hispânica, como por exemplo o México, que em 1553 já contava com sua primeira universidade, o Brasil dispôs apenas de escolas isoladas de formação profissional. Apenas na década de 1920 inicia-se no país um projeto de Universidade, liderado por uma elite intelectual que a compreende como promotora da ciência e da pesquisa.
Neste sentido, apontou Teixeira: “A universidade será assim um centro de saber, destinado a aumentar o conhecimento humano, um noviciado de cultura capaz de alargar a mente e amadurecer a imaginação dos jovens para a aventura do conhecimento, uma escola de formação de profissionais e o instrumento mais amplo e mais profundo de elaboração e transmissão da cultura comum brasileira. Estas são as ambições da Universidade. Profundamente nacional, mas intimamente ligada, por esse amplo conceito de suas finalidades, às universidades de todo o mundo, à grande fraternidade internacional do conhecimento e do saber” (TEIXEIRA, 1969, p. 236).
Anísio Teixeira foi um dos expoentes no movimento da Escola Nova, que defendeu a universidade como “centros de saber desinteressados”. O amplo debate acerca da criação de uma universidade no país deu início a uma grande reforma educacional, promovida pelo recém-criado Ministério de Educação e Saúde do governo provisório de Getúlio Vargas.
A estruturação da educação superior no Brasil
Com o novo governo em 1930, sob o comando de Getúlio Vargas, rompeu-se o ciclo da política do café com leite no Brasil, que se caracterizava pela alternância no poder entre Minas Gerais e São Paulo. Os paulistas ofereceram grande resistência ao novo sistema vigente. Entretanto, devido a sua grande importância no país, buscaram-se saídas de forma que a elite do estado de São Paulo também tivesse determinados benefícios a partir deste novo governo.
A Universidade de São Paulo faz parte deste processo de reconciliação do governo com a elite paulista, tendo sido criada em 1934, atendendo aos critérios universitários da reforma recente na época de Francisco Campos, mas com suas características particulares, como a autonomia interna, distinta de outras instituições. Assim, a criação da USP ocupou-se deste espaço de reconciliação, justamente por ter como objetivo formar uma nova elite, preparada para as mudanças que haveriam de ocorrer no País e estar pronta para se manter e se fortalecer como elite dominante (FÉTIZON, 1984).
A criação da Universidade de São Paulo naquele momento reflete a visão que da elite paulista pela identificação do crescimento do País e a necessidade de se reinventar para manter sua influência. É o momento em que se inicia o crescimento do Ensino Superior, principalmente com instituições federais, devido a ampliação do ensino público de nível médio, acarretando uma nova demanda. Nesse processo de ampliação de escolarização populacional surge essa demanda para o ensino superior, iniciando-se então o crescimento do ensino privado como alternativa para atender à crescente população escolarizada. Além disso, neste período, entre os anos 1940 e 1960, marca-se o rompimento do pacto entre Estado e Igreja, ocorrendo a criação da Pontifícia Universidade Católica (SAMPAIO, 1991).
Tal crescimento do ensino superior também possibilitou a ampliação da oferta de outros cursos, pois até esse momento predominavam-se as carreiras ditas imperiais: Direito, Engenharia e Medicina (Schwartzman, 2015).
É neste contexto que ocorrem normas regulamentadoras e direcionadoras das políticas de ensino superior para as décadas seguintes. A primeira delas é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1961, a qual estabeleceu a oferta desse nível de ensino preferencialmente em modelos universitários, baseados no tripé ensino, pesquisa e extensão. Porém, também favorece ao ensino superior particular, determinando a liberdade da iniciativa privada atuar em todos graus, com fins lucrativos.
Outro importante movimento da trajetória da expansão do ensino superior brasileiro foi a Reforma Universitária de 1968, na qual se estabeleceram os modelos que conhecemos na atualidade, instituindo os departamentos, o sistema de crédito e a semestralidade.
Todavia, este crescimento não era suficiente para atender à nova demanda, advinda da conclusão do ensino médio. Mas, nem todos os candidatos conseguiam estudar em instituições públicas, apesar de aprovados, pois não havia vagas suficientes – formavam-se os chamados excedentes. Assim, por decreto, instituiu-se o vestibular classificatório, que selecionava e limitava a quantidade de entrada de estudantes.
Outra característica desse processo de crescimento que tratamos aqui é a frente privatista do ensino superior, alavancada pelo não atendimento da demanda pelo ente público e a consequente ampliação das permissões ao ensino privado, passando de cerca de 40% das matrículas totais em 1960, para 63% em 1980. Segundo o Censo da Educação Superior (2020), 77% dos alunos brasileiros estudam hoje em cursos de graduação oferecidos por instituições privadas.
Esse movimento ocorrido na educação superior no País se caracterizou por uma “manifestação perversa do crescimento e da diversificação do campo educacional brasileiro e a antítese de sua real democratização”, pois não houve uma preocupação com o oferecimento de formações com qualidade, mas sim um foco para massificação e atendimento por si só, geralmente mais voltadas ao lucro do que ao ensino (MARTINS, 1988, p. 3).
Políticas públicas para a educação superior contemporânea
Ao contrário do que ocorreu nas universidades, nos anos de 1970, com o expressivo acréscimo de sua infraestrutura, criação de novas unidades e aumento de vagas, a década seguinte pode ser caracterizada como a quase estagnação em relação ao número de matrículas. Nos anos 1990, o panorama ficou diferente, chegando a apresentar taxas médias de 7% de expansão. Concomitantemente, e como repercussão da expansão de vagas, aconteceu o fenômeno de surgimento de tipos diferenciados de estabelecimentos acadêmicos, com diversos formatos, vocações e práticas distintas, o que favoreceu a heterogeneidade do sistema, mas desviou a atenção do ideal de universidade como instituto do saber.
Entretanto, o que permaneceu foi a distribuição desigual das instituições de ensino superior (IES) pelo País, com concentração de expressivos 59% de estabelecimentos na região Sudeste e ínfimos 4% na região Norte,[i] um retrato das desigualdades regionais existentes.
A escolarização superior tardia vivenciada pelo Brasil ainda tem efeitos em comparação com outros países latino-americanos: em 2019, a taxa de matrícula para a população na faixa etária de 25 a 34 anos de idade (além do período de 18 a 24, que representa a taxa líquida), é de 21%, inferior a outros nações latinas, como Colômbia (30%) e Chile (34%), que possuem uma educação superior eminentemente privada, e inferior à Argentina (40%), cuja característica no ensino superior é eminentemente público (80%), o que atrai, inclusive, muitos brasileiros, que fogem do caráter de seletividade dos cursos das graduações mais cobiçadas, como é o caso da medicina[ii].
Segundo Senkevics (2019), os índices poderiam ser muito inferiores caso não tivéssemos experimentado expressivos crescimentos entre as décadas de 1960 e 1980 e, a partir da década de 1990, ciclos que tiveram notáveis repercussões não só sobre as próprias instituições de ensino superior, mas também com alto impacto social.
Em meio a esses ciclos de alavancamento, houve também a Reforma Universitária de 1968 (Lei nº. 5.540/1968), que trouxe modernização e flexibilidade aos modelos universitários, o que acabou por fomentar o avanço do setor privado laico empresarial no ramo, em contraposição às instituições confessionais sem fins lucrativos. Em 1995, cerca de 76% das instituições de ensino superior eram privadas, com clientela eminentemente branca, elitizada, em cursos presenciais, apresentando protagonismo feminino em grande parte deles, com concentração massiva na região Sudeste do País (SENKEVICS, 2019).
Massificação e democratização do acesso ao ensino superior acompanhados de controle e supervisão
O processo de massificação, além de ser um fenômeno, constitui-se em objetivo/meta que passou a fazer parte das instituições universitárias que, partindo do pressuposto de que esse nível de ensino é um bem social, um direito, e que a formação especializada proporciona possibilidades materiais de mobilidade social e a elevação da capacidade intelectual humana, faz necessário abrir os portões da universidade para os distintos grupos sociais, com suas mais diversas trajetórias, expressões, identidades, motivações e recursos financeiros, de modo a quebrar as correntes elitistas e seletivas que sustentaram por muito tempo os pilares da academia.
Isso não quer dizer que tal diversificação deixe de lado os aspectos de qualidade, os padrões de excelência na pesquisa, mas que o elemento extensão, que compõe o tripé universitário que deve ser indissociável dos demais, começou a se intensificar.
A partir dos anos 1980, ocorreram movimentos importantes no setor privado da educação superior, conforme apontado por Sampaio (2000): estabilidade da participação relativa das matrículas desse setor; diminuição de instituições isoladas, com o aumento do número de universidades; desconcentração regional e interiorização das matrículas e crescimento do número de cursos e carreiras oferecidas.
O avanço legal nos anos que se seguiram conferiu grande dinamismo ao sistema superior brasileiro. A Constituição Federal de 1988 regulamentou o princípio da autonomia para as universidades e desvinculou o sistema privado do controle burocrático do Conselho Federal de Educação.
Com a instituição da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1996, às universidades foi atribuída a competência para criar e extinguir cursos, de forma que pudessem atender de forma ágil às demandas de massa por ensino superior (Sampaio, 2010). Segundo Ristoff, “a ampliação do acesso nos remete ao fato de que a expansão da educação superior não teve apenas um sentido de ampliação geográfica, mas também um sentido de ampliação de oportunidades de acesso para setores da classe média até então excluídos desse nível de ensino. Esta ampliação do acesso confunde-se em grande parte com o próprio processo de privatização, pois ocorreu principalmente como resultado da forte excludência historicamente reinante nas universidades públicas”. (RISTOFF, 2008, p. 43)
No início dos anos 2000, com a entrada do governo petista na presidência da República, deu-se a promulgação de um conjunto de leis que estabeleceram um ambiente de políticas públicas tanto em nível de governo como de estado,[iii] em parte também como resultado do reflexo da participação de nosso País na Conferência de Durban, em 2001, que favoreceu o ambiente para o desenvolvimento de ações voltadas para aos segmentos mais destituídos da sociedade brasileira, em especial a população negra e indígena.
O Programa Diversidade na Universidade (Lei nº. 10.558/2002), cujo objetivo era avaliar estratégias de implementação para a promoção do acesso ao ensino superior de pessoas pertencentes a grupos socialmente desfavorecidos (notadamente a população negra e indígena), previa a transferência de recursos a instituições públicas e privadas, acompanhada da concessão de bolsas de manutenção e prêmios – uma lei curta e sem muitos detalhamentos, que não teve repercussão imediata até a criação e implantação do Programa Universidade para Todos (Prouni, Lei nº. 11.096/2005), que previu a concessão de bolsas de estudos integrais e parciais em cursos de graduação e de formação técnica em instituições privadas de ensino superior, com ou sem fins lucrativos.
O Prouni consistiu na tentativa imediata de alavancar o ingresso e os índices de matrícula no ensino superior, valendo-se da infraestrutura privada já consolidada, de caráter eminentemente empresarial, além da transferência de recursos provenientes do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES). Isso permitiu e ampliou as possibilidades de estudantes de escolas públicas (durante todo o ensino médio) ou bolsistas integrais de escolas privadas.[iv] Um diferencial do programa foi que no interior das vagas destinadas aos estudantes de escolas públicas, previu-se a destinação de parte das vagas a estudantes pretos, pardos, indígenas e também a pessoas portadoras de deficiência.
Concomitantemente, foram regulamentados sistemas de supervisão e controle, como o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES (Lei nº. 10.861/2004), que tem por finalidade a promoção da cultura de avaliação periódica das instituições de ensino superior (IES) públicas e privadas, como também estabelece os processos de avaliação dos cursos de graduação e do desempenho dos estudantes, que se consolidou ao longo do tempo como uma ferramenta essencial de ‘acreditação’ das instituições de ensino superior, assim como seus produtos e serviços oferecidos à população através de um ranqueamento – comum na iniciativa privada, num amplo aspecto de regulação, monitoramento, avaliação do sistema educacional oriundos do caráter tutelar do Ministério da Educação (BRASIL; SOUZA, 2013).
Na perspectiva de Brasil e de Souza (2013), a avaliação produz resultados e informações que servem de subsídios e parâmetros para que os gestores realizem ações de planejamento que possam contribuir para a melhoria do funcionamento das instituições em sua totalidade. Esse conjunto de dados ‘inculcam’ uma sólida cultura de avaliação, que reforça e consolida a própria identidade institucional (BRASIL; SOUZA, 2013).
O processo de avaliação das instituições de ensino superior (públicas e privadas) ocorreu através de diferentes formas, sempre articuladas entre si e executadas pelo Ministério da Educação, através do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep): Avaliação das Instituições de Educação Superior (Avalies, que gera o Índice Geral de Cursos – IGC)), Avaliação dos Cursos de Graduação (ACG, que gera o Conceito Preliminar de Curso – CPC)) e Avaliação de Desempenho dos Estudantes através de exame próprio, que gera o índice ENADE.[v]
Posteriormente à abertura de recursos públicos para instituições privadas e do marco legislativo que deu início à cultura de avaliação da educação superior, a atuação governamental voltou-se às universidades federais, – cujo processo de sucateamento iniciou-se no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso. Foi criado o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), pelo Decreto nº. 6.096/2007, ou seja, uma política de governo que previu a criação de estruturas (micro e macro) e condições mínimas necessárias nas IFES, de modo a propiciar a ampliação do acesso e da permanência dos estudantes na educação superior em nível de graduação, aproveitando-se da infraestrutura e pessoal já existentes.
É importante consignar as diretrizes que envolveram o programa, que pressupunha a assunção de compromissos pelas instituições aderentes ao cumprimento de metas de otimização de todo o aparelhamento acadêmico, a saber:
Art. 2o O Programa terá as seguintes diretrizes:
I – redução das taxas de evasão, ocupação de vagas ociosas e aumento de vagas de ingresso, especialmente no período noturno;
II – ampliação da mobilidade estudantil, com a implantação de regimes curriculares e sistemas de títulos que possibilitem a construção de itinerários formativos, mediante o aproveitamento de créditos e a circulação de estudantes entre instituições, cursos e programas de educação superior;
III – revisão da estrutura acadêmica, com reorganização dos cursos de graduação e atualização de metodologias de ensino-aprendizagem, buscando a constante elevação da qualidade;
IV – diversificação das modalidades de graduação, preferencialmente não voltadas à profissionalização precoce e especializada;
V – ampliação de políticas de inclusão e assistência estudantil; e
VI – articulação da graduação com a pós-graduação e da educação superior com a educação básica (BRASIL, 2007).
Essas diretrizes se basearam nos índices que a educação superior apresentava na época da elaboração do Plano Nacional de Educação (2001-2010), através da Lei nº. 10.172/2001, isto é, a inexpressiva representação de instituições públicas diante das privadas, e a tímida ampliação de vagas nas instituições federais. Reconhecia o papel da União como principal financiadora do sistema de ensino federal e uma atividade essencial que contribui para o desenvolvimento do Estado.
O volume dos recursos disponibilizados para o REUNI foi diminuindo ao longo dos anos, mas a repercussão e efeito dos primeiros dez anos (2008-2018) após a implementação do programa foram consideráveis. O processo de interiorização das universidades resultou na multiplicação dos campi, cujo número de 100 (cem) novas extensões se incorporaram às universidades já existentes, levando a educação superior pública a cidades interioranas, evitando a migração de estudantes para as capitais ou às poucas cidades que constituíram campus universitário, além de incentivar o desenvolvimento das economias locais. Houve, ainda, crescimento notável da oferta de cursos noturnos, um dos objetivos do programa.
Concomitantemente à expansão, houve a criação de 14 (catorze) novas universidades federais, oriundas do desmembramento de outras, ou da elevação de grandes campi universitários, que passaram a ser sede das novas instituições, como foram os casos dos campi localizados nas cidades de Campina Grande (PB), Santarém (PA), Juiz de Fora (MG), dentre outros. Houve, também, a criação de instituições especializadas, com peculiaridades e vocações diferenciadas para o desenvolvimento tecnológico e para a integração latino-americana[vi]. Quanto às matrículas, observou-se a duplicação do número no sistema federal[vii], com a oferta de 53% de vagas em cidades do interior do País, fator que desconcentrou os recursos e instalações universitárias nas sedes, característica importante do objetivo de redução das disparidades regionais existentes nesse segmento (SENKEVICS, 2018).
A intensa demanda por vagas no ensino superior deveu-se também à crescente universalização do ensino médio gratuito. Cury (2002) entende que a inclusão do ensino médio na legislação brasileira como parte da educação básica obrigatória tornou o direito à escolarização básica um direito subjetivo, isto é, aquele que se pode exigir do Estado, independentemente de qualquer condição do cidadão, que provoca ou deve provocar a atuação imediata estatal de modo a assegurar o gozo do direito, havendo possibilidade de sanções quando de sua negação.
Novas demandas, novas repercussões: as ações afirmativas nas universidades públicas
Em decorrência do histórico brasileiro de um atendimento tardio na educação básica e da predominância de elites no ensino superior e, em especial, das universidades públicas, já ao final do século XX iniciaram-se movimentos em defesa da implantação de ações afirmativas para assegurar a representação compatível com a população brasileira na universidade, como retrata Piovesan (2005, p. 7). Tratam-se de “medidas especiais e temporárias que, buscando remediar um passado discriminatório, objetivam acelerar o processo de igualdade, com o alcance da igualdade substantiva por parte de grupos vulneráveis”.
A elaboração e implantação de políticas de ação afirmativa no Brasil se acentuaram a partir da participação do estado brasileiro na III Conferência Mundial da Organização das Nações Unidas de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, ocorrida em Durban (2001), África do Sul, ocasião em que houve reconhecimento do racismo estrutural, herança do passado colonial, tendo o governo brasileiro assumido o compromisso de atuar para a redução das disparidades assinaladas, o que alterou sensivelmente o olhar e a atuação estatal voltada ao enfrentamento do problema racial no País.
Em seguida, com as reivindicações dos movimentos sociais e a eleição de um novo presidente a partir de 2003, intensificou-se no Brasil a implantação de políticas públicas voltadas a grupos específicos, em especial marginalizados. Tais políticas passam a pautar-se por ações com características redistributivas e de combate às desigualdades sociais.
As ações afirmativas para ingresso em universidade não foram iniciadas no âmbito da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro que, através da Lei Estadual nº. 3.524/2000, de autoria do próprio Poder Executivo da época (Anthony Garotinho), estabeleceu a reserva de vagas nas universidades estaduais fluminenses na proporção de 50% para estudantes que cursaram integralmente o ensino médio em escolas públicas. Ao final do ano seguinte, reservou-se o percentual de 40% para a população negra (pretos e pardos), tanto no percentual de ampla concorrência, quanto para a reserva de estudantes de escolas públicas, através da Lei nº. 3.708/2001 que, posteriormente, foi sendo alterada (Lei nº. 4.151/2003; Lei nº. 5.074/2007; Lei nº. 5.230/2008; Lei nº. 5.346/2008) de modo a abranger as peculiaridades de cada instituição, incluir pessoas com deficiência, ações de assistência financeira estudantil, população indígena. Atualmente o sistema de cotas nas universidades fluminenses se encontra em pleno vigor, prorrogadas por mais dez anos a partir da Lei nº. 8.121/2018.[viii]
Tais ações afirmativas nas universidades estaduais fluminenses não se deram de forma voluntária, utilizando-se de sua autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial outorgada pela Constituição Federal de 1988. A ‘iniciativa’ se deu por força de legislação estadual, repercutindo de forma significativa em um novo modelo de inclusão e reparação de desigualdades a ser ‘encabeçado’ no interior das academias universitárias.
Seguindo-se esta atuação progressista de inclusão e representatividade no ensino superior, a Universidade de Brasília (UnB) foi pioneira no que se refere às federais, ao instituir de forma voluntária e independente, por seu Conselho Superior, as ações afirmativas para ingresso em seus cursos de graduação, prevendo cerca de 20% das vagas para candidatos negros e uma parte para indígenas em 2004. Tal postura foi alvo não só de resistências internas na instituição, mas também externas, em âmbito social e político, resultando no ajuizamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº. 186, pelo então Partido Democratas (DEM), em 2009, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) – que em 2012 julgou a constitucionalidade das cotas raciais (CARNEIRO, 2018).
A Lei de Cotas (Lei 12.711/12) foi sancionada em 2012, estabelecendo reserva de vagas de 50% das instituições federais para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. Previu-se, ainda, que dentre os estudantes de escolas públicas, 50% destas vagas seriam reservadas aos estudantes oriundos de famílias de baixa renda (1,5 salário-mínimo per capita). Além disso, elas teriam que ser preenchidas em proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência[ix] na população da unidade da federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (BRASIL, 2012). Foi estabelecido um prazo de revisão do texto da Lei após 10 anos (2022), que não se deu na época própria e ainda se encontra em tramitação – o Projeto de Lei nº. 5.384/2020, já aprovado na Câmara dos Deputados, se encontra agora no Senado Federal.[x]
A importância desta Lei pode ser compreendida através da análise estatística e qualitativa de tabelas e gráficos que compõem o Censo da Educação Superior de 2020, apresentado a seguir, que retrata o crescimento exponencial do número de matriculados nas universidades públicas e a distribuição por cor/raça desses estudantes.
Tabela 1 – Evolução do número de ingressantes de graduação, por categoria administrativa no Brasil (2011 a 2020)
A partir do processo seletivo para ingresso no ano 2013, todas as universidades federais estiveram sujeitas aos ditames da Lei de Cotas. Apesar das flutuações de aumento e queda de matrículas nas universidades federais brasileiras (2017-2020), em média cerca de 168 mil vagas anuais são destinadas a políticas de ações afirmativas, constituindo uma política universal, apesar das peculiaridades existentes em cada instituição.
No gráfico 1 é possível observar que a representatividade de estudantes pretos e pardos entre os anos de 2013 e 2016 ainda sofre pequenas oscilações, em razão da adaptação gradativa possibilitada às instituições, conforme art. 8º da Lei de Cotas, mas que a partir de 2019 apresenta constância.
Gráfico 1 – Evolução dos percentuais de declarações relativas à cor/raça dos alunos (em relação à matrícula) 2011-2020
Na pesquisa realizada não são consideradas as informações dos estudantes que não declararam cor/raça por ocasião da matrícula e, também, os registros que não contém tal informação, uma vez que os dados são apresentados pelas IESs para a realização do Censo. Não há aplicação de questionários específicos aos estudantes com o objetivo de coleta de informações para esta finalidade, como ocorre na Pesquisa do Perfil Socioeconômico dos Estudantes de Graduação das Universidades Federais organizada pelo Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Estudantis (FONAPRACE). Órgão integrante da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), ele apresenta divergência de dados em relação ao perfil socioeconômico dos estudantes em razão das diferentes metodologias aplicadas entre o Censo da Educação Superior e a Pesquisa do Perfil Socioeconômico dos Estudantes de Graduação das Universidades Federais.[xi]
Gráfico 2 – Variação dos estudantes ingressantes em instituições de educação superior públicas em relação ao ano anterior, de 2010 a 2020
O gráfico acima mostra a elevação de ingressantes pretos, pardos e indígenas nas universidades públicas (inclui instituições estaduais e municipais), alavancada pela Lei de Cotas nas universidades federais. Por estes dados podemos observar que houve redução no número de ingressantes nas universidades públicas nestes 10 anos, tendo o maior crescimento (15%) em 2017. Entretanto, quando se analisa o recorte estabelecido por esta Lei, observa-se que a variação do número de ingressantes desses perfis torna-se mais significativa ao longo dos anos seguintes à Lei (2012), em especial em seus dois primeiros anos.
A análise dos perfis dos alunos ingressantes pode até nos mostrar seus impactos quantitativos nas barreiras de acesso à universidade. Porém, podemos concluir que afetou a distribuição dos perfis de estudantes no interior das universidades?
Gráfico 2 – Evolução histórica do percentual de estudantes matriculados com ensino médio em escolas públicas em relação ao total de estudantes
No primeiro ano de análise, em 2010, verifica-se que a esmagadora maioria dos estudantes das universidades públicas haviam cursado o ensino médio em escolas privadas, sendo que os estudantes com ensino médio em escolas públicas representavam menos de 1/4 dos matriculados. Por sua vez, em 2020, 66% do corpo discente são oriundos das instituições secundárias públicas, o que mostra o impacto positivo para o acesso destes estudantes, através das vagas garantidas por Lei.
Gráfico 3 – Evolução histórica do percentual de estudantes matriculados pretos, pardos e indígenas em relação ao total de estudantes
O mesmo efeito visto acerca dos estudantes com ensino médio em escola pública é observado quando se trata de alunos pretos, pardos e indígenas, que têm sua representação triplicada neste período de 10 anos, chegando a 44% das matrículas nas Universidades em 2020.
Um dos grandes desafios na atualidade, após as políticas de acesso e democratização no ensino superior, é a questão da permanência dos alunos, haja vista que ainda não se estabeleceu uma política pública de estado (através de Lei), que preveja e assegure os recursos necessários para a formação dos estudantes, clientela essa cada vez mais carente.
O Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) foi instituído pela Portaria MEC Nº 39, de 12 de dezembro de 2007, com aplicação nas universidades a partir de 2008, com o objetivo de combater as desigualdades sociais e regionais a fim de viabilizar as condições de acesso e permanência nos cursos por meio de ações nas seguintes áreas: moradia estudantil; alimentação; transporte; assistência à saúde; inclusão digital; cultura; esporte; creche; e apoio pedagógico (MEC, 2007), posteriormente regulamentada por meio de decreto presidencial. Até a presente data, o PNAES é regulamentado pelo Decreto nº. 7.234/2010, sem uma lei que o institua como política pública de estado aprovada pelo Congresso Nacional.
A seguir, apresentamos tabela referente aos recursos orçamentários do PNAES distribuídos pelo MEC às universidades, a partir de 2008:
Tabela 2 – Evolução dos recursos orçamentários do PNAES do Ministério da Educação (2008-2023)
ANO | DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA INICIAL (milhões) | VARIAÇÃO (aproximada) |
2008 | R$ 178.175.071 | Início do Programa |
2009 | R$ 220.667.463 | +23,85% |
2010 | R$ 320.235.978 | +45,12% |
2011 | R$ 415.528.735 | +29,76% |
2012 | R$ 579.847.776 | +39,54% |
2013 | R$ 682.920.732 | +17,78% |
2014 | R$ 802.207.316 | +17,47% |
2015 | R$ 985.514.405 | +22,85% |
2016 | R$ 1.006.674.625 (bilhão) | +2,15% |
2017 | R$ 992.394.617 | -1,42% |
2018 | R$ 961.604.278 | -3,10% |
2019 | R$ 1.060.913.499 (bilhão) | +10,33% |
2020 | R$ 1.028.270.305 (bilhão) | -3,08% |
2021 | R$ 849.772.452 | – 17,36% |
2022 | R$ 1.030.486.213 (bilhão) | +21,27% |
2023 | R$ 1.084.864.228 (bilhão) | +5,28% |
Fonte: base de dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP-2023)
Da análise da Tabela 2 depreende-se que os recursos orçamentários destinados ao PNAES apresentam crescimento desde o início, em 2008, até 2016 quando, pela primeira vez, alcança o patamar dos bilhões de reais, apesar da estagnação técnica ocorrida entre os anos de 2015-2016. Em 2021 sofreu drástica retração, no momento em que a pandemia da COVID-19 ainda repercutia no isolamento social e na redução de renda das famílias mais pobres. Esse impacto também foi sentido entre os estudantes universitários assistidos pelo PNAES, pois a partir de 2017 metade das vagas das universidades federais foram obrigatoriamente destinadas a alunos de escolas públicas, com perfil propício à necessidade de assistência estudantil.
Desde a sua implantação, o PNAES atende a um número relativamente reduzido de alunos, cotistas ou não, sendo que os recursos disponibilizados às universidades não têm acompanhado o ritmo crescente de ingresso de um público mais carente, que necessita de assistência estudantil de forma fundamental para a sua permanência e o seu desenvolvimento no curso, até concluí-lo.
O avanço da educação à distância no Brasil: marcos regulatórios e contradições
Concomitantemente ao processo de massificação e democratização da educação superior no Brasil, o ensino superior à distância também se consolidou como uma política pública de expansão, porém, com maior repercussão e avanços a partir da década passada, através de marcos regulatórios específicos que fomentaram o desenvolvimento e atuação nas diversas regiões do País. Foi a estratégia encontrada para redistribuir esse nível de educação, que se concentrava basicamente nas capitais dos estados e em poucas cidades em que havia campi de universidades.
O ensino à distância foi previsto na LDB/1996 de forma programática, com tímidas disposições legais, mas assegurando à União a regulamentação de normas para a produção, controle, avaliação, autorização e outras disposições relativas ao ‘regime especial’ de educação (art.80, BRASIL, 1996). A regulamentação se deu através do Decreto nº. 5.622/2005,[xii] que foi bem abrangente a respeito dos níveis de ensino (educação básica regular, educação de jovens e adultos, educação especial, educação profissional, educação superior), com a possibilidade até da oferta de pós-graduação stricto sensu na modalidade.
A regulamentação da educação à distância de forma geral e abrangente propiciou ambiente legislativo para no ano seguinte ser criado o Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), pelo Decreto nº. 5.800/2006, cujos objetivos guardavam estreita compatibilidade com os outros programas e projetos de expansão e consolidação da educação superior em vigor na época, quais sejam, oferecer, prioritariamente, cursos de licenciatura e de formação inicial e continuada de professores da educação básica; cursos superiores para capacitação de dirigentes, gestores e trabalhadores em educação básica dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; cursos superiores nas diferentes áreas do conhecimento; ampliar o acesso à educação superior pública; reduzir as desigualdades de oferta de ensino superior entre as diferentes regiões do País; estabelecer amplo sistema nacional de educação superior a distância; e fomentar o desenvolvimento institucional para a modalidade de educação a distância, bem como a pesquisa em metodologias inovadoras de ensino superior apoiadas em tecnologias de informação e comunicação (BRASIL, 2006).
A regulamentação e a própria criação do Sistema UAB incentivou não só o oferecimento da educação superior à distância, mas também a sua larga oferta nas instituições privadas. Segundo Senkevics (2018), o EAD superior teve seu ápice entre 2007 e 2008, chegando a se expandir em torno de 97%, alavancando ainda o número de matrículas mesmo após a retração da educação presencial, entre 2015 e 2018.
Em meio à constante de crescimento da educação superior, em especial no âmbito privado, o Decreto nº. 9.057/2017, enxugou as disposições do decreto anterior, trazendo maior flexibilidade para a oferta de cursos e favorecendo a ampliação e a entrada no ‘mercado’ de instituições que não possuíam tradição/experiência no segmento de cursos de graduação presenciais. Ou seja, permitiu-se o credenciamento de instituições destinadas exclusivamente a ofertar cursos à distância, de graduação e pós-graduação (art.11).
Não obstante ao avanço legislativo e regulamentar do ensino superior à distância, associados também ao início da cultura de avaliação estabelecida pelo Ministério da Educação, é possível constatar que sua expansão não tem apresentado a qualidade mínima estabelecida pelos índices educacionais. Em 2017, de 2.083 instituições avaliadas no Índice Geral de Cursos, 1,63% delas atingiram a nota máxima (5); 18,77 obtiveram nota 4 e 65,43 o grau 3, isto é, a nota mínima para permanecer em funcionamento (HAAS; MOUTINHO NEVES; DE PAULA STANDER, 2019). Os outros cerca de 15% restantes ficaram reprovados e proibidos de abrir novas turmas até que fossem atendidas as disposições mínimas de funcionamento.
A oferta deliberada de cursos superiores de educação à distância desacompanhada do controle e da avaliação necessários para se estabelecer uma educação de qualidade chama a atenção, não só pela sua representatividade em relação ao ensino presencial, mas pela migração de matrículas em cursos voltados à formação de professores (licenciaturas), que cresceu 109% na rede privada na década de 2010 a 2020, representando cerca de 61% dos formandos em cursos de licenciatura no ano de 2020 (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2022).
Os objetivos do Sistema UAB de oferecimento de cursos de licenciatura e formação continuada de professores à distância, que deveriam ser aplicados notadamente a instituições públicas de forma prioritária, tornaram-se um dos principais canais de sustentação do ensino superior privado que, com custos flexíveis (promoções imperdíveis, formas de pagamento facilitadas), conferência de autonomia plena no desenvolvimento dos estudos e na realização de avaliações, dentre outros fatores, tornaram-se majoritários na decisão de escolha não só da instituição mas, também, da modalidade de oferta.
Considerações finais
Evidenciar a conjuntura estatal do Brasil colonial que motivou a criação dos primeiros cursos superiores no país e que em nada se relacionava com a idealização de um projeto de universidade como espaço disseminador da ciência e produtor de pesquisa, é fundamental para compreendermos o percurso trilhado pela Educação Superior até os dias atuais.
A organização tardia, voltada para a formação das elites brasileiras tornou, por longas décadas, a educação superior inacessível às grandes massas. A democratização no acesso a cursos superiores por meio de políticas públicas afirmativas é um passo para a compreensão da Universidade como transformadora da relação entre sociedade e relações de poder.
Os dados[xiii] mostram que ainda temos um longo caminho a seguir para que se faça cumprir o estabelecido pelo Plano Nacional de Educação que, em sua meta 12, prevê a expansão do sistema de educação superior de modo a atingir 33% da população entre 18 e 24 anos. Os desafios para a diminuição do desequilíbrio no acesso ao ensino superior ainda estão em grande parte relacionados ao sistema da educação básica, pautada em um modelo meritocrático que reforça a produção de desigualdades e exclusões.
O Brasil tem avançado em políticas que favorecem a oferta de educação superior mais acessível e com maior diversidade, mas ainda há necessidade de se avaliar tais políticas para identificar seus pontos progressistas e consolidar suas mudanças institucionais. Aliado a isso, é preciso olhar não só para a garantia da universalidade do sistema, mas também a qualidade deste processo, para que sejam assegurados os fins e objetivos de Educação que garantam o pleno desenvolvimento dos seres humanos, o exercício da cidadania e a preparação para o trabalho, sem distinção de qualquer natureza.
*André Luiz Pestana Carneiro é doutorando no programa de pós-graduação em Humanidades, Direito e Outras Legitimidades da FFLCH-USP.
*Guilherme Silva Lama Camargo é mestrando em educação na Faculdade de Educação da USP.
*Lilian Tavares Dias é doutoranda em Educação na Faculdade de Educação da USP.
*Afrânio Catani é professor titular sênior aposentado da Faculdade de Educação da USP. Atualmente é professor visitante na Faculdade de Educação da UERJ, campus de Duque de Caxias.
Referências
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BRASIL. Lei nº 12.711/2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. DOU, Brasília, DF, 30 ago. 2012.
BRASIL. W.; SOUZA, C. S. A avaliação institucional e gestão universitária. Revista Argentina de Educación Superior (RAES). v. 7, p. 46-61, nov. 2013.
CARNEIRO, A. L. P. O ingresso de cotistas negros na Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Porto Velho: análises a partir da lei nº 12.711/2012 para a inclusão social. 2018, 157 p. Dissertação de Mestrado em Educação, UFRO, Porto Velho, 2018.
CURY, C. R. J.. Direito à educação: direito à igualdade, direito à diferença. Cadernos de Pesquisa, n. 116, p. 245–262, jul. 2002.
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FERNANDES, F. O desafio educacional. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1989.
FÉTIZON, B. A. M. Educar professores? Um questionamento dos cursos de Licenciatura da Universidade de São Paulo. Estudos e Documentos. v. 24. São Paulo: FEUSP, 1984.
HAAS, C. M.; MOUTINHO NEVES, L.; DE PAULA STANDER, M. D. As políticas brasileiras para a Educação Superior a Distância: Desafios da expansão. Rev. hist. educ. latinoam., Tunja , v. 21, n. 32, p. 193-226, June 2019. Disponível em: http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0122-72382019000100193&lng=en&nrm=iso
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Sinopse Estatística da Educação Superior 2021. Brasília: Inep, 2022. Disponível em:https://www.gov.br/inep/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/sinopses-estatisticas/educacao-superior-graduacao
MARTINS, C. B. O novo ensino superior privado no Brasil (1964-1980). In: MARTINS, C. B. (org.). Ensino superior brasileiro: transformações e perspectivas. São Paulo: Brasiliense, 1988, p. 11-48.
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Notas
[i] Dados disponibilizados pelo MEC/INEP de 1998. Número de Instituições de Ensino Superior por Natureza e Dependência Administrativa. Disponível em: https://download.inep.gov.br/download/censo/1998/superior/miolo-Superior1-98.pdf
[ii] CARMO, M. Com faculdades públicas e sem vestibular, Argentina atrai cada vez mais universitários brasileiros. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-43644403.
[iii] As políticas públicas de governo possuem caráter temporário de acordo com os objetivos do governante. No âmbito federal, elas são, em sua maioria, regulamentadas por meio de Decreto Presidencial e Medidas Provisórias que têm força de lei (art.62), no uso do poder regulamentar conferido ao Presidente da República pela Constituição Federal de 1988, ao passo que as políticas de Estado possuem caráter mais amplo, sendo objeto de discussões e debates no Congresso Nacional e são promulgadas através de leis ordinárias, leis complementares, emendas à constituição, incorporando-se aos objetivos da nação ao longo do tempo, podendo perdurar para além do tempo do mandato dos governantes. As políticas de estado podem ser propostas pelos governantes.
[iv] Esta exigência foi flexibilizada em 2021 através de Medida Provisória editada pelo Governo Bolsonaro para incluir estudantes de instituições privadas sem bolsas de estudo ou que estudaram parcialmente em escolas da rede pública e privada, legitimando a mobilidade de estudantes entre escolas públicas e privadas para fins de encaixe no programa e, consequentemente, reduzindo as possibilidades dos estudantes de escolas públicas. A MP ganhou apoio no Congresso Nacional e foi convertida na Lei nº. 14.350/2022, sendo um dos dispositivos legais que fragilizaram algumas políticas de inclusão já consolidadas nos últimos anos.
[v] Atualmente, as funções de regulação, supervisão e avaliação do sistema federal de ensino superior estão disciplinadas no Decreto nº. 9.235/2017, que consolidou vários instrumentos relativos à temática e incluiu a avaliação dos cursos de pós-graduação e limitou as funções do Conselho Nacional de Avaliação da Educação Superior.
[vi] Casos da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB).
[vii] Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia foram criados pela Lei nº. 11.892/2008 e são equiparados às universidades federais quanto à regulação, avaliação e supervisão dessas instituições, bem como no tocante aos cursos de educação superior oferecidos.
[viii] Fonte: Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www3.alerj.rj.gov.br/lotus_notes/default.asp?id=53.
[ix] As pessoas com deficiência foram incluídas na Lei de Cotas em 2016 (Lei nº. 13.409/2016)
[x] Para acompanhar o andamento no Congresso Nacional: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2266069.
[xi] O resultado da V Pesquisa do Perfil Socioeconômico dos Estudantes de Graduação das Universidades Federais encontra-se disponível em: http://www.fonaprace.andifes.org.br/site/index.php/2019/06/21/pesquisa-traca-perfil-de-alunos-das-universidades-federais/
[xii] Atualmente revogado pelo Decreto nº. 9.057/2017.
[xiii] Fonte: Monitoramento da meta 12 do PNE a partir de dados da PNAD – 2015 e Censo da Educação Superior 2015
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