Por JOÃO FERES JR.*
Para realmente atingir Alexandre de Moraes, Elon Musk precisaria financiar uma campanha contra o ministro que fosse capaz de romper a bolha bolsonarista
Como já mostrou Nicolau Maquiavel, circunstâncias extraordinárias pedem medidas extraordinárias para resolvê-las.
O Brasil entrou em um período prolongado de crise institucional desde a eleição de 2014, quando após constatada a derrota do candidato da direita, forças políticas, a grande imprensa e parte do sistema de justiça se juntaram na missão de sacar o PT do poder.
Essa campanha começou com os ataques de Aécio Neves ao sistema eleitoral, mas logo foi seguida pela intensificação avassaladora da Lava Jato, como uma cobertura de mídia super distorcida, seguida das campanhas pela remoção de Dilma Rousseff, seu impeachment, o governo ilegítimo de Michel Temer, a perseguição criminal e prisão de Lula, e a consequente cassação de seus direitos políticos, já em 2018.
Esses fatos críticos em sequência foram conduzidos sempre no limite da legalidade, com as instituições sendo esticadas no limite da ruptura. Só para dar alguns exemplos, Michel Temer coloca um militar à frente do Ministério da Defesa, o general Augusto Heleno dá declaração pública ameaçando o Supremo quando do julgamento do habeas corpus de Lula, Deltan Dallagnol e sua equipe de procuradores entra ao vivo na rede Globo para ameaçar o Congresso quando da votação das “10 medidas contra a corrupção”. Todo esse preâmbulo de desgaste institucional criou condições para a vitória de Jair Bolsonaro em 2018.
Sob Jair Bolsonaro o esgarçamento institucional somente piorou. Além do atrito constante entre o presidente e o Supremo, uma enorme deturpação institucional feita pelo presidente foi a transferência massiva do orçamento da União para o Congresso por meio da intensificação do Orçamento Secreto. A isso se soma o ataque sistemático encetado por ele e seus apoiadores contra o sistema eleitoral. E por fim, tivemos algumas tentativas de golpe após a derrota eleitoral.
Em suma, em uma situação dessas, de alto risco para a sobrevivência de democracia brasileira, é preciso de pessoas que ajam de maneira resoluta, mesmo que suas decisões possam ser também no limite da institucionalidade. Esse era um problema já conhecido por Jaen-Jacques Rousseau e Denis Diderot: as instituições valem até certo ponto, pois dependem de um mínimo de boa fé dos participantes.
A equação é mais ou menos assim: a grande vantagem das instituições é que elas funcionam sem assumir como premissa a virtude dos participantes. Contudo, elas raramente resistem ao assalto prolongado de sabotadores, particularmente se esses sabotadores almejam alterar o status quo a fim de que se livrem de qualquer sansão se vitoriosos.
Já em tempos de crise, aí a virtude se faz necessária. A virtude verdadeiramente maquiavélica de não se prender estritamente a padrões sancionados de comportamento.
Ex-secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo durante o governo de Geraldo Alckmin, Alexandre de Moraes foi escolhido por Michel Temer para ocupar vaga no Supremo, ou seja, ele advém da direita do espectro político. Contudo, está se mostrando capaz de enfrentar as maiores ameaças à democracia brasileira e está fazendo isso sem maiores abusos institucionais.
Os bolsonaristas rapidamente agarraram a oportunidade de utilizar as declarações de Elon Musk como mais um conteúdo na sua batalha cotidiana pela opinião pública. Elon Musk é um ícone dos novos tempos, herói do empreendedorismo para uns e monstro desumano para outros. Além de ser uma figura midiática, tem poder econômico.
Contudo, Alexandre de Moraes está razoavelmente blindado nesse início de contenda. Para realmente atingir o ministro, Elon Musk precisaria financiar uma campanha contra o ministro que fosse capaz de romper a bolha bolsonarista. Mas isso deixaria rastros e indisporia todo o STF contra ele e suas empresas.
A dollar diplomacy terminou há mais de cem anos, mas a promoção de interesses comerciais privados sempre figurou com destaque nas relações dos EUA com os países do sul, inclusive o Brasil. Se os tempos fossem outros, talvez tentassem empurrar por nossa goela abaixo sua concepção absolutista do direito de expressão. De qualquer maneira, não custa nada nos precavermos, pois alguns meios de comunicação ensaiam alinhamento com Elon Musk, por mais que seus interesses econômicos não sejam os mesmos das big techs que controlam as redes sociais.
*João Feres Júnior é professor de ciência política do IESP-UERJ. Coordena o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA) e o Laboratório de Estudos de Mídia e Espaço Público (LEMEP).
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