Observações sobre as pesquisas eleitorais

Imagem: Plato Terentev
image_pdf

Por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS*

Jair Bolsonaro apenas confirmou as intenções de voto pesquisadas. Lula, não, principalmente por causa da abstenção de seus eleitores

Muitos eleitores de Lula ficaram frustrados porque a eleição presidencial não foi definida no primeiro turno. Enquanto os principais institutos de pesquisa lhe conferiam algo em torno de 50% dos ditos votos válidos (sem considerar abstenções), Lula teve 48,43% dos votos válidos (excluindo brancos, nulos e abstenções).

Pelo mesmo critério, a votação de Jair Bolsonaro surpreendeu alguns no primeiro turno, criando a percepção errônea (como veremos) de uma onda. Com 43,2% dos votos válidos, ele ficou muito acima dos 36% que os institutos lhe conferiam. A diferença entre ambos caiu de 14 pontos nas pesquisas para 5 pontos na eleição. Logo, muitos analistas passaram a afirmar que as pesquisas acertaram a votação em Lula e erraram a de Jair Bolsonaro. Veremos que o contrário é que ocorreu, e Jair Bolsonaro apenas confirmou as intenções de voto pesquisadas. Lula, não, principalmente por causa da abstenção de seus eleitores.

Aproveitando a interpretação errada sobre o “erro” dos institutos de pesquisa, Jair Bolsonaro diz surfar em uma onda irresistível, enquanto Arthur Lyra e Ricardo Barros já prometem CPI e projeto de lei para criminalizar o erro dos “prognósticos” eleitorais. O objetivo é promover o “Data-Povo” bolsonarista e ter mais um motivo para culpar uma conspiração do “sistema” por uma eventual derrota eleitoral, estimulando movimentos para virar a mesa do jogo.

O erro da maior parte dos analistas está em comparar “votos válidos” entre as pesquisas e a eleição, ao contrário de comparar intenções de voto pesquisadas e voto efetivo, como criticou o cientista político Antonio Lavareda. A comparação da proporção de “votos válidos” entre as pesquisas e o resultado eleitoral é um método errado porque o universo dos eleitores não é o mesmo. O universo das pesquisas é a totalidade dos eleitores sem excluir abstenções.

Se alguém se recusa a responder pesquisa, não é contado como abstenção. Não sabemos se mais eleitores bolsonaristas se abstiveram a responder do que outros eleitores, mas houve casos em que bolsonaristas tentavam forçar a entrevista. Já as abstenções na eleição não podem ser conhecidas antes e, nas eleições, normalmente superam múltiplas vezes o percentual de indecisos nas pesquisas.

Já a proporção de votos válidos divulgada pelo Tribunal Superior Eleitoral considera as abstenções, ou seja, só calcula os votos válidos como proporção dos que foram realmente votar (excluídos brancos e nulos). A diferença é enorme: nas pesquisas estimuladas, os indecisos ficavam em torno de 1%. Já a abstenção eleitoral chegou a 21% da totalidade do eleitorado.

Logo, excluindo brancos e nulos, os “votos válidos” nas pesquisas são calculados como proporção do total do eleitorado (156,5 milhões de eleitores), mas o TSE divulga os votos válidos como proporção de um total que é 21% menor (123,7 milhões de votantes). Como os denominadores das razões são diferentes, não faz sentido procurar o erro (ou o acerto) das pesquisas comparando proporção de votos válidos das pesquisas e da eleição.

A rigor, as pesquisas só procuram estimar a intenção de voto, e não os votos válidos. Mesmo que a intenção for efetivada, é a variação da abstenção que vai determinar a proporção dos votos válidos, mas as pesquisas nunca estimam abstenções. Logo, para procurar o erro (ou o acerto) das pesquisas, o correto é comparar intenções de voto e voto efetivo, nos dois casos tendo por universo a totalidade do eleitorado. Recalculando os votos efetivos nos candidatos como proporção da totalidade do eleitorado, as intenções de voto pesquisadas acertaram o voto em Bolsonaro e erraram o voto em Lula.

Fonte: Pesquisa IPESPE 30 set. e TSE.

A proporção de 48,4% dos votos válidos em Lula divulgada pelo TSE cai para 36,6% considerando a totalidade do eleitorado, e a proporção de Bolsonaro diminui de 43,2% para 32,64%. Assim, as pesquisas de intenção de voto em Bolsonaro (33%) acertaram a efetivação de voto, mas erraram a efetivação da intenção em Lula (46% contra 36,6%), exatamente o contrário do que parecia fazendo a comparação errada.

Fonte: Pesquisa IPESPE 30 set. e TSE.

O que explica a discrepância? Para responder isso, podem ser desconsideradas as diferenças metodológicas entre os institutos de pesquisa seja de ponderação da amostra, seja de método de consulta, pois em todas as pesquisas é a intenção em Bolsonaro que se aproxima da efetivada e é a de Lula e dos demais candidatos que fica aquém do estimado. Na tabela seguinte, a intenção pesquisada está nas colunas azuis.

Duas hipóteses são comuns para explicar a discrepância: (1) transferência de voto para Bolsonaro na última hora, em razão do próprio conhecimento das pesquisas ou do efeito de onda de campanha de mensagens (com desinformação ampla) não detectadas publicamente; (2) desigualdade do impacto das abstenções na efetivação do voto entre os candidatos. A maioria dos analistas faz a comparação errada entre votos válidos e defende a primeira hipótese, enquanto Antonio Lavareda defende a segunda hipótese, fazendo a comparação correta entre intenções pesquisadas e efetivação do voto.

Minha hipótese é que as duas coisas ocorreram, cabendo estimar o peso delas. Em favor da primeira hipótese, a pesquisa sobre o segundo turno do PoderData divulgada em 06 de outubro aponta, por exemplo, que 92% dos eleitores de Simone Tebet pretendem votar em Lula, indicando que os que tinham Bolsonaro como segunda opção provavelmente anteciparam a escolha no primeiro turno.

Uma transferência entre Lula e Jair Bolsonaro, porém, é menos provável, dada a consolidação enorme das intenções em Lula verificada nas pesquisas de primeiro turno. Como a consolidação se mantem nas pesquisas publicadas sobre o segundo turno (vide IPEC e Genial/Quaest), é improvável que tenha sido prejudicada por eventual campanha de desinformação na véspera do primeiro turno. Se Jair Bolsonaro não ganhou muitos votos de Lula, logicamente a abstenção de seus eleitores foi muito menor que a de Lula. É ilógico supor uma abstenção maior em Jair Bolsonaro, pois não seria compensada pela transferência de votos de Lula a ponto de preservar o valor semelhante das intenções de voto pesquisadas (32,6%) e efetivadas (33%).

Logo, é provável que a abstenção de eleitores em Jair Bolsonaro tenha sido muito menor do que em Lula, e tenha sido compensada pela transferência de votos principalmente dos demais candidatos. Uma primeira evidência é que a pesquisa Genial/Quaest (06 de outubro) com eleitores que declararam que não ter votado no primeiro turno, ou votado branco e nulo, indica 45% de preferência em Lula, 28% em Jair Bolsonaro.

Se Lula não perdeu muitos votos para Bolsonaro, a divergência entre as intenções de voto pesquisadas (46%) e a efetivação na urna (36,6%) em Lula deve ser explicada principalmente pela abstenção de seus eleitores. Isso sempre ocorre, pois Lula é preferido entre eleitores de baixa renda com menores condições de deslocamento e/ou motivação para votar. Na eleição de 2006, a diferença foi praticamente a mesma da ocorrida em 2022, cerca de 9 p.p. (de 46% para 37,07%). Como Lavareda lembra em no twitter, “dos quase sete milhões de eleitores analfabetos, cerca de 51% não votaram na penúltima eleição. E 44% dos eleitores de Lula têm até fundamental completo”.

Por um lado, se acreditarem na hipótese de transferência de votos para Jair Bolsonaro no primeiro turno, os eleitores de Lula podem ficar mais tranquilos, pois Bolsonaro já teria recebido votos que receberia apenas no segundo turno. Por outro lado, caso a abstenção de eleitores de Lula tenha sido significativa, e, pior, se ela se ampliar no segundo turno como é de praxe, a eleição será muito mais apertada do que indicam as pesquisas divulgadas depois do primeiro turno.

Considerando “votos válidos”, a diferença entre Lula e Jair Bolsonaro é de 10 p.p. na pesquisa IPEC (05 out.) e 8 p.p. na pesquisa Genial/Quaest (06 out.). Se Lula perder 9 pontos para a abstenção, mas Bolsonaro voltar a confirmar sua intenção de voto, a eleição estaria empatada hoje. A campanha de Jair Bolsonaro sabe que a abstenção de eleitores pobres a favorece, pois às vésperas do primeiro turno entrou com pedido junto ao TSE para proibir transporte gratuito onde havia no dia da eleição. Provavelmente seus militantes mais extremistas vão amedrontar eleitores com ameaças de violência, para que venham a aderir ao “fica em casa e a eleição a gente vê depois”.

É de se lamentar que a liberdade de votar não seja acompanhada da mesma capacidade de votar para todos. A médio prazo, generalizar o transporte público gratuito, educar sobre a importância da participação política e sobre a metodologia das pesquisas eleitorais (para evitar o “já ganhou”) e coibir a violência política pode atenuar o problema. A curtíssimo prazo, só uma enorme campanha para estimular o voto dos que preferem Lula pode assegurar sua vitória.[1]

*Pedro Paulo Zahluth Bastos é professor do Instituto de Economia da Unicamp.

 

Nota


[1] As tabelas foram solicitadas a Antônio Lavareda e podem ser consultadas junto a seu perfil no Twitter (https://twitter.com/LavaredaAntonio/status/1577072345583607808).

 

O site A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores. Ajude-nos a manter esta ideia.
Clique aqui e veja como

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
A rede de proteção do banco Master
28 Nov 2025 Por GERSON ALMEIDA: A fraude bilionária do banco Master expõe a rede de proteção nos bastidores do poder: do Banco Central ao Planalto, quem abriu caminho para o colapso?
2
A poesia de Manuel Bandeira
25 Nov 2025 Por ANDRÉ R. FERNANDES: Por trás do poeta da melancolia íntima, um agudo cronista da desigualdade brasileira. A sociologia escondida nos versos simples de Manuel Bandeira
3
O filho de mil homens
26 Nov 2025 Por DANIEL BRAZIL: Considerações sobre o filme de Daniel Rezende, em exibição nos cinemas
4
A arquitetura da dependência
30 Nov 2025 Por JOÃO DOS REIS SILVA JÚNIOR: A "arquitetura da dependência" é uma estrutura total que articula exploração econômica, razão dualista e colonialidade do saber, mostrando como o Estado brasileiro não apenas reproduz, mas administra e legitima essa subordinação histórica em todas as esferas, da economia à universidade
5
A disputa mar e terra pela geopolítica dos dados
01 Dec 2025 Por MARCIO POCHMANN: O novo mapa do poder não está nos continentes ou oceanos, mas nos cabos submarinos e nuvens de dados que redesenham a soberania na sombra
6
Colonização cultural e filosofia brasileira
30 Nov 2025 Por JOHN KARLEY DE SOUSA AQUINO: A filosofia brasileira sofre de uma colonização cultural profunda que a transformou num "departamento francês de ultramar", onde filósofos locais, com complexo de inferioridade, reproduzem ideias europeias como produtos acabados
7
Raduan Nassar, 90 anos
27 Nov 2025 Por SABRINA SEDLMAYER: Muito além de "Lavoura Arcaica": a trajetória de um escritor que fez da ética e da recusa aos pactos fáceis sua maior obra
8
A feitiçaria digital nas próximas eleições
27 Nov 2025 Por EUGÊNIO BUCCI: O maior risco para as eleições de 2026 não está nas alianças políticas tradicionais, mas no poder desregulado das big techs, que, abandonando qualquer pretensão de neutralidade, atuam abertamente como aparelhos de propaganda da extrema-direita global
9
O empreendedorismo e a economia solidária
02 Dec 2025 Por RENATO DAGNINO: Os filhos da classe média tiveram que abandonar seu ambicionado projeto de explorar os integrantes da classe trabalhadora e foram levados a desistir de tentar vender sua própria força de trabalho a empresas que cada vez mais dela prescindem
10
Totalitarismo tecnológico ou digital
27 Nov 2025 Por CLAUDINEI LUIZ CHITOLINA: A servidão voluntária na era digital: como a IA Generativa, a serviço do capital, nos vigia, controla e aliena com nosso próprio consentimento
11
Walter Benjamin, o marxista da nostalgia
21 Nov 2025 Por NICOLÁS GONÇALVES: A nostalgia que o capitalismo vende é anestesia; a que Benjamin propõe é arqueologia militante das ruínas onde dormem os futuros abortados
12
Biopoder e bolha: os dois fluxos inescapáveis da IA
02 Dec 2025 Por PAULO GHIRALDELLI: Se a inteligência artificial é a nova cenoura pendurada na varinha do capital, quem somos nós nessa corrida — o burro, a cenoura, ou apenas o terreno onde ambos pisam?
13
O arquivo György Lukács em Budapeste
27 Nov 2025 Por RÜDIGER DANNEMANN: A luta pela preservação do legado de György Lukács na Hungria de Viktor Orbán, desde o fechamento forçado de seu arquivo pela academia estatal até a recente e esperançosa retomada do apartamento do filósofo pela prefeitura de Budapeste
14
Argentina – a anorexia da oposição
29 Nov 2025 Por EMILIO CAFASSI: Por que nenhum "nós" consegue desafiar Milei? A crise de imaginação política que paralisa a oposição argentina
15
O parto do pós-bolsonarismo
01 Dec 2025 Por JALDES MENESES: Quando a cabeça da hidra cai, seu corpo se reorganiza em formas mais sutis e perigosas. A verdadeira batalha pelo regime político está apenas começando
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES