Por CRISTIANO ADDARIO DE ABREU*
Disseminar o nacionalismo econômico é o caminho para reverter a ascensão popular dos fascistas no Brasil
A melhora material, econômica, do povo brasileiro nos anos do PT na presidência da República é o centro lógico-argumentativo dos petistas e progressistas nos debates políticos do Brasil, e assim deve continuar sendo, mas com um plano de comunicação institucional de maior fôlego, que inclua esse panorama econômico em eixos políticos, culturais, e o eixo nacional. Lembremos de Lênin: “economia é política concentrada”.
O bolsonarismo provou que o povo quer fé e sonho na polis, o povo quer debater ideologia e outros mundos possíveis (ou até impossíveis…), mesmo que o bolsonarismo tenha provado isso pelo lado de um pesadelo. Sobre o fascismo, Walter Benjamin já dizia, que contra a vazia estetização da política, tínhamos que politizar a estética. Perfeito: mas além de politizar os rituais políticos é preciso politizar a defesa do projeto econômico progressista também.
A histeria dos ataques contra a ideologia de esquerda paralisou os progressistas no medo de serem acusados de ideologizantes. Enquanto isso a extrema direita surfou de forma alucinada numa ideologia totalmente descolada de qualquer materialidade, provando a carência de debate ideológico na polis brasileira: proibiram a esquerda de falar em ideologia, mas ocuparam o espaço público vomitando uma ideologia fantasmagórica que é pura ideologia, no pior sentido do termo. Criaram a carência no debate público, e depois a supriram pelo outro lado, tendo sucesso pelo desequilíbrio que geraram. É preciso que a esquerda encare um debate ideológico aberto com este espectro fake para salvar a polis brasileira.
Tripé ideológico do bolsonarismo: ultraliberalismo econômico, corporativismo militar e policial, fundamentalismo religioso (talebanização evangélica)
Eis um tripé para entendermos a dinâmica do fascismo colonial do bolsonarismo. Muitos podem considerar tal escolha descritiva do bolsonarismo arbitrária(faltou as milícias…podem dizer: mas incluo as milícias no ultraliberalismo, ao privatizarem a segurança, e destruírem o Estado), pois como o bolsonarismo é um fenômeno plástico, que só foi possível graças ao mundo digital, com seu aparato de robôs e mulas voluntárias nas redes, disparando narrativas para diversos grupos, com os vídeos e textos enviesados para cada grupo receptor: eis a retórica direcionada do fenômeno, feita por grupos profissionais de inteligência especializados em manipulação de dados e inteligência artificial, criando mundos paralelos de bolsonaros diversos (tem o bolsonaro[i] dos evangélicos mais reacionários, o dos mais progressistas, o bolsonaro do gay ultra liberal em economia, o do conservador católico mais velho…).
Logo, com as redes sociais e a comunicação digital, o bolsonarismo foi inventado usando as plataformas digitais para construir seu mito direcionado para quem vai receber a informação: a informação é privatizada, feita sob encomenda para o que o receptor quer ouvir[ii]. E isso é muito sério: isso é a destruição da Polis, do espaço público de confronto de narrativas e percepções da realidade, no qual pelos debates, teses contra antíteses, chega-se coletivamente a sínteses políticas daquele momento, chega-se coletivamente no que a cultura política norte-americana chama de compromise. Isso é a política!!!
A política está impossibilitada de ser feita no capitalismo de plataformas digitais, que sequestrou o espaço público, e torceu a percepção da realidade, a serviço dos interesses econômicos do grande capital monopolista que representam. O Brasil do bolsonarismo é um case perigosíssimo de experimento social, feito sob controle monopolista do capitalismo de plataformas das Big Tech americanas, e que já fizeram do Brasil o maior caso mundial de uma guerra civil cognitiva.[iii]
A criação de bolsonaros diversos, direcionados para suas bolhas é um crime político, feito pelo aparato bolsonarista sob Steve Bannon (que agora está preso) que comandou a campanha de reeleição de Jair Bolsonaro,[iv] mas que só foi possível pelo apoio logístico destas plataformas digitais monopolistas das Big Tech, que de forma sonsa se vendem como neutras politicamente: mas não são! A explosão da extrema direita no mundo, quadro no qual o Brasil bolsonarista é uma vanguarda experimental, a mais importante de todas, é resultado do capitalismo monopolista das plataformas digitais, e a história do colaboracionismo das plataformas com a onda da extrema direita internacional começa a ser decifrada e escrita.[v]
Regulamentação das big tech e opção nacional na comunicação digital
Esta manipulação das plataformas digitais, feita por grupos internacionais sob Steve Bannon e outros mafiosos da extrema direita planetária, que criaram Jair Bolsonaro, atirou o Brasil numa guerra civil permanente, pois o debate público tona-se impossível, com essa criação de realidades paralelas. Os Brasis paralelos, criados nas redes, tornou a política impossível, assim atirando o Brasil numa guerra civil permanente.
A solução disso é política, e retomar, ou melhor, reconstruir, um espaço legitimado de debate público é um imperativo histórico inescapável de salvação nacional hoje. E isso passa, imperiosamente, por regulamentar as redes digitais e o capitalismo de plataformas. É vital o correio ter seu próprio email, e também uma rede como o whatssap: pública e nacional do Correio brasileiro, possibilitando assim opções nacionais de comunicação digital. Além de uma agência reguladora para a internet: uma espécie de ANVISA para a internet tem que ser feita.
Estas duas propostas(somadas a outras três) foram aprovadas no Congresso Nacional da ANPG (Associação Nacional de Pós-Graduandos) em julho de 2022 em Brasília, propostas levadas por mim e aprovada na fase itinerante na USP e depois na fase final na UNB, mostrando uma contribuição civilizatória do movimento estudantil brasileiro ao centro das questões políticas da atualidade, e mesmo de saúde mental, do Brasil contemporâneo, enquanto o Congresso Nacional se esconde, por medo de retaliações, deste debate que é central na União Europeia,[vi] e em todo o mundo. Com destaque para a legislação francesa[vii] sobre o tema.[viii]
Sem controle social dos monopólios internacionais das Big Tech na comunicação digital, sem controle social e opções nacionais de comunicação digital quebrando o monopólio delas, sem tais respostas o futuro será fascista. Como sabiamente já alertou Naomi Klein.[ix]
É vital: um email, e uma rede como o whatssap dos Correios, e a criação de uma agência reguladora para a internet, que force a abertura dos algorítmos das redes sociais e plataformas. Caso isso já existisse dificilmente o fenômeno do bolsonarismo teria tido tanto sucesso. Pois a existência de bolsonaros sob medida para quem vê e escuta nas suas bolhas em rede é um crime político, só realizável pelas big tech, que não são neutras na manipulação e comercialização dos algoritmos, e na aceitação passiva de tais crimes comunicacionais de propagação de mentiras em blocos nas redes que controlam.
A internet já é o centro da polis e é preciso ocupar e regulamentar a Internet, ou não haverá futuro democrático. Nem no Brasil, nem no mundo.
Monopólios midiáticos canibalizados pelos monopólios das big tech
Mas narrativas monopólicas, antes criadas pela velha mídia, que agora são canibalizadas pelos monopólios das Big Tech, alcançam hoje níveis orwellianos de transformações alquímicas, ao fazer qualquer mentira virar verdade, de forma antes nem sonhada pelos Randolph Hearst ou Roberto Marinho de então. Mas as mentiras, ou quase mentiras, que intoxicam todos hoje nas redes, partem de um padrão de produção de mentiras generalizada vindo da época, tão próxima temporalmente, mas já tão distante estruturalmente, do monopólio narrativo dos grandes grupos empresariais de comunicação: TVs a frente.
Vindo desta época o discurso midiático monopólico anticomunista, e anti qualquer forma de viés de esquerda, contra as estatais e contra o Estado forte. Sendo este um quadro de uma ditadura narrativa midiática reproduzida a mais de 40 anos na cabeça de todos, de só haver a defesa do liberalismo econômico, de só aceitar nos debates públicos o chamado neoliberalismo (gerontoliberalismo[x]… como o chamo), e censurar toda e qualquer defesa de uma dimensão mais estatizante e regulatória da economia. Tal monopólio narrativo, vindo da velha mídia, é um dos pés do tripé do bolsonarismo(o ultraliberalismo econômico). Essa confusão mental de confundir estatais e agências regulatórias com comunismo alcançou píncaros com o bolsonarismo, mas é uma criação dos mais de 40 anos de lobotomia comunicacional sobre o povo brasileiro, na defesa mecânica do neoliberalismo econômico sagrado. Tal neoliberalismo econômico tornou-se uma Nova Escolástica, a petrificada escola filosófica aristotélica, que as universidades europeias continentais seguiam dogmaticamente reproduzindo até a Revolução francesa, enquanto a sociedade vivia uma explosão de publicações com a revolução intelectual do Iluminismo.
Tal blindagem narrativa de discurso único em economia, feita pela velha mídia, tornou o liberalismo econômico um monstro social no Brasil. Tal discurso fanatizado gerou um exército de zumbis que repetem que Estatais e agências regulatórias são comunismo, sendo que qualquer pessoa que estude minimamente economia sabe que são coisas do capitalismo. A lobotomia midiática gerou um exército de fanatizados, que creem que capitalismo não deve ter Estado, e que existiria um liberalismo puro: acreditam que liberalismo e capitalismo são a mesma coisa.
Não são: como nos ensina Fernand Braudel, capitalismo é a casa do monopólio,[xi] do andar econômico em que o Estado é sincrônico com o capital, já liberalismo é mais o pequeno comércio e a anarquia do crime, enquanto que as produções estratégicas (energia, armas, alta tecnologia…) precisam estar sob proteção estatal, para garantir soberania nacional e popular mínima. Liberalismo é uma ideologia, e capitalismo uma prática histórica. No capitalismo, quanto maiores os mercados, maior será o Estado: ambos são dois lados da mesma moeda. Mas a lenda do liberalismo puro, criada pela velha mídia (Globo, Abril…), ao chegar na Era das fake news da comunicação digital, tornou-se uma mula sem cabeça do ultraliberalismo: uma das bases do tripé central do bolsonarismo.
Pois eis que esse fanatismo ultraliberal contradiz com um outro tripé do fenômeno: o do corporativismo militar/policial. O ex-capitão, expulso do Exército por planejar colocar bombas em quarteis (para defender seu aumento salarial a qualquer custo), se fez deputado federal defendendo, caninamente, maiores soldos e benefícios a todas as categorias fardadas do Brasil. Seu modelo é o Chile de Pinochet: que privatizou quase tudo, mas não tocou nos pagamentos e previdências estatais de: militares, policiais, e do judiciário. É cada vez é mais óbvio que quanto mais liberal for a agenda econômica, mais autoritárias terão que ser as botas políticas para fazê-la real.
Como Pinochet, um dos heróis de Jair Bolsonaro (ao lado do ditador argentino Videla, do ditador paraguaio pedófilo Stroessner[xii], além do torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra…), tão didaticamente ensinou: o laboratório ideal do “neoliberalismo” ocorreu sob as botas de Pinochet a partir do 11 de setembro de 1973. Curiosamente, Jair Bolsonaro e Paulo Guedes começaram a nos enfiar o “liberalismo puro”, para alegria histérica dos comentaristas de TV, de toda a velha mídia monopolista, justamente quando um levante popular no Chile começou a ocorrer para libertar o Chile dessa maldita herança “neoliberal” que os sufoca.
Esfinge bolsonarista: contradição e afetos inconfessáveis
Mas a dita contradição entre ultraliberalsimo e corporativismo militar em nada afeta os convertidos: a coerência lógica não lhes interessa. Apenas a estética com som e fúria, a revolta sem projeto, e outras explosões da mitologia bestial do bolsonarismo lhes interessa. O bolsonarismo é um salto na celebração da ilogicidade, é o fenômeno histórico mais perigoso já experimentado na história do Brasil.
O bolsonarismo já pode ser considerado um verdadeiro satanismo político: é uma seita histérica, desprovida de qualquer padrão lógico. A lógica nele é seletiva (logo, uma contradição lógica), sendo sua verdadeira lógica a manipulação das paixões. Sobretudo das emoções frustradas, do ódio. O ódio que é a mola mestra do bolsonarismo, manipulando a escória mental da sociedade, dos ignorantes, avessos ao estudo e a leitura, e que se sentem agora, pela primeira vez, debatendo e influindo na história.
O irracionalismo e a ilogicidade no bolsonarismo não são apenas armas de sedução para uma revanche da burrice: ele é uma arma com direção econômica. O ódio ao conhecimento é uma manipulação do legitimo ódio aos monopólios do capitalismo, que nos impõe filas, preços e soluções, nas quais não há nenhum controle social ou direito coletivo. O caso das vacinas é exemplar: não se questionou a Pfizer ou a Johnson&Johnson, o bolsonarismo não questionou as indústrias das Big Pharma, ou propôs o fortalecimento de laboratórios nacionais que quebrassem patentes. Não: o bolsonarismo alavancou as paixões, no caso uma paixão terrível e poderosa, o medo na pandemia, para um levante contra a ciência e os cientistas. A esquerda precisa falar das Big Tech e das Big Pharma, explicando os problemas e propondo soluções nacionais, para quebrar a onda bolsonarista.
Ilogicidade e fundamentalismo religioso (talebanização evangélica)
É preciso tratar do último pé do tripé bolsonarista: o fundamentalismo religioso. Descolando palavras dos Atos, estas seitas evangélicas que defendem Jair Bolsonaro, ou melhor, seus pastores bolsonaristas, nada têm de cristãs, servindo a uma agenda da mentira e da morte, agenda que se tem alguma direção metafísica, só pode ser a oposta ao Cristianismo. Precisamos falar estas coisas sem medo, para destruir tal fenômeno absurdo que é o bolsonarismo. Com seu “mito” nada lógico destruindo qualquer conexão entre Palavras e Atos, vê-se no Planalto Central um agente da ação oposta à indicada na frase: “E o verbo (logos) se fez carne e habitou entre nós”. Tal frase do Novo Testamento, que anuncia a materialização de Deus em Jesus, é também uma metáfora da dedução lógica, honesta, posta em prática na política, e em tudo na vida. Conectando pensamentos, palavras e atos, postos em ações que se alimentam mutuamente quando confirmados na história (quando verdadeiros) na construção da vida, construindo a história e a sua significação. Isso é viver, e isso é a política, tão negativizada pela mídia e pelos falsos moralistas.
Um líder político estruturado na destruição da significação das palavras, na confusão dos sentidos, e na desistência do pensar… Só pode ser um agente do mau absoluto na Terra. Este agente de uma agenda malthusiana de promoção da morte, feita por este governo de forma comprovada na pandemia,[xiii] buscando matar deliberadamente,[xiv] como foi a gestão de Jair Bolsonaro na crise sanitária. A esquerda não pode ter medo de falar para o Povo de verdade: afirmando o fato de que o bolsonarismo é o satanismo na política. E que os pastores que o apoiam são Jim Jones da morte, anticristãos em tudo. É preciso falar isso, literalmente, com o povo.
O Cristianismo já foi chamado por Nietzsche de o platonismo das massas, e a estruturação desse universo religioso é o casamento do platonismo, da filosofia grega onde o platonismo é central, com as tradições religiosas do Mediterrâneo oriental, que se misturaram desde o Império de Alexandre. O Cristianismo realiza o distanciamento do pensamento circular mítico, em direção a uma linearidade lógica. Há duas palavras em grego antigo para se dizer palavra: mythos e logos. A primeira é a palavra mítica, fantasiosa, das falas encantadas das crianças, e a segunda é uma palavra com continuidades e sequências lógicas.
Não é coincidência a alcunha de Mito para esta besta satânica posta na presidência em 2018: o presidente que só mente[xv] honra ser identificado como um mitômano compulsivo, um mentiroso patológico. Nada mais anticristão do que tamanha toxidade da mentira emitida cronicamente por alguém que deveria ser um líder, mas lidera a sociedade brasileira apenas ao esgoto, ao ralo da história e a autodestruição coletiva.
Quando o bolso aciona o cérebro
Saindo da discussão metafísica, mas ainda na ilogicidade como arma política, podemos dizer que, como ensina nossa professora Marilena Chauí, quando pessoas que não gostam de política, não entendem de política, nunca leram um livro sobre política, nunca falam de política… quando essa gente começa a falar demais de política… é porque o fascismo está na sala. E o bolsonarismo é uma celebração da irracionalidade levada a um nível inimaginável a qualquer fascismo precedente. Os fascismos italiano e alemão eram ao menos nacionalistas economicamente: defendiam o produtivismo, a indústria nacional e armamentista, e algo próximo ao pleno emprego. Este ponto é um calcanhar de Aquiles do bolsonarismo, com o qual se encerra este texto.
Uma ilogicidade central do bestialismo bolsonarista está em amar a pátria da boca pra fora, sem projeto algum para defende-la, sem defesa de indústrias nacionais, nem defesa de tecnologias nacionais, nem defesa de emprego no país (o Agro não gera emprego para resolver essa questão num país de 215 milhões de pessoas…). Eis que se retorna ao começo do texto, a economia (it’s the economy, stupid…).
O nacionalismo bolsonarista é fake: uma histeria verde-amarela, desconectada de qualquer projeto nacional. E eis que, para combatermos isso, será preciso falarmos de ideologia (ideologia nacional, ideologias de política econômica), e buscar ensinar que o liberalismo é tão ideológico quanto o comunismo (se não for mais…). O liberalismo puro só existe nos livros, e sua dogmática visão lógico-dedutiva é ahistórica: nunca se é liberal o bastante, porque a realidade não suporta o liberalismo puro (nem Pinochet no Chile privatizou sua indústria central: a do cobre).
O capitalismo, como a história dos EUA nos ensina, é uma plutocracia com seus monopólios protegidos pelo seu Estado, Estado este que não para de forjar guerras em defesa do monopólio de poder e força desta oligarquia pelo mundo. Como as sanções gerais, e especificamente o boicote contra a tecnologia 5G chinesa,[xvi] que EUA e a União Europeia[xvii] também fazem contra a China,[xviii] nos ensina que liberalismo é uma ideologia para países pobres e desarmados do sul. País que não tem indústria é colônia, e segue o liberalismo econômico endeusado pelo bolsonarismo pauloguediano.
E explicar que a defesa de estatais e de agências reguladoras, foi feita por líderes nada socialistas, como Getúlio Vargas e Charles de Gaulle, e que o fortalecimento de estruturas nacionais é uma prática de históricos líderes conservadores como Bismarck (que criou o sistema público previdenciário alemão, que inspirou o brasileiro), e progressistas como Lincoln (que estatizou as ferrovias norte-americanas na Guerra Civil e criou, pela primeira vez no país, o imposto de renda, além de um sistema bancário federalizado sob controle nacional, via o poder da Casa Branca em determinar as autorizações de bancos emissores do dólar Greenback).
A defesa de estruturas econômicas nacionais, com estatais e agências reguladoras(modelo americano) não é comunismo, é a defesa do sistema nacional de economia política, defendido por Lincoln e os teóricos do American System, por Friedrich List e sua escola histórica de economia, tributária do american system, pelos institucionalistas norte-americanos, e depois por líderes progressistas do trabalhismo latino-americano, como o citado Varges, Peron e Lázaro Cárdenas, além de toda a tradição social-democrata europeia do pós-guerra.
Para não falar dos malfadados Benito Mussolini e Adolfo Hitler, que seguiram esta tradição pela extrema direita, e que grande parte dos boçalizados pelo bolsonarismo não querem tanto autoritarismo político, mas sim mais Estado na economia: o caos econômico leva ao namoro com o autoritarismo político, mas o que a maior parte dos bolsonaristas gostaria mesmo é de mais produção e emprego, com mais dirigismo produtivo na economia.
É preciso coragem da esquerda, e que se pare de fugir deste debate, de defender empresas estatais e agências reguladoras na economia. E explicar: isso não é socialismo, isso é a defesa do Sistema Nacional de Economia Política. O PT, que não é socialista, devia assumir ser um defensor do Sistema Nacional de Economia Política, e não temer o debate ideológico sobre economia. Para isso indico um político da Primeira República brasileira, o papelista Amaro Cavalcanti, que sobre o teatro de sombras ideologizantes na economia, que já acusava de socialismo qualquer ação ativa do Estado, o velho estadista já alertava em 1892: “No terreno da sciencia e da pratica três systemas econômicos encontramos nós, aos quaes se poderia qualificar de systema socialista, systema individualista, e o systema positivo ou experimental: os dous primeiros. procuram resolver o problema medeante formulas absolutas; o ultimo, segundo os elementos históriccos de cada povo e a relatividade das circunstâncias”.[xix]
Sabias palavras deste velho defensor do Sistema Nacional de Economia Política. Talvez mais outros sistemas ainda possam ser elencados, mas para responder a histeria ultraliberal da extrema direita boçalizada do Brasil atual, usar de Amaro Cavalcanti já é um salutar bando de história econômica. A cretina contradição de nacionalismo com ultraliberalismo econômico precisa ser atacada de frente, e com isso convertermos mais apoios, e destruirmos cada vez mais, a cosmovisão liberaloide dos fanatizados por dogmas econômicos e religiosos, que sob idolatria mítica, negam a lógica e a história, e buscam nos fazer regredir ao fazendão econômico da República Velha, do subdesenvolvimento e do voto de cabresto.
O Brasil foi um dos países que mais cresceu no mundo no século XX, sob o impacto de um pensamento dinâmico, pois histórico e nada dogmático, que foi o pensamento desenvolvimentista. Amaro Cavalcanti, com seu papelismo oitocentista, foi precursor desta tradição intelectual, que teve continuidade em várias escolas. É preciso coragem da esquerda para retomar o debate sobre desenvolvimento nacional, e o PT precisar se assumir como defensor e tributário da tradição do Sistema Nacional de Economia Política: querem falar de ideologia? Pois esta é a ideologia petista em economia.
O auge do desenvolvimentismo ocorreu com Vargas criando as estatais de energia e de indústria de base. Pois hoje o petróleo do século XXI é a informação passada nas redes. E se o Brasil viu EUA e Alemanha entrarem na Segunda Revolução Industrial (siderurgia, petroquímica, eletricidade, automotiva…) nos dias de Amaro Cavalcanti (1849-1922), para o Brasil só conseguir entrar nela com Vargas, quando este criou as estatais que direcionaram um capital produtivo que a burguesia brasileira nuca direcionou, hoje na Era digital esperar demais colocará em risco a sobrevivência democrática no Brasil: é preciso que Lula faça estatais de comunicação digital. O plano de orçamento participativo do Lula, que seguramente terá que usar da internet, é um ótimo sinal para ajudar na pressão de regulação do setor digital. Assim como a necessidade de regulamentação trabalhista dos uberizados.
A escolha do governo agora eleito em 2022, da frente ampla democrática, entre fazer estatais do setor digital ou não, será a escolha entre o retorno do Lula ser uma volta de Vargas (que criou a Petrobrás em 1954) ou a volta de um Peron (que foi seguido por golpistas militares), será a reconfiguração bem-sucedida da democracia brasileira no século XXI, ou o colapso dela, num fascismo de plataformas digitais.[xx]
*Cristiano Addario de Abreu é doutorando em história econômica na USP.
Notas
[i] Será usado o nome do ser posto na presidência em 2018 em minúsculas propositalmente, para não colaborarmos para sua hiper exposição.
[ii] https://www.instagram.com/reel/CkZqPlWDKvw/?igshid=MDJmNzVkMjY%3D
[iii] https://www.em.com.br/app/noticia/pensar/2022/10/21/interna_pensar,1409943/castro-rocha-brasil-e-laboratorio-de-criacao-de-realidade-paralela.shtml
[iv] https://www.diariodocentrodomundo.com.br/equipe-de-bannon-dirigiu-campanha-de-bolsonaro-diz-boaventura-de-sousa-santos-por-milton-blay/
[v] https://www.redebrasilatual.com.br/blogs/blog-na-rede/o-golpe-de-estado-continuado-por-boaventura-de-sousa-santos/
[vi] https://olhardigital.com.br/2022/04/23/pro/uniao-europeia-google-meta-algoritmos/
[vii] http://umdadoamais.com/algoritmos-publicos-como-a-franca-esta-fazendo-e-por-que-deveriamos-fazer-tambem/
[viii] https://www.legifrance.gouv.fr/dossierlegislatif/JORFDOLE000031589829/
[ix] https://brasil.elpais.com/brasil/2017/11/08/cultura/1510165556_897934.html
[x] https://gmarx.fflch.usp.br/boletim-ano2-09
[xi] BRAUDEL, Fernand. La dynamique du capitalisme. Éditions Flammarion, Paris, 1985.
[xii] https://epoca.globo.com/7-fatos-sobre-ditador-e-pedofilo-reiterado-elogiado-por-bolsonaro-23486277
[xiii] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/06/24/pesquisas-apontam-que-400-mil-mortes-poderiam-ser-evitadas-governistas-questionam?fbclid=IwAR05geSFw5p9ZwWq7asLWrU8uBndMzwPjIQC8G9I1WfgqXZ3DQrCDMw9-vA
[xiv] https://g1.globo.com/politica/cpi-da-covid/noticia/2021/06/24/epidemiologista-diz-a-cpi-da-covid-que-cerca-de-400-mil-mortes-poderiam-ter-sido-evitadas.ghtml?fbclid=IwAR3hUSMrDmVY-9uPbfPDe2k_4N9GG98sYvJ9ISyfllnfy93unXJBiRAdork
[xv] https://www.aosfatos.org/todas-as-declara%C3%A7%C3%B5es-de-bolsonaro/
[xvi] https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2021/11/05/5g-entenda-a-briga-entre-estados-unidos-e-china.ghtml
[xvii] https://teletime.com.br/28/02/2022/5g-chegara-a-1-bilhao-de-usuarios-em-2022-mas-europa-fica-para-tras/
[xviii] https://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/eua-pedem-a-uniao-europeia-que-nao-use-tecnologia-5g-da-huawei-29062022
[xix] CAVALCANTI, Amaro. Política e Finanças. Ed. Imprensa Nacional. Rio de Janeiro, 1892, p. 319.
[xx] https://gauchazh.clicrbs.com.br/tecnologia/noticia/2020/05/pressao-dos-eua-contra-ataque-da-china-os-bastidores-da-bilionaria-disputa-pela-internet-5g-no-brasil-ckas863mf005q015n8f8u2qhs.html
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