Por VANDERLEI TENÓRIO & FELIPE PASSOS GAL*
Considerações sobre a campanha da CPB London
Nos últimos anos, as empresas estão se tornando cada vez mais sensíveis à inclusão e equidade de gênero. Ao enfrentar o problema, surgiram dificuldades, mentalidades e legados difíceis de erradicar em pouco tempo. Estamos falando de “viés de gênero”, preconceitos e até mesmo dificuldades relacionadas à diversidade de gênero.
O fato pode ser enquadrado em uma das quatro ações fundamentais do conceito de ação social, definido pelo sociólogo alemão Max Weber. O fato configura um exemplo claro da ação tradicional. Para Weber, a ação tradicional é aquela ditada pelos hábitos, costumes e crenças, transformadas numa segunda natureza. Weber avulta que para agir de conformidade com a tradição os atores não precisam conceber um objetivo, ou um valor, os atores simplesmente são conduzidos pelos reflexos enraizados por longa prática.
Nisso, em si, a campanha da CPB London expõe uma crítica aos estereótipos e aos papéis de gênero no âmbito laboral – esses que são historicamente, socialmente e culturalmente enraizados em um coletivo geral alicerçado em uma ação tradicional, ação essa naturalizada ao longo do tempo. A crítica está contida nas seguintes frases: “imagine alguém…”, “imagine um…” e “é uma mulher, ou um homem?”.
Ressaltamos que, os estereótipos de gênero dizem respeito principalmente a expectativas rígidas sobre comportamentos masculinos e femininos dentro de um contexto sociocultural. Muitas vezes estão inextricavelmente enraizadas na cultura de gênero, a ponto de ajudar a alimentar um fenômeno complexo como a violência de gênero.
Sexo e gênero
O significado dos termos sexo e gênero não são sobreponíveis. O sexo corresponde às características biológicas com as quais se nasce (os genitais são a primeira e mais evidente dessas características), gênero, por outro lado, diz respeito aos papéis e responsabilidades que são “atribuídos” a homens e mulheres pelos contextos culturais de referência (famílias, colegas, comunidades, instituições), portanto não pré-definidos por natureza. Por esse ângulo, como o gênero é produto de um processo de construção sociocultural dos conceitos de feminino e masculino, os papéis de gênero – ou seja, o conjunto de comportamentos que são esperados com base no sexo do indivíduo – também podem mudar ao longo do tempo.
Convenhamos que, os avanços na igualdade de oportunidades para homens e mulheres mostram que houve progresso no último século em direção a uma redefinição dos papéis de gênero. Hoje, sabemos que vestir meninos de azul ou dar uma cozinha de brinquedo a uma menina são escolhas ditadas pela cultura e, como tal, têm implicações simbólicas.
Ao diferenciar homens e mulheres com base nas expectativas sociais sobre aparência e comportamento, os rígidos papéis de gênero podem não apenas constituir um limite à identidade e ao potencial das pessoas, mas também contribuir para gerar hierarquias injustas de poder.
Deste modo, então, a expressão durkheimiana ‘divisão do trabalho sexual’, não apreende as relações de desigualdade entre os sexos, a delimitação dos espaços sociais masculinos e femininos é percebida como aspecto fundante de uma sociedade evoluída. Carregado de influências do biologicismo social, o autor utiliza-se das diferenças corporais entre mulheres e homens para justificar a delimitação de fronteiras sexuais no meio social (MATIAS DOS SANTOS, 2007).
Papéis sociais e estereótipos na sociedade atual
No entanto, os papéis de gênero podem ser tão rigidamente arraigados que são considerados a única maneira correta de fazer as coisas, mantendo um poder – muitas vezes não reconhecido como persistente – de influenciar expectativas e comportamentos, que podem se cristalizar em estereótipos de gênero. Esses estereótipos podem resultar em comportamentos prejudiciais a si mesmo e aos outros, como no caso da “masculinidade tóxica”.
Nessa circunstância, acreditamos que, o enraizamento dos estereótipos sobre os papéis de gênero, por um lado, e a atitude em relação ao comportamento violento, por outro, são as chaves para compreender o contexto cultural em que as relações violentas encontram sua gênese e justificação. Exemplos são os episódios de violência decorrentes da homofobia, bifobia e transfobia, ou o assédio verbal que as mulheres sofrem na rua por estranhos, e que levam o nome de “cantadas”.
Alertamos que, nos últimos anos, assistimos a um aumento progressivo da sensibilidade em relação às questões de diversidade e igualdade de gênero, e cada vez mais iniciativas começaram a abrir caminho para reduzir as desigualdades de gênero.
Entretanto, observamos que, no entanto, as mulheres ainda enfrentam no dia-a-dia inúmeros obstáculos, como maiores dificuldades para alcançar cargos de chefia nas empresas, menos promoções que os colegas e a diferença salarial. Essas são apenas algumas das dificuldades e desafios enfrentados pelas mulheres no mundo do trabalho hoje. Tais pontos são bem exemplificados na campanha proposta para análise.
A campanha
A campanha é um convite para que a reflexão de quais são os estereótipos mais difundidos na dicotomia entre homem e mulher no mundo do trabalho, é uma oportunidade de entender as possíveis variáveis (de forma sucinta) da desigualdade de gênero no âmbito das empresas.
No entanto, nesse ínterim, é importante lembrar que, a naturalização de Comte sobre a diferença e desigualdade sexual sugere que, mesmo quando parecia falar sobre “indivíduos” sem considerar o gênero, ele falava, na realidade, sobre homens. Por exemplo: embora ele definisse “atividade especulativa espontânea” como a principal característica que separava “Homem” de “animais inferiores”, ele também enfatizou a “inferioridade relativa da Mulher” considerando isto como “trabalho mental” (PEDERSEN, 2006).
Em particular, à vista disso, reconhecemos que, embora hoje haja maior igualdade de direitos, os estereótipos que se consolidaram ao longo do tempo em relação às mulheres e ao mundo do trabalho lutam para serem completamente superados.
Nada obstante, estamos cientes de que alguns preconceitos estão enraizados em nós mesmos. Apoiado nisso, embora aparamente compartilhemos de ideias de igualdade e de diversidade, nem sempre conseguimos ser totalmente neutros. Cremos que, a plena consciência disso nos ajudará na implementação de ações que neutralizam as reações inconscientes.
Em nossa pesquisa, constatamos que as empresas que não têm uma força de trabalho diversificada estão perdendo uma longa série de vantagens sobre aquelas que têm. E isso porque a diversidade e a inclusão geram produtividade à medida que a capacidade de aprender e crescer uns com os outros se expande exponencialmente.
A troca diversificada de ideias impulsiona uma geração mais rica de propostas, o que, por sua vez, leva a uma maior inovação e criatividade. Entendemos que, quando falamos de diversidade, não devemos ficar apenas na área mais conhecida como gênero, mas ir muito além e, nesse sentido, nos referimos a idade, raça, deficiência, religião, origem ou composição familiar, entre outros. Muitos outros.
Sublinhamos que, diferentes tipos de pessoas estão constantemente sendo incorporados aos modelos da empresa. Cada uma dessas pessoas tem um conjunto de conhecimentos, habilidades, atributos e habilidades para contribuir para um local de trabalho e, mais importante, uma perspectiva diversificada para sugerir em projetos de grupo e discussões.
Sem embargo, como resultado, uma organização que não reconhece ou valoriza as diversas perspectivas não verá os problemas de todos os ângulos possíveis e tomará as melhores decisões, com as consequências que isso pode acarretar.
Nesse sentido, a diversidade é um acelerador de inovação, empresas diversas atraem melhores talentos e equipes diversas geram melhores produtos e serviços. O que ajuda romper com a questão levantada na campanha. Fora que, é uma oportunidade para nos comprometermos a promover a igualdade e diversidade de gênero, criando um ambiente de trabalho verdadeiramente inclusivo. O grande desafio é fazer da igualdade e diversidade de gênero um assunto de todos.
Ainda sobre a provocação feita pela campanha, é importante entendermos que a evolução das mulheres nas empresas – em diversos cargos, desde de menores a altos cargos, é um fato imparável, embora os desafios a serem alcançados ainda sejam maiores do que as conquistas alcançadas.
Hoje, promover a igualdade e a diversidade não é apenas uma questão que depende apenas das empresas, mas uma tarefa que envolve todos, governos e a sociedade como um todo. É necessária uma mudança na cultura da sociedade e na mentalidade global em termos de papéis sociais.
Conclusão
Nesse texto o propósito foi analisar a campanha da CPB London que destaca o preconceito de gênero inconsciente. A campanha é composta de uma série de cartazes que convida o público a simplesmente “imaginar” a pessoa que assume um cargo específico.
Na sequência, os cartazes perguntam se estamos imaginando um homem ou uma mulher no papel, como comentamos acima, o objetivo central da campanha é mostrar como a maioria das pessoas ainda é afetada pelo preconceito inconsciente de gênero. A análise teórica da pesquisa é alicerçada nos pensamentos comteano, durkheimiano e weberiano.
Para tanto, a análise partiu de como a divisão sexual e social do trabalho reproduz as desigualdades de gênero, apesar da inserção da mulher no mercado de trabalho, também abordamos a crítica aos estereótipos e aos papéis de gênero no âmbito laboral, as questões de diversidade e igualdade de gênero, a importância da implementação de ações que neutralizam as reações inconscientes e a promoção da igualdade e diversidade de gênero nas empresas.
Constamos que, é, portanto, necessário adotar mais, novos e diferentes instrumentos para superar, de fato, as desigualdades efetivas. Entre as questões sobre as quais intervir, destacamos também a compartimentação de gênero no mercado de trabalho e a igualdade de oportunidades de acesso a cargos representativos e de gestão de topo a favor dos homens em detrimento das mulheres. Notamos que parece possível afirmar que, na origem dessa compartimentalização, estão sobretudo os estereótipos culturais, infelizmente bem enraizados, que ainda afetam a atitude adotada em relação ao trabalho feminino e a posição da mulher.
Por fim, a desigualdade de gênero é, por outro lado, um fenômeno transversal que, embora de forma diferenciada e com forte dependência de elementos de natureza histórica, cultural e religiosa, pode ser encontrado em toda a dimensão social. Não há dúvida, portanto, de que um incessante “trabalho cultural” está na base de uma mudança indispensável para enfraquecer e combater esse modo de pensar.
*Vanderlei Tenório é jornalista e bacharelando em geografia na Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
*Felipe Passos Gal é bacharelando em jornalismo na Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação, de Campinas (ESAMC).
Referências
ARON, Raymond. As Etapas do Pensamento Sociológico. Tradução de Sérgio Bath. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 579 p.
BANDEIRA, Lourdes Maria. Violência de gênero: a construção de um campo teórico e de investigação. Sociedade e Estado, Brasília, v. 29, n. 2, p. 449-469, ago. 2014.
PEDERSEN, Jean Elizabeth. Política sexual em Comte e Durkheim: feminismo, história, e a tradição sociológica francesa. Tradução de Denise Lopes de Souza. Revista de Estudos da Religião, São Paulo, n. 1, p. 186-218, 2006.
MATIAS DOS SANTOS, Vivian. Divisão do Trabalho: complementariedade ou conflito?. Revista Urutágua, Maringá, n.13, p. 01-11, ago./set./out./nov. 2007.
SOUSA, L. P. D.; GUEDES, D. R. A desigual divisão sexual do trabalho: um olhar sobre a última década. Estudos Avançados, v. 30, n. 87, p. 123-139, 2016.