Por LUIS FERNANDO VITAGLIANO*
Nas eleições americanas deste ano, pesquisas eleitorais ou um candidato ser mais popular que o outro não torna mais fácil antecipar quem será eleito o próximo presidente
Quando o assunto é eleições nos Estados Unidos o leitor quer logo saber qual é a previsão do analista para julgar se o resultado antecipado faz ou não sentido. Confesso que, mesmo com a minha bola de cristal bastante turva, arriscarei um ou dois palpites a respeito do que é possível acontecer. Tenho, sobre o assunto, duas perspectivas antagônicas: mesmo com tantas previsões em contrário, é factível que Trump ganha as eleições; mas se as perspectivas de participação e mobilização anti-trump tiverem seu efeito, Trump levara uma lavada histórica mais marcante que nosso 7 a 1. Minha impressão é que não haverá meio termo.
Comecemos pelo óbvio ululante: Trump perderá no colégio eleitoral. Mas as eleições dos Estados Unidos não se limitam a criação de uma maioria simples na decisão a respeito do próximo presidente, o quebra-cabeça montado a partir dos colégios eleitorais e dos pesos ponderados de cada estado na constituição dos Delegados torna as previsões bastante erráticas. Soma-se, como problema adicional, o fato de que as eleições não são obrigatórias e o numero de votantes era declinante até anos recentes. Mesmo no bipartidarismo, onde a disputa envolve somente dois postulantes, a divisão e a maquina que republicanos e democratas desenvolveram torna qualquer poste competitivo. Por tudo isso, tanto do ponto de vista das pesquisas eleitorais gerais, quanto da perspectiva de que um candidato ser mais popular que o outro, não é fácil antecipar quem será eleito o próximo presidente.
Sabemos que alguns estados são nitidamente republicanos; outros estados, porém, são claramente democratas e essa realidade é posta. Segundo jargão usual as eleições nos Estados Unidos se define pelos estados pêndulos, ou seja, aqueles estados que não são claramente republicanos nem democratas e que permitem que suas maiorias estejam vulneráveis às circunstâncias e marquem as diferenças para um lado do outro em cada eleição. Nesses estados geralmente a disputa é bastante acirrada.
Mesmo que nestas eleições algumas novidades aconteceram (o exemplo mais explorado é o caso do Texas em que Biden em aparece a frente em algumas enquetes nesse estado tradicionalmente republicano), é óbvio que a diferença está dentro de uma margem estreita dentro das possibilidades de erro de uma pesquisa. Mas o fato de Biden estar disputando com tanto fervor no Texas é um mau presságio ao eleitor republicano.
De fato não deve nos surpreender se Trump ganhar mais uma eleição. Embora nossos desejos e nossas perspectivas nos levem a avaliar com uma tendência otimista o desempenho de Biden e minimizar o efeito de Trump, é natural que nossa cognição nos leve a criar o cenário positivo ao democrata – mesmo porque a imagem de Trump fora dos Estados Unidos é bastante afetada pelos seus arroubos personalistas; devemos levar em consideração que até o início de 2020 (antes da pandemia)era difícil de imaginar que os democratas teriam chance nas eleições de novembro.
É fato oposto a essa perspectiva que o coronavírus e os protestos “Black Lives Matter” que se alastraram pelos estados operários mudaram o cenário e colocaram Trump em uma linha defensiva e em dificuldades com a sua já polêmica forma de se manifestar em temas controversos.
Ninguém mais do que o próprio Trump errou na leitura da realidade e subestimou o coronavírus e depreciou os direitos civis. Com essas atitudes ele engajou a oposição é um trabalho de resistência e de luta que há muito não se via nos Estados Unidos o resultado disso é uma antecipação de 65 milhões de votos. Provavelmente esta será a eleição nos Estados Unidos que mais eleitores, levou nos últimos tempos muito mais do que os 125 milhões da última eleição entre o próprio Trump e Hillary Clinton.
Mas ao contrário de muitos os meus colegas que antecipa a vitória de Biden, eu tenho prudência em relação aos resultados, É verdade que se as pesquisas de opinião estiverem corretos, Trump vai levar uma lavada, tanto no colégio eleitoral quanto no voto popular. O problema é que já em 2016 as pesquisas não conseguiram captar o deep vote em Trump em alguns estados chaves e é possível que isso se repita. Não pela incapacidade ou inconsistência de qualquer pesquisa, mas pelo fato de que existe um voto oculto, de certo modo intimidado, que não quer se revelar e que não vai se revelar a não ser para privacidade da urna. É um eleitor envergonhado da sua opção, mas pragmático e convicto de que é a melhor opção para os Estados Unidos. Eu arriscaria a dizer que mais uma vez o deep vote pode ser decisivo.
As pesquisas eleitorais e as análises partem de um pressuposto falso: considera o eleitor coerente consigo mesmo, com seus princípios e com as suas convicções. Mas isso não é verdade em 9 de 10 pessoas.
A maioria das pessoas tem razões bastante sensíveis na escolha do voto. As pessoas podem considerar as posições de Trump desalinhadas, que ele diz coisas que o eleitor não concorda, se envergonha de algumas das suas atitudes. Mas a despeito disso, muitos o consideram mais forte e mais seguro nas decisões a respeito dos rumos do país principalmente em economia e política externa. Ele não precisa ter a maioria dos eleitores pensando assim. Infelizmente, basta que ele incite essa posição em alguns estados chaves decisivos e que são predispostos a acreditar em suas bravatas. Portanto, esses eleitores aceitam envergonhar-se do seu presidente em vários momentos, não concordar com ele em outros, calar em relação aos seus exageros ou protestar em relação às suas imbecilidades, mas na hora do voto acabam por escolher em relação aos seus oponentes. No caso de Biden, ele é considerado mais fraco em suas decisões e menos confiável em termos de opções econômicas.
Este diagnóstico parte do suposto de que o voto oculto ainda está presente no conjunto da coletividade estadunidense. É o que o próprio Trump chamou de voto oculto ou, de maioria silenciosa e que eu chamo aqui de deep vote.
Se estes silenciosos (que podem estar entre 3%, 4% ou 5% da população) se manifestam nas urnas em uma eleição tão apertada, em alguns estados chaves em que o republicano tem chance de vencer (muitas condicionais de cenários), isso pode leva-lo a vitória. É um caminho tortuoso, mas não absurdo e nem distante ou inédita da estratégia de Trump já realizada em 2016.
O outro cenário possível (que na minha modesta análise é a alternativa ao rumo atual) é que a situação nos Estados Unidos tem adquirido tamanha gravidade que nem mesmo esse voto culto silencie o grande nível de insatisfação presente. A maior expressão de que isso é possível é antecipação e a quantidade de votos antecipados sendo depositados nas unhas – já passam de 65 milhões, metade dos votos de 2016. Isso evidencia um nível inédito de engajamento nas eleições dos Estados Unidos e encurta as possibilidades de campanha de recuperação de Trump; que teve vários imprevistos nos últimos dias e aparece com uma campanha mais avolumada nos dias próximos às eleições.
O voto antecipado e a contagem de votos é um capítulo a parte nas eleições dos Estados Unidos. Realmente que sem voto antecipado e sem um voto pelo correio é possível que trampo defenda que venceria as eleições. E é isso que abre margem a uma jurisdicionalização das eleições nos Estados Unidos. Todos nós sabemos que isso seria um golpe pesado na mais antiga democracia do planeta.
Se isso ocorrer, não há vencedores. Só mesmo se as respostas institucionais forem rápidas e eficientes para evitar uma crise em larga escala no país que hoje tem motivos de sobra para um motim. Enfim, quanto mais se alargar a decisão de quem será o próximo presidente dos Estados Unidos acontecer, mais distante estará o país e o mundo da normalidade institucional; perde a política, perdem os candidatos e o país se perde entre protestos, indecisões e dificuldades de definir suas lideranças autoridade no estado e no governo. Isso não coloca só os EUA, mas um mundo numa situação de tensão em estabilidade maior. Trump é irresponsável ao ponto de colocar tudo isso em risco? Sinceramente espero que não!
*Luis Fernando Vitagliano é mestre em ciência política pela Unicamp.