Sionismo – etapa superior do colonialismo anglo-saxão

Imagem: Francesco Ungaro
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Por LEONARDO SACRAMENTO*

Israel é uma invenção anglo-saxônica, instrumentalizada recorrentemente ao longo das décadas por EUA e Inglaterra

O sionismo é uma forma da supremacia racial branca e europeia sobre os árabes. Um instrumento dos interesses capitalistas e ocidentais sobre o Oriente Médio. É uma variação contemporânea da racialização do século XIX, visto pelo Ocidente (e os países não ocidentais ocidentalizados, com uma classe dominante submissa a essa racialização) como meio poderoso de intervenção na principal região produtora de gás e petróleo do planeta.

Como disse Joe Biden aos congressistas em 1986, “se olharmos para o Oriente Médio, acho que está na hora de aqueles que apoiam Israel, como a maioria de nós o faz, pararmos de nos desculpar pelo apoio a Israel. Não há nada pelo que se desculpar, nada. Foi o melhor investimento de 3 bilhões de dólares que estamos fazendo. Se não existisse Israel, os EUA precisariam inventar Israel para proteger nossos interesses na região. Os EUA precisariam inventar Israel”.

Não é segredo para ninguém, Israel é uma invenção anglo-saxônica, instrumentalizada recorrentemente ao longo das décadas por EUA e Inglaterra. Não há um país da Commonwealth com posição minimamente divergente. Pelo contrário, a afinação é orquestral. Os Estados Unidos e a Inglaterra apoiaram sistematicamente os brancos da África do Sul no apartheid. Ao lado de Israel, forneceram armas e impediram ações na ONU contra a África do Sul. Israel chegou a enviar tropas especiais para lutar ao lado das tropas supremacistas da África do Sul contra angolanos (MPLA), namíbios (SWAPO) e cubanos. EUA e Inglaterra (Reagan e Thatcher) classificaram Nelson Mandela e o CNA de terroristas.

Nelson Mandela esteve na lista de terroristas dos EUA até 2008. Fizeram o mesmo na Líbia e Iraque, em que Gaddafi seria um terrorista africanista e Sadam possuiria armas de destruição em massa. Depois da destruição completa dos países, do genocídio de seus povos e dos assassinatos dos dois líderes, empresas norte-americanas, francesas e inglesas lucram enormemente até hoje.

Não há nenhuma surpresa na posição norte-americana sobre a “solução final” israelense sobre os dois milhões de palestinos. Joe Biden é coerente com a dinâmica geopolítica norte-americana, comungada por democratas e republicanos. Classificar inimigos colonizados como terroristas é um modus operandi da mídia imperialista para justificar o apartheid e o genocídio. Foi assim com os zulus e demais etnias na África do Sul. É assim com os palestinos em favor a Israel.

A extrema direita brasileira mostra incrível afinação com os interesses norte-americanos, a ponto de hoje não ser possível constatar qualquer distinção política. A extrema direita brasileira transformou-se em uma sucursal dos EUA, inflamada pelo fundamentalismo neopentecostal. O supremacismo étnico israelense, baseado em um suposto judaísmo cristianizado, é o centro do fundamentalismo evangélico nos EUA e no Brasil. Para parte dos evangélicos, ou para todos os fundamentalistas, uma limpeza étnica dos palestinos seria uma ordem direta do Deus cristão, um ato divino e apocalíptico. Esse é o nível do grande apoio de Israel no Ocidente: fundamentalismo cristão.

O supremacismo étnico israelense é baseado em uma suposta “judeidade”, que seria aferida, inclusive, por testes genéticos. É o que se viu no surpreendente caso dos igbos na Nigéria, que alegam ter ascendência judaica. Para além da questão da etnicidade, o que importa aqui é que a aferição da judeidade feita pelo Estado de Israel foi um teste genético, aceito exclusivamente pela “academia” israelense, que teria conseguido encontrar marcadores de DNA exclusivos aos judeus.

Logo os judeus, que branquearam as suas peles por meio da miscigenação no continente europeu a ponto de hoje serem fenotipicamente confundidos com um germânico por quase todos os brasileiros. Parte substantiva do apoio da classe dominante e da classe média brasileira, assim como dos neopentecostais, deve-se ao fato dos membros das comunidades judaicas serem brancos no Brasil e no continente americano, incluindo parte substantiva dos EUA. Seriam representantes da branquitude ocidental e cristã contra os bárbaros árabes e muçulmanos.

Esse teste genético remontaria ao DNA das imaginárias tribos que teriam fugido de Israel e da última diáspora (70 a.c). Um mito racial. O fato aqui é que Israel é o primeiro país do planeta a vincular, explicitamente, cidadania à genética. Se o resultado dos igbos tivessem dado positivo, segundo os marcos arbitrários e cientificamente não aceitos por toda a academia fora de Israel, teriam conquistado a cidadania – na atual mitologia da extrema direita israelense financia-se a procura de remanescentes das imaginárias tribos de Israel.

Portanto, Israel é um país sem constituição que vincula cidadania à genética. É um Estado racial, como foi a Alemanha nazista e a África do Sul, inclusive com um racismo mitológico, como feito pelos (neo)paganismos e ocultismos germânicos. Sionismo é uma variante da racialização ocidental sobre os árabes, os tais “animais” na boca de Benjamin Netanyahu.

Como qualquer Estado racial, objetificou uma política racista contra os não cidadãos, inclusive sobre os famigerados “árabes israelenses”. Desde 1947, os árabes foram sendo empurrados para territórios que permitiram a Israel o controle total sobre as suas vidas, como prova a questão da água e energia. A maior prova de que Gaza é um campo de concentração é o controle absoluto de Israel sobre a água, como no apocalíptico filme Mad Max, no qual Immortan Joe fecha os dutos de água à população que vive no deserto. Para ter controle absoluto sobre a água, Israel concretou os poucos poços artesianos que existiam em Gaza. Hoje, literalmente Israel fecha uma torneira e derruba interruptores, possuindo controle total sobre a reprodução da vida dos palestinos.

A colonização transforma, com a ajuda da mídia ocidental (um produto reprodutor da colonização e da racialização branca), o colonizado não cidadão em um animal – daí a aceitação explícita e implícita da utilização de “animais” para se referir a palestinos. Qualquer levante é visto como uma forma de expressão animalizada e irracional, hoje transformado em “terrorismo”, um não conceito que é válido somente e exclusivamente a não brancos. Destruir a Líbia não é terrorismo. Destruir kibutz de ocupação em terras palestinas, segundo a própria ONU, é terrorismo. Matar 400 mil civis iraquianos, afegãos e paquistaneses não é terrorismo. Matar mil civis israelenses, segundo a nova racialização ocidental sobre os judeus transformados em brancos, é terrorismo.

Terrorismo não possui conceituação minimamente válida, pois sempre foi dependente de quem possui o poder para classificar grupos como terroristas ou não terroristas. Quando Osama Bin Laden lutava contra a URSS, era libertário, segundo edição de 03 de dezembro de 1993 do The Independent. Quando o Talibã lutou contra a URSS, destruindo o Afeganistão e os “direitos” das mulheres, foi chamado pelos EUA e Reagan de “combatentes da liberdade”. Quando lutaram contra os EUA, transformaram-se em terroristas.

O levante dos palestinos contra a ocupação colonial israelense está no mesmo patamar do levante dos judeus no gueto de Varsóvia contra os alemães e do levante dos zulus em Soweto contra os brancos sul-africanos. Se foi com Hamas, um grupo de extrema direita no cenário político palestino, deve-se basicamente à ação de Israel, que o financiou por meio do Catar para que minasse o Fatah, a OLP e todos os grupos e partidos nacionalistas e laicos, quase todos de esquerda. Israel matou Arafat. Como diria o filósofo Murici Ramalho, “a bola pune”.

Esse era o plano do sionismo. O jornal israelense de direita Haaretz publicou no dia 09 de outubro uma reunião privada em 2019 do Likud, na qual Benjamin Netanyahu defendeu que “qualquer pessoa que queira impedir o estabelecimento de um Estado palestino tem de apoiar o fortalecimento do Hamas e a transferência de dinheiro para o Hamas. Isso faz parte da nossa estratégia”. O dado, longe de teoria da conspiração, já havia sido confessado por Yitzhak Segev, governador militar de Gaza na década de 1980 e general de brigada de Israel, ao New York Times, que repassava recursos às mesquitas vinculadas ao grupo. A irmandade muçulmana, grupo egípcio próximo ao Hamas, foi financiada pelos EUA para combater os países e movimentos árabes seculares de orientação socialista, como o Egito de Nasser e o pan-arabismo.

O Haaretz cita explicitamente que a política do Likud é de “limpeza étnica”. A limpeza étnica não é vista, no Ocidente e nos países ocidentalizados, como terrorismo. Se não é vista, é preciso dizer que a mídia é supremacista e favorável à limpeza étnica dos árabes. O uso do termo “equívoco” para qualificar o trabalho de jornais brasileiros é confrangedor. São favoráveis à limpeza étnica israelense contra os árabes da mesma forma que sempre financiaram e promoveram a limpeza racial contra os negros no Brasil, animalizando-os em seus “programas policiais”.

Jorge Pontual e Demétrio Magnoli, esse supremacista que se tornou ardoroso denunciador do “identitarismo negro” no Brasil, ao lado de Antônio Risério, mostram de forma didática e simples que, no noticiário brasileiro, árabes são os negros brasileiros. Devem ser eliminados em nome do Ocidente branco e liberal. Se para os fundamentalistas religiosos os palestinos devem ser eliminados por desígnio de Deus, para os liberais os palestinos devem ser eliminados em nome da ordem liberal ocidental.

A fake de bebês decapitados existiu na Líbia e no Iraque, assim como muitos outros – é o caso da fake sobre os cortes de cabelo na Coreia do Norte, as quais acabam por engrossar o imaginário infantil de fundamentalistas religiosos e liberais ocidentalistas. É um padrão racializado para “animalizar” os colonizados, os “terroristas”. É um padrão do imperialismo sobre o Oriente Médio, a invenção inglesa.

As fakes de “crimes bárbaros”, como se jogar uma bomba em ambulâncias fossem “não crimes” ou “crimes não bárbaros”, são um expediente que objetiva qualificar os colonizados como “não civilizados”, pois a “civilização” e a “reserva civilizatória” pertenceriam aos colonizadores. A “reserva civilizatória” justificou e justifica a própria colonização, da escravização de africanos aos genocídios de chineses e indianos no século XIX por ingleses, como mostra Mike Davis no livro Holocaustos coloniais.

O que estamos assistindo é uma tentativa de aplicar um holocausto colonial impetrado pelo Estado de Israel sob um designío vingativo de um Deus cristão, em nome dos valores ocidentais. Coerente, pois Ocidente é sinônimo de genocídio.

*Leonardo Sacramento é professor de educação básica e pedagogo do IFSP. Autor, entre outros livros, de Discurso sobre o branco: notas sobre o racismo e o Apocalipse do liberalismo (Alameda).


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