Os responsáveis pelo aquecimento global vão pagar pelos estragos?

Imagem: Elyeser Szturm
image_pdf

Por FELIPE A. P. L. COSTA*

Até o início do século XX atividades relacionadas ao uso da terra eram os maiores responsáveis pela emissão de carbono. A partir da década de 1920 a balança pendeu para os combustíveis fósseis

A opinião pública brasileira, como toda e qualquer opinião pública mundo afora, não navega em águas turbulentas – digo: não vai além das informações sensoriais e do senso comum.[1] Formadores de opinião, em especial aqueles que se veem como progressistas, já deveriam ter identificado corretamente a origem da desordem atmosférica ora em curso.

Estou a me referir aqui à velocidade com que a química atmosférica foi alterada ao longo dos últimos, digamos, 67 anos.[2] Do mesmo modo como a indústria do tabaco sempre foi responsável pela elevação na incidência de câncer entre fumantes, os maiores responsáveis pelo aquecimento global são as petroleiras – grandes corporações que sugam, sujam e matam, tipo Shell, Exxon, BP, Petrobras etc.[3]

Sim, é fato que o agronegócio também tem um impacto negativo bastante significativo. Proporcionalmente, porém, é um impacto bem menor e, em geral, mais localizado. Por exemplo, a degradação ambiental que prospera hoje no Mato Grosso, no Paraná, no Rio Grande do Sul e em Goiás é liderada pelo agronegócio, em especial a cultura da soja.[4]

No entanto, os problemas ecológicos que caracterizam essas regiões (erosão e perda de solo, assoreamento de corpos d’água, envenenamento de córregos e rios e desperdício de água) têm um impacto principalmente local. A força e a abrangência do impacto passam a ter uma relevância maior quando as atividades passam a interferir na composição ou no comportamento da atmosfera – por meio da emissão de gases-estufa. Esse é um dos motivos pelos quais a queima de combustíveis fósseis é mais preocupante. Há, porém, um fator adicional: a diferença da quantidade de sujeira injetada na atmosfera pelas duas atividades.

O total de CO2 emitido pelo uso da terra (desflorestamento e manutenção de grandes rebanhos) corresponde a pouco menos de um quinto do que é emitido pela queima de combustíveis fósseis, notadamente carvão (geração de eletricidade em países temperados) e petróleo (produção de gasolina, diesel e querosene para movimentar veículos automotores e aeronaves).

Essa balança mudou há quase um século. Até o início do século XX, atividades relacionadas ao uso da terra eram os maiores responsáveis pela emissão de carbono de origem antropogênica (C-Antro). A partir da década de 1920, no entanto, a balança começou a pender para o lado dos combustíveis fósseis.

Atualmente, as emissões mundiais de C-Antro correspondem a um valor anual médio de 10,8 Gt (1 Gt – lê-se gigatonelada – equivale a 1 bilhão ou 1 × 109 toneladas). Desse total, 1,2 Gt vem do uso da terra e 9,6 Gt vêm da queima de combustíveis fósseis.

O que significa dizer que para cada 1 t de C-Antro que é injetada na atmosfera pelo uso da terra, a queima de combustíveis fósseis injeta 8 t.[5] Em percentuais, 83% do C-Antro são gerados pela queima de combustíveis fósseis, enquanto 17% são gerados pelo uso da terra.

Diante desses números, não parece exagero dizer que, além da indústria bélica, outro grande inimigo da humanidade são as petroleiras que operam mundo afora.

Coda

Por que o governador do Rio Grande do Sul, em vez de tergiversar ou de saltitar por aí como um animador de auditório viciado em saquear o bolso dos telespectadores, não vai aos tribunais exigir uma reparação de danos por parte das corporações (Shell, Exxon, BP, Petrobras etc.) que estão a promover a desordem climática que ora enfrentamos?

*Felipe A. P. L. Costa é biólogo e escritor. Autor, entre outros livros de O que é darwinismo.

Notas

[1] Cf. o artigo ‘Ecologia sensorial e a mente humana.

[2] Cf. o artigo ‘RS debaixo d’água: O problema não está nas nuvens, está na anarquia dos mercados e na omissão dos governantes.

[3] Cf. o artigo ‘Petróleo, picanha, cigarro ou cinema: O que de fato está a levar todos nós para o inferno?

[4] Cf. o artigo ‘Desflorestamento: pausa para o lanche?

[5] Cf. o artigo ‘Um balanço do ciclo global do carbono

Apoie A Terra é Redonda

A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.

CONTRIBUA

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
O segundo choque global da China
06 Dec 2025 Por RENILDO SOUZA: Quando a fábrica do mundo também se torna seu laboratório mais avançado, uma nova hierarquia global começa a se desenhar, deixando nações inteiras diante de um futuro colonial repaginado
2
Energia nuclear brasileira
06 Dec 2025 Por ANA LUIZA ROCHA PORTO & FERNANDO MARTINI: Em um momento decisivo, a soberania energética e o destino nacional se encontram na encruzilhada da tecnologia nuclear
3
Simulacros de universidade
09 Dec 2025 Por ALIPIO DESOUSA FILHO: A falsa dicotomia que assola o ensino superior: de um lado, a transformação em empresa; de outro, a descolonização que vira culto à ignorância seletiva
4
A guerra da Ucrânia em seu epílogo
11 Dec 2025 Por RICARDO CAVALCANTI-SCHIEL: A arrogância ocidental, que acreditou poder derrotar a Rússia, esbarra agora na realidade geopolítica: a OTAN assiste ao colapso cumulativo da frente ucraniana
5
Asad Haider
08 Dec 2025 Por ALEXANDRE LINARES: A militância de Asad Haider estava no gesto que entrelaça a dor do corpo racializado com a análise implacável das estruturas
6
Uma nova revista marxista
11 Dec 2025 Por MICHAE LÖWY: A “Inprecor” chega ao Brasil como herdeira da Quarta Internacional de Trotsky, trazendo uma voz marxista internacionalista em meio a um cenário de revistas acadêmicas
7
O filho de mil homens
26 Nov 2025 Por DANIEL BRAZIL: Considerações sobre o filme de Daniel Rezende, em exibição nos cinemas
8
Raymond Williams & educação
10 Dec 2025 Por DÉBORA MAZZA: Comentário sobre o livro recém-lançado de Alexandro Henrique Paixão
9
Considerações sobre o marxismo ocidental
07 Dec 2025 Por RICARDO MUSSE: Breves considerações sobre o livro de Perry Anderson
10
O agente secreto
07 Dec 2025 Por LINDBERG CAMPOS: Considerações sobre o filme de Kleber Mendonça Filho, em exibição nos cinemas
11
Impactos sociais da pílula anticoncepcional
08 Dec 2025 Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA: A pílula anticoncepcional não foi apenas um medicamento, mas a chave que redefiniu a demografia, a economia e o próprio lugar da mulher na sociedade brasileira
12
Insurreições negras no Brasil
08 Dec 2025 Por MÁRIO MAESTRI: Um pequeno clássico esquecido da historiografia marxista brasileira
13
A armadilha da austeridade permanente
10 Dec 2025 Por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS: Enquanto o Brasil se debate nos limites do arcabouço fiscal, a rivalidade sino-americana abre uma janela histórica para a reindustrialização – que não poderemos atravessar sem reformar as amarras da austeridade
14
As lágrimas amargas de Michelle Bolsonaro
07 Dec 2025 Por CAIO VASCONCELLOS: Estetização da política e melodrama: A performance política de Michelle como contraponto emocional e religioso ao estilo agressivo de Jair Bolsonaro
15
O empreendedorismo e a economia solidária – parte 2
08 Dec 2025 Por RENATO DAGNINO: Quando a lógica do empreendedorismo contamina a Economia Solidária, o projeto que prometia um futuro pós-capitalista pode estar reproduzindo os mesmos circuitos que deseja superar
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES