Por BENÍCIO VIERO SCHMIDT*
Comentário sobre acontecimentos recentes
Enquanto a inflação anual chega aos dois dígitos, a pior manifestação da enfermidade em 30 anos, os juros aumentam, cresce a incerteza institucional sobre a condução da política econômica e aproximam-se as eleições.
Embora seja em 2022, a eleição presidencial aponta para a agudização dos conflitos entre Lula e Bolsonaro. No contexto está a própria sobrevivência da Constituição de 1988. Com Lula vitorioso certamente haverá a construção de um amplo leque de alianças visando a governabilidade com defesa da Constituição, especialmente na expectativa de manutenção e garantia dos direitos básicos e consequente participação de grupos de interesse na condução das políticas públicas.
Hoje, com o governo de Bolsonaro esta dinâmica imaginada em 1988, como garantia de uma democracia perene e estabilizadora, está suspensa. Os episódios do último 7 de setembro, com a nítida tentativa de golpe às instituições democráticas em funcionamento, servem de alerta sobre as possibilidades futuras com a reeleição do atual ocupante do Planalto.
Caso haja reeleição do atual presidente, certamente haverá pressão por drásticas mudanças constitucionais privilegiando ainda mais um sistema elitista e centralizador na administração pública. As disjuntivas lembram as condições políticas existentes entre 1930-37, com Vargas se erigindo em ditador implacável diante da forte oposição de grupos sociais mobilizados por forças progressistas na então sociedade brasileira em franco processo de modernização. Pagando um preço alto, com a repressão social e censura à imprensa, Vargas então venceu e vingou até 1945, extrapolando todos os limites constitucionais vigentes naquela quadra histórica. O que aconteceria ao Brasil, sob esta tendência autoritária e corporativista renovada ?
Neste quadro chega a pré-candidatura de Sergio Moro (Podemos). Já belisca um terceiro lugar, empatando com o eterno candidato Ciro Gomes, nas pesquisas de opinião. No seu lançamento em Brasília faz uma vaga alusão aos principais problemas socioeconômicos do País, mas uma forte entonação sobre a corrupção e as malévolas persistências das disfuncionalidades políticas geradas pelo foro privilegiado aos representantes eleitos, bem como pela existência do mecanismo de reeleição para postos executivos.
Muito pouco para histórica e valentemente abrir horizontes, mas o bastante para amalgamar apoio em uma opinião pública com pouco conhecimento e informação sobre o funcionamento do Estado e da Política. Um candidato forte, a ser contemplado com o apoio da desilusão do bolsonarismo-raiz e com os carentes por uma “terceira via” que fuja ao estabelecido na opinião pública. Pesquisa do PoderData (08-10 novembro) assinala que 26% dos eleitores de Bolsonaro, arrependidos, desejam seu impeachment!
Enquanto isto, na última pesquisa Genial/Quest (10 novembro) Lula aparece liderando com 48% de intenções de voto no primeiro turno, contra 21% de Bolsonaro, Moro 8% e Ciro Gomes 6%. No segundo turno Lula venceria (57%) em todos os cenários, contra Bolsonaro (27%), contra Moro (57%) a (22%) e contra Ciro (53%) a (20%). A avaliação negativa do governo subiu de 55% para 56% em um mês, enquanto a avaliação positiva caiu de 20% para 19%. O PoderData (08-10 novembro) ratifica a mesma tendência : 61% de reprovação ao governo; com consideração negativa de Bolsonaro (ruim ou péssimo) de 57% dos questionados.
À avaliação negativa de Bolsonaro, à reprovação de seu governo e ao arrependimento (26%) de sua base eleitoral agora querendo o impeachment, junta-se a dificuldade de filiação a um partido para concorrer em 2022. Acaba de ser adiada sua entrada no PL, sob alegações diversas, mas que estão centradas nas possíveis candidaturas ao governo de São Paulo.
PEC dos Precatórios
De outro lado, a Câmara Federal já aprovou a PEC dos Precatórios, com muitos destaques a serem avaliados a partir deste 16 de novembro, incluindo três propostas alternativas (Oriovisto Guimarães /Podemos-PR; José Anibal/PSDB-SP e Alessandro Vieira/Cidadania-SE), que não afetam ao teto dos gastos e redirecionam emendas do relator (R$ 16 bilhões) para o financiamento do Auxílio Brasil, além de assegurar o pagamento de grande parte dos precatórios. A expectativa é que o Senado resistirá à proposta aprovada pela Câmara Federal.
Ressalte-se a reação do STF que, a partir da liminar da ministra Rosa Weber, julgou improcedente (8 x 2) a administração secreta das emendas do relator (10 novembro). Falta transparência por parte da direção do Legislativo, mas Arthur Lira já trabalha – projeto de resolução – em elaboração da Mesa da Câmara, com a finalidade de manter o controle das verbas bilionárias dos parlamentares e que visam aumentar o clientelismo com vistas às eleições do próximo ano.
COP-26
A COP-26, de Glasgow, está encerrada. Pressões contra o uso de combustíveis fósseis; resistência de China, Índia e Austrália à utilização do carvão; primeiras normas balizando o comércio dos créditos de carbono; acordo da limitação do gás metano são os destaques. Além da falta de compromisso efetivo dos países ricos em financiar países com grandes desmatamentos e aumento da poluição geral, mas carentes de recursos. Ficam promessas, repercussão enorme da problemática ambiental – que não é trivial – como instrumento de pressão sobre governos negacionistas como o Brasil. Notável foi a presença não-governamental do Brasil, ilustrando a apatia das autoridades oficiais e o desleixo quanto à pressão internacional. Os acordos comerciais em andamento, e que ainda estão por ser implantados, como o Europa-Mercosul, serão mais uma prova de desgaste do Brasil por sua produção de commodities sem o respeito devido aos recursos naturais existentes. Como, aliás, atesta o novo recorde de desmatamento da Amazônia no último mês de outubro.
*Benicio Viero Schmidt é professor aposentado de sociologia na UnB e consultor da Empower Consult. Autor, entre outros livros, de O Estado e a política urbana no Brasil (LP&M).