O caso Assange

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por SERGIO AMADEU DA SILVEIRA*

Os pilares das democracias não podem se sustentar sobre a farsa, a desinformação e a dissimulação

Certamente é difícil definir qual o maior exemplo de desinformação dos últimos tempos. Mas, certamente o caso Assange se encontra entre as mais danosas e agressivas farsas já montadas nos últimos anos. Julian Assange encontra-se preso no Reino Unido por liderar o Wikileaks, uma organização que visa publicar vazamentos de organizações poderosas, tais como Estados e grandes corporações. O critério de publicação da organização é que os conteúdos sejam comprovadamente verdadeiros e relevantes para a opinião pública mundial. Apesar das tentativas de desqualificá-lo, Assange praticou a boa investigação jornalística e, por isso, está sendo calado e preso.

O dano que a prisão de Assange trouxe para a liberdade de imprensa é descomunal. Os Estados Unidos, país que usa a lógica da razão de Estado para fulminar a liberdade de expressão e aprovar atos de censura interna em nome da luta contra o terror, também pratica operações de extrema violência e dissimulação. Washington emprega suas agências de inteligência e realiza operações que vão do assassinato de reputações à execução física de pessoas pelo mundo afora. Assange foi vítima da tentativa das agências dos EUA de destruir sua imagem para deslegitimar o seu trabalho.

As agências norte-americanas armaram contra o líder do Wikileaks uma acusação de estupro na Suécia.  Essa acusação foi base de um chamado prioritário de captura pela Interpol. Preso na Reino Unido pela armação que movia as autoridades suecas, Assange pede asilo na embaixada do Equador. O Reino Unido não permite que ele se desloque até o aeroporto em carro oficial da República do Equador para se deslocar até o país da América do Sul. Como uma ditadura qualquer, a alardeada democracia liberal britânica ameaça até invadir a embaixada que dá asilo para Assange. Meses depois, a Suécia retira a acusação contra Assange. A farsa era insustentável.

O motivo pelo qual o Reino Unido prendera Assange caía por terra. Mas esse não era o motivo real de sua perseguição. Curiosamente, a Inglaterra sustenta que ele violara sua prisão residencial. Dada a fragilidade das acusações que fariam até os promotores da Lava Jato se envergonharem, só restava aos EUA aparecerem com seu objetivo real. Assim, as autoridades estadunidenses apresentam no Reino Unido 17 acusações contra Assange.

Ele é acusado de conspiração à espionagem. Em seguida, os arautos da farsa pedem a sua extradição para o país que tem prisões secretas em diversos locais do planeta e que executa a tortura em manuais já vazados e publicados pela imprensa mundial. Não é a Venezuela que descrevo, são os Estados Unidos, o exemplo de democracia. Esse país que fala de direitos humanos enquanto tortura o “detainee” em Guantánamo, uma zona em que prevalece o estado de exceção, como bem nos alertou Giorgio Agamben.

Assange nunca foi espião. Ele agiu como todo bom jornalista investigativo deve agir. Uma vez que recebeu informações comprovadamente verdadeiras que demonstravam os crimes de guerra das forças militares dos EUA, ele fez o que todo manual do bom jornalismo recomenda. Assange divulgou a verdade sobre as práticas sinistras e criminosas das forças armadas do país que se arvora no direito de ser a polícia do mundo. Edward Snowden, em 2013, mostrou que a agência de inteligência digital norte-americana espionava aliados e milhões de pessoas não para combater o terrorismo, mas para obter inúmeras vantagens, econômicas e políticas.

Assange é preso político no Reino Unido. Segundo o relator de direitos humanos da ONU, Assange é vítima de uma grande farsa e está submetido a tortura psicológica. Os britânicos cumprem mais uma vez seu lamentável papel de seguir os ditames de Washington. Atrelados a uma lógica geopolítica desastrosa, o Reino Unido nos mostra que de nada vale os direitos humanos e a liberdade de imprensa quando o que está em jogo são a manutenção da cadeia de poder comandada pelos Estados Unidos.

O caso Assange é um exemplo de que a desinformação praticada pelos Estados Unidos deve ser denunciada. Desde a farsa “da ocupação do Iraque contra armas de destruição em massa” até “a luta contra a corrupção no planeta”, as agências norte-americanas são um risco constante para a verdade e para o direito dos povos à informação correta e de qualidade.

Sem conseguir negar a veracidade das imagens do helicóptero Apache que assassina civis e os repórteres da Reuters em Bagdá, conhecido como “Collateral Murder”, sem ter como desmentir os comunicados das embaixadas norte-americanas divulgados pelo Wikileaks, entre outros vazamentos de informação, os EUA optam pelas táticas de guerra que conhecem tão bem. Mentir, dissuadir, confundir, ofuscar. Esses são os verbos apropriados para falar das ações praticadas pelas autoridades norte-americanas.

Além da notória farsa contra Julian Assange, a imprensa internacional descobre que a CIA debaixo do governo do democrata Barack Obama planejava sequestrar e matar Assange. Isso é um sinal de que o imperialismo é maior do que ocupantes provisórios de cargos no governo. Há uma lógica no poder estadunidense que precisa ser denunciada. Não podemos aceitar mais tamanha falsidade, tanta mentira, tanta desinformação. Chega de complacência com autoridades que se arrogam democráticas enquanto bloqueiam o direito dos povos à informação.

O que mais assusta é que a maioria esmagadora da opinião pública internacional sabe que Assange está preso por divulgar a verdade sobre os crimes de guerra dos EUA. Até quando vamos aceitar essa farsa? Até quando podemos ver a vida de uma pessoa destruída por que Washington quer vingança? Podemos continuar aceitando o cinismo como principal estratégia nas relações internacionais comandadas pelos Estados Unidos? Seria a ideia de que as razões de Estado estão acima do direito dos povos a obter informação verdadeira ainda válida? Legitima?

Os pilares das democracias não podem se sustentar sobre a farsa, a desinformação e a dissimulação. Caso isso fosse possível no mundo das comunicações de massa, não é mais viável atualmente. Combater a desinformação é fundamento das democracias. Fracassar nessa batalha é fortalecer a principal estratégia da extrema direita mundial que quer igualar governos democráticos aos autoritários, para desfechar nos primeiros o golpe mortal dos ditames neoliberais que hoje flertam com o fascismo.

Afinal, dizem os líderes da direita alternativa norteamericana, “a liberdade não convive mais com a democracia”.  Que liberdade? A liberdade de ultra exploração econômica e toda sorte de negacionismo, o direito de agressão, o discurso de ódio entendido como liberdade de expressão, coisas típicas da direita norteamericana.

P.S.: Peço que todas e todos se engajem na defesa da liberdade para Julian Assange. Essa farsa tem que acabar. Se estiver em São Paulo, no dia 25 de fevereiro, das 11h às 13 horas, venha no protesto pela liberdade para Assange em frente ao consulado do Reino Unido, na rua Ferreira de Araujo, 741, Pinheiros.

Sim, esse artigo termina com uma convocação.

*Sergio Amadeu da Silveira é professor da Universidade Federal do ABC. Autor, entre outros livros, de Software livre – a luta pela liberdade do conhecimento (Conrad).

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Chico Whitaker Francisco de Oliveira Barros Júnior João Lanari Bo Mário Maestri Bruno Machado Armando Boito Ronald León Núñez Heraldo Campos Luís Fernando Vitagliano Flávio R. Kothe João Sette Whitaker Ferreira Paulo Sérgio Pinheiro Julian Rodrigues Rodrigo de Faria Michel Goulart da Silva Ronaldo Tadeu de Souza Matheus Silveira de Souza Berenice Bento Afrânio Catani Paulo Fernandes Silveira Gabriel Cohn Dennis Oliveira Alexandre Aragão de Albuquerque Michael Löwy Kátia Gerab Baggio Maria Rita Kehl Jorge Luiz Souto Maior Daniel Brazil Marjorie C. Marona Antonino Infranca Carlos Tautz Atilio A. Boron Ricardo Antunes Luis Felipe Miguel Celso Favaretto Paulo Martins Ricardo Musse Alexandre de Freitas Barbosa André Singer Gerson Almeida Tadeu Valadares Walnice Nogueira Galvão Bento Prado Jr. Osvaldo Coggiola Marcus Ianoni Eliziário Andrade Sandra Bitencourt Anderson Alves Esteves Remy José Fontana Andrew Korybko Celso Frederico Samuel Kilsztajn Henri Acselrad Ladislau Dowbor Fernando Nogueira da Costa Marilia Pacheco Fiorillo Michael Roberts Jean Pierre Chauvin Rafael R. Ioris Claudio Katz Caio Bugiato Alexandre de Lima Castro Tranjan João Paulo Ayub Fonseca Leda Maria Paulani Luiz Eduardo Soares Marcelo Módolo Renato Dagnino Daniel Afonso da Silva João Adolfo Hansen Slavoj Žižek Fábio Konder Comparato Bruno Fabricio Alcebino da Silva Eleutério F. S. Prado Rubens Pinto Lyra José Luís Fiori Ricardo Abramovay Luiz Werneck Vianna Leonardo Avritzer Henry Burnett Ronald Rocha Salem Nasser Daniel Costa Lorenzo Vitral Leonardo Sacramento Igor Felippe Santos Vladimir Safatle Jean Marc Von Der Weid Andrés del Río Milton Pinheiro Vinício Carrilho Martinez Marcos Aurélio da Silva Tales Ab'Sáber Manchetômetro Dênis de Moraes Mariarosaria Fabris Luiz Carlos Bresser-Pereira Paulo Nogueira Batista Jr Luiz Marques André Márcio Neves Soares Leonardo Boff João Carlos Loebens Marilena Chauí Boaventura de Sousa Santos Eleonora Albano Francisco Fernandes Ladeira Luiz Bernardo Pericás Benicio Viero Schmidt José Costa Júnior Luiz Renato Martins Manuel Domingos Neto Everaldo de Oliveira Andrade José Machado Moita Neto José Geraldo Couto Ari Marcelo Solon Otaviano Helene Yuri Martins-Fontes Fernão Pessoa Ramos Luiz Roberto Alves Antonio Martins Marcelo Guimarães Lima Érico Andrade Eduardo Borges Annateresa Fabris Bernardo Ricupero Paulo Capel Narvai Luciano Nascimento Gilberto Maringoni João Feres Júnior Liszt Vieira Lucas Fiaschetti Estevez Airton Paschoa Anselm Jappe Carla Teixeira Antônio Sales Rios Neto Ricardo Fabbrini José Micaelson Lacerda Morais Lincoln Secco Gilberto Lopes Valerio Arcary Juarez Guimarães Denilson Cordeiro José Dirceu Plínio de Arruda Sampaio Jr. Marcos Silva Francisco Pereira de Farias José Raimundo Trindade Vanderlei Tenório Eugênio Bucci João Carlos Salles Thomas Piketty Chico Alencar Priscila Figueiredo Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Jorge Branco Eugênio Trivinho Sergio Amadeu da Silveira Tarso Genro Flávio Aguiar Elias Jabbour Alysson Leandro Mascaro

NOVAS PUBLICAÇÕES