Por VICTORIA NIKIFOROVA*
O escândalo com o filho de Biden se presta como índice para reconhecer os americanos e sua relação com a nação
Nas proximidades das eleições norte-americanas de outono, os republicanos já começam a tirar seus trunfos da manga. Como esperado, um deles é o lendário laptop do filho do presidente dos Estados Unidos, que ele esqueceu numa oficina de reparo, e que contém algumas toneladas de sujeira da família presidencial. Sua autenticidade foi recentemente reconhecida até mesmo pela mídia afiliada aos democratas. Antes disso, eles passaram dois anos se defendendo de todas as revelações com argumentos do tipo “vocês estão mentindo”.
Viciado em drogas, alcoólatra, subornado, mulherengo, artista moderno com um vício mórbido por pornografia e prostitutas… Parece que já sabíamos tudo sobre Hunter Biden. Mas não. Mais e mais revelações continuam saindo do famigerado laptop como de uma cornucópia, o mítico chifre da abundância. Interessante é observar quais façanhas de Hunter deixam o público americano indiferente e quais chegam a chocá-lo de verdade. Ele se presta como índice para reconhecer os americanos e sua relação com a nação.
Por exemplo, a correspondência de Biden júnior sobre biolaboratórios militares na Ucrânia e seus investimentos no desenvolvimento de vírus perigosos não causaram muita impressão. O que esses laboratórios estavam fazendo, quais doenças letais eles estavam testando em ucranianos pobres, por que Hunter estava transferindo milhões de dólares (inclusive do Pentágono), e que outros contágios eles planejavam liberar pelo mundo… Questões que eventualmente possam preocupar todo o planeta, parecem não preocupar a opinião pública norte-americana. Então, um menino de uma boa família estava testando coisas assim no povo nativo de Yukrain?…
No entanto, o vídeo, em que Hunter anda nu pelo quarto de hotel com uma arma e uma garota nua causou a mais viva indignação do público.
O fato é que o Partido Democrata, ao qual pertence o pai Biden, tem sido implacável em sua defesa da proibição ou restrição da venda de armas. Toda vez que um tiroteio público acontece (e ultimamente eles vinham acontecendo três vezes a cada dois dias), os democratas irrompem em seus brados rituais.
Enquanto isso, Biden júnior compra regularmente armas – sua ex-mulher até reclamou disso em seu livro de memórias – e é filmado sacolejando-as na frente das suas concubinas. Não é bonito. Os republicanos estão indignados. Para eles, qualquer coisa em torno do tema da proibição de armas de fogo é um soco no estômago. Mas os democratas também estão exasperados, percebendo como Hunter prejudica seu pai e todo o partido.
No entanto, o tópico mais escandaloso, mais doloroso e mais sujo do pimpolho dos Biden nem de longe é drogas, armas ou orgias. Os americanos estão muito mais preocupados com dinheiro. Várias vezes ao longo de sua vida tumultuada, Biden júnior faliu, chegando até a ter que usar as economias para a faculdade da filha. E, a cada vez, ele renascia, como uma fênix, das cinzas, e começava a torrar de novo milhares de dólares em drogas e prostitutas.
Ao longo de vinte anos, dezenas de milhões de dólares passaram pelas mãos de Hunter. Como ele conseguiu, e de quem? Teria ele passado um pouco para o pai? Papai usou sua posição como senador, vice-presidente e depois presidente dos Estados Unidos para, de alguma forma, retribuir seus doadores? E como o “tio Jim” – irmão do presidente – poderia estar envolvido nisso tudo?
Não, é claro que “não há corrupção nos Estados Unidos”. Temos ouvido esse mantra por trinta anos. A corrupção está em algum lugar nas nações selvagens que o comediante Sacha Baron Cohen zomba tão espirituosamente nos seus filmes. Nos Estados Unidos, isso se chama “lobbying”, ou “serviços jurídicos”, ou ainda “comissões para promover negócios”. E assim, eles não têm propriamente… corrupção.
E, curiosamente, uma zona de alienação está se formando de forma gradual em torno dos Bidens, dentro da qual todos os tipos de coisa são possíveis. Não, a palavra fatídica “suborno” ainda não foi ouvida, mas as coisas estão gradualmente indo para esse rumo.
A primeira andorinha a cantar é o livro de memórias da ex-mulher de Hunter, Kathleen Boulet, If We Break. Nele, ela educadamente sugere que Hunter tinha dívidas enormes com a Receita Federal norte-americana, mas que ele, de alguma forma, resolveu as coisas e o assunto desapareceu.
Esse é um tema muito delicado para milhões de americanos. O cidadão comum teme o onipresente cobrador de impostos como um escarmento do céu, e fica consideravelmente indignado quando percebe que todos os tipos de grandes apostadores são permitidos nessa esfera explosiva. Sob a pressão da indignação pública, em 2020 os promotores federais de Delaware foram forçados a iniciar uma investigação sobre fraude fiscal contra Hunter Biden.
A ironia aqui é que Delaware é um estado offshore clássico no coração dos Estados Unidos. É onde os donos das corporações mais ricas do mundo escondem suas fortunas dos impostos. A investigação ainda está em andamento. A lavagem de dinheiro e o lobby de interesses estrangeiros já foram insinuados, mas nenhum resultado ainda saiu aos olhos públicos.
Mas há mais coisa por vir. Ainda do mesmo laptop veio uma mensagem de voz de Biden sênior, endereçada ao filho em dezembro de 2018. Na mensagem gaguejante do velho pode-se perceber amor e ternura. Ele avisa carinhosamente a Hunter sobre a divulgação da investigação do New York Times, e como o tom do artigo, segundo ele, acabou se tornando favorável. “Acho que você está limpo agora”, diz Joe Biden. E completa: “Me ligue se conseguir, te amo”.
“Você está limpo agora” significa que algo era impuro no passado e que os jornalistas podem tê-lo descoberto. De fato, um artigo do New York Times de 12 de dezembro de 2018 abordou os laços entre Hunter Biden e o empresário chinês Patrick Ho. No entanto, os autores da publicação desviaram diligentemente o foco da investigação de Hunter. E ele se safou. Os detalhes da sua colaboração com Ho só foram revelados mais adiante.
Descobriu-se que Patrick Ho pagou a Hunter um milhão de dólares pelos chamados “serviços jurídicos”. É de se perguntar que tipo de serviço teria sido. É ridículo pensar em Hunter como um advogado. E o preço é astronômico. Parece que o filho do vice-presidente dos Estados Unidos era apenas uma fachada para o chinês. Também sugestivo é o fato de que a primeira ligação que Ho fez após sua prisão pelos agentes federais no aeroporto JFK em 2017 foi para James Biden, o tal do “tio Jim”.
De acordo com o New York Post, Hunter, o pai, e Joe, o tio Jim, formaram uma parceria multimilionária com Ho na indústria do petróleo. “Dez por cento vão para o Big Guy”, adverte Hunter aos chineses, em uma correspondência por e-mail. “Grande cara” seria o futuro presidente dos Estados Unidos, Joe Biden?
Que os chineses cortejaram Hunter descaradamente, oferecendo-lhe jantares, namoradas, subornos, não é novidade para o público americano. Em uma ocasião, ele foi presenteado com um diamante enorme. Mas pela primeira vez, o público é apresentado a evidências de que Biden sênior não apenas estava bastante ciente do que acontecia, como também que parecia ativamente envolvido em esquemas potencialmente criminosos.
O que impressiona é um tipo de corrupção norte-americana, simplória e barata, até mesmo vulgar: comida cara, bebida cara, damas da alta sociedade, drogas, armas, um diamante… Tudo isso não é surpreendente. Antes de se vincular à família Biden, Patrick Ho, segundo agências de inteligência dos Estados Unidos, corrompia ativamente líderes na África. É por isso que ele foi condenado nos Estados Unidos. O estilo é realmente reconhecível, africano.
Em um de seus vídeos pornô, Hunter conta casualmente a uma prostituta sobre seus negócios com Patrick Ho, descrevendo-o como um “espião muito do foda”. É claro que o empresário não fez nada a título oficial. No entanto, surge como que involuntariamente a cogitação de que Ho possa estar de alguma forma envolvido com as agências chinesas de inteligência. O serviço de inteligência da China trabalha em estreita colaboração com os principais empresários do país, especialmente aqueles envolvidos em projetos internacionais. Essa é, a rigor, uma prática padrão.
O que acontece então? A família do futuro presidente dos Estados Unidos estava trabalhando para a inteligência da República Popular da China por uma bagatela? Isso não seria apenas suborno. Pode ser reconhecido como traição em estado florescente.
“Que provas vocês têm?” – ressentem-se os democratas. Bom, a principal prova está bem diante dos olhos. A política de Biden em relação à China é exatamente o oposto das guerras comerciais que Donald Trump travou com firmeza e confiança. Agora, o governo de Washington está ficando sofisticado em sua retórica, repreendendo a China, enquanto os neocons tentam provocar conflitos em Taiwan, mas, na verdade, os negócios foram e continuam a ser realizados. Os oligarcas norte-americanos estão lucrando com sucesso com os projetos conjuntos.
O novo lote de revelações deixa claro que Hunter Biden vem promovendo os interesses dos principais executivos do Google na China. Eles, aliás, têm desempenhado um papel de liderança nos círculos governamentais de Washington há muito tempo. O próprio Eric Schmidt, presidente da empresa, subiu ao Olimpo político com o presidente Obama, e continua à vontade por lá com Biden. O Google, que ele criou, afogou todas as exposições da família Biden nos mecanismos de busca por dois anos e as rotulou como falsas. Portanto, não é possível deixar de se perguntar: quem governa o governante? Ainda é Biden tomando as decisões? ou elas estão sendo ditadas a ele por um punhado de oligarcas norte-americanos?
O eleitorado republicano nos Estados Unidos sempre esteve convencido de que o presidente do país e seus filhos e filhas tinham se vendido aos chineses. Hoje, esse tópico começa a enveredar por assertivas mais objetivas. Teria havido, além de corrupção grosseira, possível cooperação com os serviços de inteligência chineses? As perguntas para os Bidens começam a se acumular.
Ao que tudo indica, os democratas não vão apenas perder a eleição em novembro se o caso Hunter começar a andar de verdade. Eles podem facilmente perder também seu presidente.
*Victoria Nikiforova é jornalista russa, colabora com a agência RIA Novosti.
Tradução: Ricardo Cavalcanti-Schiel.
Publicado originalmente em News Front.
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