Por MANUEL DOMINGOS NETO*
O Brasil precisa de Forças Armadas respeitadas
Ao dizer que o Exército estaria se associando ao genocídio, o ministro Gilmar Mendes falou o que os mais informados deveriam estar gritando há muito tempo.
O governo federal menospreza a vida dos brasileiros. Como instância pública responsável por coordenar o esforço nacional contra a pandemia, não cumpre o seu papel. Desrespeita o sofrimento da sociedade, manipula estatísticas, receita remédio ineficaz, agride a ciência, atrapalha governadores e prefeitos que lutam para atenuar a catástrofe. Age em favor da morte de multidões indefesas. É genocida.
Na linha de frente dessa disposição macabra estão os militares. Um general da ativa responde pelo Ministério da Saúde. Com a autorização do Comandante do Exército, deixou a tarefa para a qual foi preparado e assumiu outra da qual não tem noção. Camaradas seus ocupam na pasta as cadeiras em que deveriam sentar civis especializados.
A conta está chegando para as Forças Armadas e não é pequena, alertou Gilmar Mendes.
Além das dezenas de milhares de vítimas da pandemia, os brasileiros sofrerão crescentemente os efeitos da desastrosa política econômica, das estultices da política externa vassala de Washington, do desmonte do sistema de ensino, ciência e tecnologia, dos estragos no meio ambiente, da ameaça de extinção dos povos originários…
Tormentas e apertos que vivemos hoje serão pequenos diante do que nos espera no curtíssimo prazo. A responsabilidade pelos estragos será cobrada.
Oficiais reagiram indignados às palavras de Gilmar. O Ministro da Defesa, articulado com os comandantes, disse que o contingente militar mobilizado contra a pandemia seria superior ao enviado à Itália.
Não há limites para a insensatez. Esta comparação não tem cabimento.
Os generais devem um mínimo de respeito aos heróis que entregaram suas vidas na Itália. Eram homens de origem modesta, saídos das periferias das cidades e de vilarejos do interior. Deixaram o Brasil mal treinados, mal vestidos, desavisados do terror que teriam pela frente. No zunido das balas compreenderam que lutavam contra o tedesco feroz, o direitista extremado, fundamentalista, racista, terrorista, inimigo da democracia, insensível ao sofrimento dos povos do mundo, avesso ao que há de bom na civilização.
Alguns ficaram em Pistóia até 1962, quando seus restos passaram a repousar no Brasil. Morreram combatendo as proposições hoje defendidas por Bolsonaro. Comandantes vilipendiam ao usar a memória destes homens para se defender de seus erros. Os parentes dos pracinhas persistem espalhados nas periferias das cidades e pelos sertões afora. Constituem a maioria das vítimas da pandemia.
A FEB não foi à Itália decidir a guerra. Representou um modestíssimo contingente sob o comando do Exército Americano. Chegou quando a derrota do nazifascimo estava decretada. Mas o seu peso simbólico é imensurável: mostrou ao mundo a opção brasileira pela liberdade.
Pedir que não lhes sejam cobradas suas responsabilidades, comandantes? Como disse Flávio Dino, quem entra no jogo político tem que aprender a receber críticas.
Está passando da hora de o comandante Pujol reunir a família militar, encher os pulmões e ordenar: “pela memória dos que ficaram em Pistóia, abandonaaar cargos, sinecuras e prebendas! Meia volta, volver!”
O Brasil precisa de Forças Armadas respeitadas.
*Manuel Domingos Neto é professor aposentado da UFC. Foi presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED) e vice-presidente do CNPq.