Por FRANCISCO HIDALGO FLOR*
Os resultados do primeiro turno mostram uma acentuada polarização política da qual apenas o movimento indígena é poupado
O presente artigo tem por objetivo analisar os resultados do primeiro turno das eleições presidenciais e legislativas do Equador, realizadas em 9 de fevereiro de 2025, em termos da evolução das tendências neoliberais e neodesenvolvimentistas, acentuando uma polarização política da qual apenas o movimento indígena é poupado, e antevê cenários para o segundo turno, que será realizado em abril.
Os resultados deste primeiro turno revelaram um inusitado empate entre o candidato presidencial Daniel Noboa, da “Aliança Democrática Nacional” (ADN), que obteve 44,17% (4.527.400 votos); e a candidata Luisa González, da “Revolução Cidadã” (RC), que obteve 43,97% (4.507.600 votos),[i] bem distante, em terceiro lugar, ficou o candidato Leónidas Iza, representando o movimento Pachakutik (Iza também é presidente da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador – Conaie), que obteve 5,25% (538.400 votos); em quarto lugar, ficou a candidata Andrea González, patrocinada pelo Partido Sociedade Patriótica, com 2,69% (275.700 votos). No total, havia 16 candidatos, mas os demais obtiveram menos de 1% do eleitorado.
Mas um empate, tanto na política como no esporte, pode marcar mais incertezas do que certezas para a fase seguinte, como os adeptos do futebol sabem muito bem. Vejamos o gráfico 1:
Gráfico 1: Resultados do primeiro turno das eleições presidenciais de fevereiro de 2025

As análises realizadas após o primeiro turno destacam como um fato inédito, nos processos eleitorais das últimas décadas, esta polarização e o empate, pois 88,2% dos votos válidos foram definidos já no primeiro turno por essas duas opções, restando apenas 11,8% dos votos em disputa, dos quais pouco menos da metade (5,3%) corresponde aos votos obtidos pelo Pachakutik, boa parte deles de populações indígenas.
Na presente leitura, ao lado da polarização, que é evidente, como mostrado pelo Gráfico 1, propomos olhar para uma derrota parcial da tendência conservadora-neoliberal, bem como para a consolidação parcial da tendência neodesenvolvimentista, à custa do enfraquecimento de outras expressões orgânicas dentro de cada uma das tendências, e do reagrupamento da tendência indígena, mas à distância das anteriores.
Note-se que assumimos as noções de tendência conservadora-neoliberal, por caracterizar melhor do que a descrição geral de “direita”, e de tendência neodesenvolvimentista, por caracterizar melhor do que a descrição geral de “esquerda”, assim como consideramos que, para o caso equatoriano, é possível distinguir uma tendência indígena, difícil de classificar como “direita” ou “esquerda”. Ao longo do artigo, apresentamos o conteúdo de cada uma delas.
Evolução da tendência conservadora-neoliberal
Estamos falando de uma derrota parcial da tendência conservadora-neoliberal no primeiro turno em fevereiro, pois, por trás da indicação do candidato-presidente Daniel Noboa, moviam-se duas estruturas muito fortes, por um lado, o aparato governamental, já que, mesmo nos dias de campanha aberta, Daniel Noboa não deixou o cargo; e por outro, o apoio dos setores oligárquicos, aos quais ele pertence, dado que faz parte de um dos clãs agroexportadores: o grupo Noboa.
Ao se buscar a reeleição do presidente, conferiu-se a esse processo eleitoral um tom plebiscitário, de aceitação ou negação do governo de Noboa, ao qual ele ascendeu em novembro de 2023,[ii] e esse é um elemento fundamental a ser considerado na análise dos resultados eleitorais.
Cabe, portanto, uma descrição muito sucinta dos eixos do regime de Daniel Noboa (se é que é possível descrevê-lo assim), que foram decisivos para a decisão política nas eleições presidenciais.
O primeiro eixo é a política de segurança e de militarização da administração estatal. Lembremos que, poucas semanas depois de assumir a presidência, Daniel Noboa decretou o estado de emergência nacional e, desde dezembro de 2023 até à data (março de 2025), o Equador mantém-se em estado de exceção, juntamente com o decreto de “conflagração armada interna” para combater os bandos de narcotraficantes, qualificados como “grupos terroristas organizados”.
Como parte desse eixo de segurança e militarização, a doutrina da “relatividade dos direitos humanos” foi ampliada para priorizar as ações de repressão e criminalização por parte dos aparatos da polícia nacional e das forças armadas.
O segundo eixo é a política neoliberal, em duas vertentes: o cumprimento dos acordos com o Fundo Monetário Internacional, assinados desde o governo de Lenin Moreno, em 2018, e que foram ratificados pelos regimes de Lasso, em 2022, e de Daniel Noboa, em 2024, especialmente a redução do aparato estatal, eliminação de subsídios, ao lado da aceleração das políticas de privatização de empresas estatais, especialmente nos setores de petróleo e energia elétrica.
Neste primeiro turno, de tom plebiscitário, Daniel Noboa conseguiu concentrar os votos da tendência de direita em torno de sua candidatura, mas não a ampla maioria, como é possível ver no Gráfico 2.
Gráfico 2: Evolução do voto da tendência conservadora-neoliberal (2021 a 2025)

O Gráfico 2 mostra a evolução da votação da tendência conservadora-neoliberal nas eleições de 2021, 2023 e 2025. Para 2021, no primeiro turno, o candidato Guillermo Lasso, alcançou 19,7% dos votos e, no segundo turno, 52,3%, num segundo turno disputado com o candidato Arauz, da Revolução Cidadã; mas, na metade do período, decretou a medida de “morte cruzada”, renunciando, assim, à presidência, e precipitando uma nova eleição em 2023, na qual o candidato Daniel Noboa, no primeiro turno, obteve 23,4% dos votos, e, no segundo turno com a candidata Luisa González, da Revolução Cidadã, alcançou 51,8% dos votos.
Para 2025, no primeiro turno, Daniel Noboa já tem o voto de toda a tendência, com 44,1%, passando para o segundo turno, mas sua rival, novamente a candidata Luisa González, empata com ele, com um valor bem próximo, 43,9%. Assim, a novidade é que Daniel Noboa tem uma margem muito estreita para crescer.
Cabe notar que este empate no primeiro turno se reproduz na composição da nova Assembleia Nacional (como é chamado o poder legislativo e de fiscalização no Equador). Assim, a bancada parlamentar do partido do candidato Noboa, o agrupamento ADN, tem 67 lugares; a bancada parlamentar do partido da candidata Luisa González, o agrupamento RC, tem 66 lugares; a bancada parlamentar do partido do candidato Iza, isto é, Pachakutik, tem 8 lugares, tudo isto num parlamento de 150 lugares. Nenhuma das duas forças principais consegue, por si só, uma maioria.
Apontamos como uma derrota parcial da tendência de direita porque para implementar plenamente seu programa de militarização, privatização e redução de direitos, necessitavam de um respaldo eleitoral mais contundente, mas continuam limitados. Seu objetivo era avançar para uma Assembleia Constituinte, que eliminaria a atual Constituição de 2008 e redigiria uma nova Carta Magna com uma tendência clara e abertamente conservadora e neoliberal. Na campanha do primeiro turno, Noboa apontou este objetivo de mudança constitucional, ou seja, de uma contrarreforma profunda, e isto está agora encerrado.
É essencial assinalar que esta aglutinação da tendência conservadora-neoliberal em torno de Daniel Noboa provoca, ao mesmo tempo, o declínio das forças orgânicas da direita, como o tradicional Partido Social Cristão, que tinha uma votação nacional sustentada de cerca de 17% e mantinha sua liderança na província mais populosa do país, Guayas, e sua capital, Guayaquil, mas verá sua votação reduzida em 2025, com um candidato presidencial que mal atinge 0,4% dos votos e uma bancada legislativa que corresponde a 3% da representação, perdendo em seus antigos bastiões.
Por sua vez, o agrupamento eleitoral em torno de Daniel Noboa, conhecido pela sigla ADN, foi registrado como partido há pouco mais de um ano e seus principais expoentes provêm do círculo familiar e empresarial do candidato presidencial.
Evolução da tendência neodesenvolvimentista
Agora é hora de falar sobre o que mencionamos como uma consolidação da tendência neodesenvolvimentista em torno do partido Revolução Cidadã e da candidata Luisa González, para isso, vale a pena olhar para o Gráfico 3.
Gráfico 3: Evolução do voto da tendência neodesenvolvimentista (2021 a 2025).

O Gráfico 3 mostra a evolução da votação em torno do partido Revolução Cidadã, que, no primeiro turno de 2021, com a chapa eleitoral Arauz-Rabascal, alcançou 32,7% dos votos, e, assim, passou para o segundo turno contra o candidato Guillermo Lasso, embora neste só tenha alcançado 47,6%. Para as eleições antecipadas de 2023, já com a candidata Luisa Gonzales, obteve 33,6% no primeiro turno; com isso, passou para o segundo turno contra o candidato Daniel Noboa, porém só atingiu 48,1% dos votos. Para o primeiro turno das eleições de 2025, atinge 43,9% e praticamente empata com o outro candidato; este é o melhor registro eleitoral no primeiro turno das eleições presidenciais desde o tempo do ex-presidente Rafael Correa, em 2009.
Consideramos uma tendência neodesenvolvimentista porque é a noção que melhor descreve sua trajetória e seu programa: recuperação do papel do Estado no investimento em obras públicas e bem-estar social, controle e apoio ao investimento das grandes e médias empresas, planejamento estatal e mudança da matriz produtiva. Suas bandeiras principais são as realizações dos governos do ex-presidente Rafael Correa (2007-2017) e a oposição parlamentar e extraparlamentar aos regimes neoliberais de Moreno, Lasso e Noboa (2017-2025).
Ao mesmo tempo, isto permite registrar ideologicamente a evolução desta aglutinação em torno do partido Revolução Cidadã (antes, Aliança País, fundada em 2006) e o declínio dos velhos partidos de esquerda, o que está claramente expresso nos resultados destas eleições de fevereiro de 2025, uma vez que, enquanto este partido é ratificado como a primeira força política organizada em nível nacional, o apoio às suas listas parlamentares aproxima-se dos 40%, e estruturas tradicionais como a Unidade Popular e o Partido Socialista mal atingem 1,7% e 1,01%, respectivamente.
Uma diferença a destacar, se compararmos qualitativamente a evolução da tendência conservadora-neoliberal com a tendência neodesenvolvimentista, é que, enquanto na primeira há variações notáveis na estrutura política que a sustenta, desde o movimento Creio, fundado em 2011 e quase desaparecido em 2025, até o movimento ADN, legalmente reconhecido em 2024, ou seja, uma instabilidade orgânica aguda, que denota mais a presença de empresas eleitorais do que de partidos políticos (López: 2024, p. 74); na segunda, constatamos uma consolidação orgânica que sustenta a Revolução Cidadã como a principal estrutura partidária do Equador. Esta é uma diferença relevante nas condições a enfrentar no segundo turno, em abril de 2025.
Tendência indígena e giro programático
Uma particularidade do processo social e político equatoriano é a persistência de uma tendência social e política indígena, que emerge desde a fundação do movimento Pachakutik, em 1995, muito próximo da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador – Conaie, e que está patente nos resultados das eleições de 9 de fevereiro de 2025, ou seja, um percurso de trinta anos.
A votação do Pachakutik, em torno do candidato Leónidas Iza, que é também o atual presidente da Conaie, é a única que resiste à tendência de polarização que caracterizou estas eleições do primeiro turno, de tal forma que sua votação de 5,25%, que é semelhante à média eleitoral histórica deste agrupamento, é suficiente para colocá-lo como a terceira força política em nível nacional e a terceira bancada parlamentar na nova Assembleia Nacional a ser instalada em maio de 2025.
Uma análise da composição da votação recebida por Leónidas Iza indica o seguinte: “o candidato presidencial recebeu seu maior apoio nas paróquias e cantões rurais com população majoritariamente indígena e, ao mesmo tempo, a maioria de seus votos veio dos centros urbanos da região de serra” (Rodríguez: 2025, p. 2).
O apoio político-eleitoral de Leónidas Iza tem duas fontes complementares: por um lado, os centros de maior concentração indígena e rural, sobretudo na região andina, mas também alguns na região amazônica e, por outro, um apoio constante nos centros urbanos da região andina.
Este fator eleitoral foi capaz de resolver a fase de dispersão interna, que ocorreu no movimento indígena entre 2022 e 2024, em favor da liderança de Iza, como ponto de aglutinação e resposta à tendência neoliberal, encabeçada por Noboa, e à tendência neodesenvolvimentista, encabeçada por Luisa González.
Mas não conseguiu tornar-se uma tendência nacional, como aconteceu em 2019, com a candidatura de Yaku Pérez, quando alcançou 19% dos votos.
Iza expressa uma mudança geracional em relação aos líderes históricos do movimento indígena e, ao mesmo tempo, um giro programático, no sentido de que, se antes o eixo programático era composto pelas demandas de plurinacionalidade e interculturalidade, com as demandas agrárias em segundo plano, agora o eixo programático são as demandas de mudança agrária e resistência ao neoliberalismo, com as demandas caracteristicamente étnicas ficando em segundo plano.
Variável a considerar: o contexto da resistência ao neoliberalismo e ao extrativismo, o caso das consultas populares
Até o momento, explicamos o comportamento eleitoral no primeiro turno das eleições presidenciais de acordo com a evolução das principais tendências político-orgânicas: (i) conservadora-neoliberal; (ii) neodesenvolvimentista; (iii) indígena, com ênfase nos últimos anos (2021-2025).
Gostaríamos agora de introduzir um outro fator, que não se reduz ao nível eleitoral-partidário, mas que também tem estado presente no cenário eleitoral dos últimos anos: referimo-nos ao comportamento político nas consultas populares nacionais ou referendos, também realizados nos últimos anos.
Colocamos este fator não só como um elemento explicativo do que já aconteceu, mas também como um elemento a ser considerado quanto à provável evolução das posições eleitorais no segundo turno em abril de 2025.
Vimos argumentando que, no Equador, as consultas populares nacionais expressaram uma bagagem de resistência ao neoliberalismo e ao extrativismo que ultrapassa os limites das tendências político-eleitorais (Hidalgo: 2024). Vejamos o Gráfico 4.
Gráfico 4: Votos nas Consultas Populares (2023 e 2024)

Tomemos as três últimas consultas populares e referendos realizados no Equador em 2023 e 2024: em primeiro lugar, o referendo de fevereiro de 2023, proposto pelo presidente Lasso. A pergunta 1 referia-se à questão de permitir a extradição de equatorianos que tenham cometido delitos de tráfico de drogas.
Sobre essa questão, o resultado foi a negação dessa posição por 51,5% do eleitorado. Em segundo lugar, a consulta popular realizada em agosto de 2023, confirmada pelo Tribunal Constitucional, sobre a questão da manutenção das reservas petrolíferas da zona de biodiversidade de Yasuní no subsolo, e do fechamento dos poços abertos. Sobre esta questão, o resultado foi a aprovação da tese com 59% do eleitorado.
Em terceiro lugar, o referendo de abril de 2024, convocado pelo presidente Noboa, em que uma das perguntas se referia à reforma da Constituição no sentido de permitir a flexibilização trabalhista e a redução dos direitos dos trabalhadores; nesta questão, o resultado foi a negação desta posição com 69,5% do eleitorado.
Estes pronunciamentos majoritários do eleitorado em sintonia com posições de resistência a medidas neoliberais fundamentais (como a flexibilização trabalhista), de resistência ao extrativismo (como o fechamento de poços de petróleo em regiões de alta biodiversidade), e contra a violação de direitos (como a extradição para os Estados Unidos) correspondem ao impacto de processos de longo e curto prazos, de movimentos populares tradicionais, como o movimento operário, de movimentos sociais recentes, como o movimento ambientalista, de teses que impregnaram a consciência nacional em diferentes faixas geracionais e nas diferentes regiões do Equador.
Trata-se de uma acumulação social e política decisiva que, caso os candidatos ao segundo turno saibam recuperar, reunir e sintonizar-se com este conglomerado social e político, pode definir o rumo da renovação presidencial no Equador para o período 2025-2029.
*Francisco Hidalgo Flor, sociólogo, é professor da Universidade Central do Ecuador.
Tradução: Fernando Lima das Neves.
Referências
Consejo Nacional Electoral: resultados elecciones febrero 2025 (disponível em: https://elecciones.cne.gob.ec/ ).
Hidalgo, Francisco (2024). “Referéndum 2024: evidencia de acopios sociales y políticos antineoliberales” (disponível em: https://www.cetri.be/Referendum-2024-evidencia-acopios?lang=fr )
López, Adrián (2024). “Creo: el tránsito entre la oposición y el gobierno” (disponível em: https://revistadigital.uce.edu.ec/index.php/hoy )
Rodríguez, Javier (2025). “Elecciones presidenciales Ecuador 2025: ¿Qué lecciones nos deja la primera vuelta?” (disponível em: https://www.rosalux.org.ec/elecciones-presidenciales-ecuador-2025/ ).
Notas
[i] A diferença entre os votos de Daniel Noboa em relação aos de Luisa González chega a apenas 19.800 votos, num universo eleitoral de 11 milhões de eleitores.
[ii] As eleições presidenciais de 2023, primeiro turno em setembro e segundo turno em novembro, foram resultado da medida de “morte cruzada” decretada pelo presidente Guillermo Lasso em junho daquele ano.
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