Por JEAN PIERRE CHAUVIN*
Até quando os Professores aceitarão a pecha de amadores? Até quando o professorado aceitará ser tratado como item de “pauta social”?
“Que era, há um ano? Professor. Que é agora? Capitalista.” (Machado de Assis, Quincas Borba, cap. 1)
De tempos em tempos, entreouvimos declarações que desacreditam a profissão de educador e seu papel na sociedade brasileira.
Certa feita, o presidente de uma entidade militar que gestava o estabelecimento de ensino em que lecionava, sugeriu que os professores trabalhavam “por vocação e não por dinheiro”. A declaração fora proclamada em alto e bom som, durante a abertura de um evento que, teoricamente, visava a “capacitar” os presentes em pleno sábado – ou seja, ocupando metade do dia de descanso semanal. Evidentemente, o propósito era outro: o homem fardado dava a “sua” visão sobre os boatos que circulavam nas unidades da empresa sobre a reivindicação por melhores salários.
Ora, quem almeja melhores condições de trabalho pede duas coisas indissociáveis: remuneração adequada pelo que faz e respeito pela profissão docente. Bem sabemos que nossa categoria não tem a mesma coesão de outras corporações, como aquelas que reúnem médicos, engenheiros, policiais federais, advogados, metroviários ou motoristas de ônibus.
Essa desunião entre os colegas se soma à ilusão frente aos “prêmios” oferecidos pelo Estado. Como se sabe, ao longo de três décadas, os governos tucanos aperfeiçoaram a rivalidade entre as instituições: prêmios por resultado só estimulam a concorrência entre os estabelecimentos de ensino e mascaram as condições insalubres na sala de aula, sem contar os efeitos colaterais provocados pela falta de um projeto efetivo de Educação gratuita, inclusiva e de efetiva qualidade, na rede pública de ensino.
Como também sabemos, parte expressiva dos paulistanos não vê qualquer problema em testemunhar o antigo vice de Bruno Covas prestigiar o ato covarde e infame deste dia 25 de fevereiro, capitaneado pelos asseclas do Mitômano-mor. De modo proporcional, uma parcela considerável dos paulistas não sente qualquer constrangimento ao escutar o governador chamar de “chefe” a um sujeito comprovadamente corrupto, negacionista, sádico, entreguista, inepto, ditatorial e golpista.
Nesse sentido, é curioso que parte de meus colegas não interponha qualquer manifesto em defesa da categoria, mesmo diante do discurso recente que pregou dois absurdos: (i) sugerir que onde falta dinheiro, sobra amor [falácia tipicamente proferida por quem numa adentrou a sala de aula, na capital e nas outras cidades de São Paulo]; (ii) prometer que a remuneração dos professores será revista quanto o governo “discutir as pautas sociais”.
Até quando os Professores aceitarão a pecha de amadores? Tamanha dedicação, dentro e fora da sala de aula, não será suficiente para que enxerguem a si próprios como profissionais que merecem ser tratados e remunerados à altura de sua formação, competências e esforços?
Até quando o professorado aceitará ser tratado como item de “pauta social”? Não é de assistencialismo demagógico, nem de caridade fingida que precisamos; mas de valorização da imagem do profissional, requalificação da carreira e aumento do piso salarial. Onde está o empenho das autoridades – tão habituadas a defender a atuação controversa de incertas corporações armadas – a colaborar com que os educadores sejam percebidos e reconhecidos de outro modo?
*Jean Pierre Chauvin é professor de Cultura e literatura brasileira na Escola de Comunicação e Artes da USP. Autor, entre outros livros de Sete Falas: ensaios sobre tipologias discursivas.
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