O botão vermelho

Imagem: Messala Ciulla
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por ALEXANDRE L. C. TRANJAN*

Por que a extrema direita virou centrão?

Há poucos dias, deparamo-nos com uma surpreendente notícia: o União Brasil, partido com diversos cargos eleitos pelos setores mais reacionários da população brasileira, e que foi parte substancial da base do governo de Jair Bolsonaro, “não será oposição a Lula”. Uma sobrancelha deve subir ao se ler a notícia, tão logo quando ela descerá na conclusão deste breve ensaio. Mas os olhos devem se arregalar, pois se trata de problemática candente.

A explicação materialista para esse movimento vai além do mero “ora, estão interessados em benesses”. Porque isso particularizaria o problema de modo a afastar o entendimento da estrutura que subjaz a esse velho e conhecido esquema de “toma lá, dá cá”, sobre o qual qualquer ignorante poderia dar uma palestra de boteco – e geralmente o fazem. O que explica que não só o União Brasil, mas a união de diversos setores da burguesia não só do Brasil, guinou do petismo (entenda-se como modo de regulação, não ofensa) para o bolsonarismo (ofensa) e agora volta como filho pródigo é a articulação das forças produtivas no pós-fordismo – cuja manifestação ideológica é o tal neoliberalismo.

O golpe de 2016 e suas camadas posteriores, digo, prisão de Lula, fakada, bombardeamento de fake news no zap, and so on, teve como matriz estrutural o desgaste do Estado de bem-estar social que Lula e Dilma engendraram, em razão da queda do preço das commodities e da redução da taxa de lucro pelo pleno emprego, além do interesse estadunidense em sugar o pré-sal. Pachukanis ensina que o fascismo é sempre uma possibilidade disponível para a burguesia manter sua hegemonia e a rentabilidade de seus empreendimentos.

Porém, por significar a coesão de interesses conflitantes – alta burguesia do agrobusiness contra classe média urbana desempregada, por exemplo – o fascismo, bem como as organizações de inclinação fascista, mas que ainda não chegaram lá, é instável e tende ao colapso. Não se trata de uma posição a longo prazo, mas um botão vermelho que se aperta quando o poder burguês encontra obstáculo.

Mas, em alguma medida, eles venceram, mesmo perdendo. Porque para derrotá-los – e isso é uma realidade que se generaliza quando a extrema direita entra em cena – foi necessária uma frente ampla democrática, tão ampla que compreendendo elementos fora da esquerda, e certamente sem perspectiva radical de transformação do modo de sociabilidade. A diferença passa a ser meramente quantitativa: em vez de acelerar as contradições do capitalismo, tenta-se reparar seus efeitos, mas nunca se ataca a raiz do problema, o próprio capitalismo. Por isso, partidos da burguesia que são, aos ex-aliados de Bolsonaro não será impossível apoiar, até certo ponto e mantendo a carta de traição na manga, o governo Lula. Serão tempos melhores, isso não negamos. Mas a cadela do fascismo continuará no cio.

*Alexandre L. C. Tranjan é graduando em direito na USP.

O site A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores. Ajude-nos a manter esta ideia.
Clique aqui e veja como

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • A Terceira Guerra Mundialmíssel atacms 26/11/2024 Por RUBEN BAUER NAVEIRA: A Rússia irá retaliar o uso de mísseis sofisticados da OTAN contra seu território, e os americanos não têm dúvidas quanto a isso
  • A Europa prepara-se para a guerraguerra trincheira 27/11/2024 Por FLÁVIO AGUIAR: Sempre que a Europa preparou-se para guerra, ela acabou acontecendo, com as consequências trágicas que conhecemos
  • Os caminhos do bolsonarismocéu 28/11/2024 Por RONALDO TAMBERLINI PAGOTTO: O protagonismo do Judiciário esvazia as ruas. A força da extrema direita tem apoio internacional, recursos abundantes e canais de comunicação de grande impacto
  • O acontecimento da literaturacultura equívoco 26/11/2024 Por TERRY EAGLETON: Prefácio do livro recém editado
  • Os espectros da filosofia russaBurlarki cultura 23/11/2024 Por ARI MARCELO SOLON: Considerações sobre o livro “Alexandre Kojève and the Specters of Russian Philosophy”, de Trevor Wilson
  • Aziz Ab’SaberOlgaria Matos 2024 29/11/2024 Por OLGÁRIA MATOS: Palestra no seminário em homenagem ao centenário do geocientista
  • Não existe alternativa?lâmpadas 23/06/2023 Por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS: Austeridade, política e ideologia do novo arcabouço fiscal
  • O premiado Ainda estou aquicultura ainda estou aqui ii 27/11/2024 Por JULIO CESAR TELES: Não é apenas um filme que soube usar recursos visuais, fontes de época ou retratar um momento traumático da história brasileira; é um filme necessário, que assume a função de memória e resistência
  • Não é a economia, estúpidoPaulo Capel Narvai 30/11/2024 Por PAULO CAPEL NARVAI: Nessa “festa da faca” de cortar e cortar sempre mais, e mais fundo, não bastaria algo como uns R$ 100 bilhões ou R$ 150 bilhões. Não bastaria, pois ao mercado nunca basta
  • Guerra na Ucrânia — a escada da escaladaANDREW KORYBKO 26/11/2024 Por ANDREW KORYBKO: Putin viu-se confrontado com a opção de escalar ou de continuar sua política de paciência estratégica, e escolheu a primeira opção

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES