Trabalhadores do Brasil

Imagem de Marina Gusmão, A flor, Ilustração digital
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Por GETÚLIO VARGAS*

Discurso de Primeiro de Maio de 1951, apresentado por Flávio Aguiar.

São 70 anos desde que Getúlio Vargas fez este discurso histórico no estádio de São Januário, do Vasco da Gama, no Rio de Janeiro. Ressalvadas as proporções e o distanciamento histórico, ele permanece atualíssimo, mostrando a diferença entre o que é um estadista, mesmo que contestado e contraditório, e um picareta, como o atual usurpador do Palácio do Planalto, o Piradão sem Farda, e seu antecessor, o Sabugo Ensebado, sem falar no Príncipe da Sociologia que virou Baronete de Higienópolis.

Consta que por fora das quatro linhas, e do texto preservado, Getúlio teria dito esta frase histórica: “enganam-se os que pensam que o povo nos reconduziu ao poder para comer sardinhas; viemos comer tubarões”. Se a memória ajudar os mais velhos, “tubarão” era uma metáfora para “capitalista”. Confesso que escrevo estas linhas sob certa emoção, porque ainda tenho nos meus ouvidos a famosa frase “Trabalhadores do Brasilll”, com que Getúlio abria suas arengas no rádio, usando sua voz de tenor aflautado.

E não esqueço do dia em que meu pai me levou à Praça da Martriz em Porto Alegre, completamenrte tomada de gente (cabiam lá folgadamente umas 100 mil pessoas), me pôs sobre seus ombros, e eu vi passar, em carro aberto, de pé, Getúlio e atrás dele um enorme negrão de terno branco, Gregório Fortunato. Era 1953, consta.

Enfim… sobre Vargas, penso que ele acabou por dar a volta por cima. Com todos os problemas de sua trajetória, Olga Benário à frente, em ato imperdoável, ele se redimiu no final, entregando sua vida ao povo brasileiro. Estive lá no Palácio do Catete, ainda em tempo de ver as gotas de sangue ressecado no espaldar da cama de seu martírio. Getúlio Vargas não se suicidou. Entregou sua vida para evitar um golpe. E evitou. Resistiu à bala. Uma bala.

Na autobiografia de Oswaldo Aranha, este conta que na madrugada de 23 para 24 de agosto de 1954, disse a Getúlio: “Manda todo mundo embora. Ficamos nós dois aqui, e resistimos à bala, como nos velhos tempos”. Getúlio bateu-lhe no ombro, e disse: “vai dormir, Oswaldo. Eu já pensei em tudo”. Caramba, onde estão os nossos Shakespeares, Sófocles, Ésquilos, Eurípides… que ainda não fizeram jus a tal grandeza? (Flávio Aguiar)

 

Discurso de Getúlio Vargas no dia do Trabalhador em 1º de Maio de 1951

Trabalhadores do Brasil

Depois de quase 6 anos de afastamento, durante os quais nunca me saíram do pensamento a imagem e a lembrança do grato e longo convívio que mantive convosco, eis-me outra vez aqui ao vosso lado, para falar com a familiaridade amiga de outros tempos, e para dizer que voltei a fim de defender os interesses mais legítimos do povo, e promover as medidas indispensáveis ao bem-estar dos trabalhadores.

Esta festa de 1º de maio tem para mim e para vós, uma expressão simbólica: é o primeiro dia de encontro entre os trabalhadores e o novo governo. E é com profunda emoção que retorno ao vosso convívio nesse ambiente de regozijo e festa nacional. Em que nos revemos uns aos outros a céu aberto e em que o governo fala ao povo de amigo para amigo na linguagem simples, leal e fraca que sempre lhes falei. Nas horas de glória e de triunfo, assim como nas de sofrimento e de perseguições, os trabalhadores foram sempre fiéis, desinteressados e valorosos.

E posso repetir hoje, de coração, o que mais de uma vez proclamei: os trabalhadores nunca me decepcionaram. Nunca se aproximaram de mim para pleitear interesses particulares ou favores pessoais. Pleitearam sempre para a coletividade a que pertencem, pelo reconhecimento dos seus direitos, pela melhoria das suas condições de vida, pelas reivindicações da classe e pelo bem-estar dos seus semelhantes.

Quando me retirei da vida pública e passei anos esquecido pelos que me festejavam no poder, vós, trabalhadores, nunca me esquecestes; e ali, na minha solidão, não me chegava apenas o eco distante dos vossos anseios e dos vossos direitos conspurcados, mas também o apelo dos vossos corações e a imagem dos vossos rostos cansados da labuta quotidiana, voltados para mim, num gesto comovedor de esperança e de saudade.

Aqui estou novamente ao vosso lado, e quero dar-vos a certeza de que, hoje como ontem, estarei convosco. E é convosco que pretendo reconstruir o Brasil de amanhã.

As urnas de 3 de outubro, em que os sufrágios do povo me reconduziram ao poder, têm uma significação decisiva na vida brasileira. Nelas não ficou apenas evidenciado o desejo e a capacidade do povo de nosso país de participar direta e ativamente no governo; foi também a primeira vez na história do Brasil em que o povo escolheu verdadeiramente o seu presidente, em meio à pluralidade de candidatos e alheio a todas as influências políticas regionais, municipais ou mesmo partidárias. Porque eu não fui estritamente um candidato de partido: fui um candidato do povo, um candidato dos trabalhadores.

Governarei, portanto, com esse povo que me elegeu e envidarei sempre todos os esforços para lhe proporcionar a maior soma possível de conforto, segurança, e bem-estar. Renovação nacional. Quero dizer-vos, todavia, que a obra gigantesca de renovação que o meu governo está começando a empreender não pode ser levada a bom termo sem o apoio dos trabalhadores e a sua cooperação quotidiana e decidida.

Nestes primeiros 90 dias de administração, já pude fazer um balanço das dificuldades e obstáculos que daqui e dali se estão levantando contra a ação governamental. E vim hoje à vossa presença, neste ambiente de festa, sem as apreensões e os receios da reação policial como nos dias passados, para vos falar com a franqueza habitual e vos aconselhar o melhor caminho para a satisfação das vossas mais justas aspirações. Ouço o clamor dos vossos apelos mais prementes; calam-me fundo na alma o desamparo, a miséria, a carestia da vida, os salários baixos, o dinheiro que não chega para as necessidades mais inadiáveis, a luta contra a doença, o desespero dos desvalidos da fortuna e as reivindicações da maioria do povo, que vive na esperança de melhores dias. É profundo, sincero e incansável o meu esforço para atender a esses reclamos e achar solução para essas dificuldades que vos afligem.

Leis contra a exploração

Mas, com a lealdade que vos acostumastes a esperar de mim, venho dizer que, neste momento, o governo ainda está desarmado de leis e de elementos concretos de ação imediata para a defesa da economia do povo. É preciso, pois, que o povo se organize não só para defender os seus próprios interesses, mas também para dar ao governo o ponto de apoio indispensável à realização dos seus propósitos. Por isso, escolhi este dia e este momento do nosso primeiro encontro festivo para vos fazer um apelo.

Preciso de vós, trabalhadores do Brasil, meus amigos, meus companheiros de uma longa jornada; preciso de vós tanto quanto precisais de mim. Preciso da vossa união; preciso que vos organizeis solidamente em sindicatos; preciso que formeis um bloco forte e coeso ao lado do governo para que este possa dispor de toda a força de que necessita para resolver os vossos próprios problemas. Preciso da vossa união para lutar contra os sabotadores, para que eu não fique prisioneiro dos interesses dos especuladores e dos gananciosos, em prejuízo dos interesses do povo. Preciso do vosso apoio coletivo, estratificado e consolidado na organização dos sindicatos, para que os meus propósitos não se esterilizem e a sinceridade com que me empenho em resolver os nossos problemas não seja colhida de surpresa e desarmada pela onda reacionária dos interesses egoístas, que, de todos os lados, tentam impedir a livre ação do meu governo.

Sindicalização

Chegou, por isso mesmo, a hora de o governo apelar para os trabalhadores e dizer-lhes: uni-vos todos nos vossos sindicatos, como forças livres e organizadas. As autoridades não poderão cercear a vossa liberdade nem usar de pressão ou de coação. O sindicato é a vossa arma de luta, a vossa fortaleza defensiva, o vosso instrumento de ação política. Na hora presente, nenhum governo poderá subsistir, ou dispor de força eficiente para as suas realizações sociais, se não contar com o apoio das organizações operárias. É através dessas organizações, sindicatos ou cooperativas, que as classes mais numerosas da nação podem influir nos governos, orientar a administração pública na defesa dos interesses populares. Auguro para a nossa pátria a época venturosa em que os sindicatos obreiros não serão apenas instrumentos de ação política e de defesa profissional, mas também terão a sua clínica para atender à saúde dos seus associados, as suas cooperativas para vender gêneros e mercadorias a preço de custo, escolas para elevar o nível das massas, órgãos jurídicos para defender os direitos individuais e sociais dos seus afiliados, caixas de empréstimo e financiamento para aquisição de casa própria, lugares de recreação após a labuta diária, sítios de cura e repouso para restauração das energias fatigadas; enfim, uma integração coletiva de vontades e interesses assegurando a todos e a cada um o emprego, o salário adequado, o bem-estar geral e a participação gradativa e proporcional nos rendimentos, frutos e benefícios da riqueza comum.

Para atender a esses objetivos, bem como para a luta contra a carestia da vida e os especuladores, e nos ingentes esforços pela elevação dos salários e a conquista do bem-estar social, é preciso que os trabalhadores e o povo em geral se organizem em volta do governo como um grande bloco, forte e coeso. Assim será possível levar avante o vasto programa de recuperação econômica e nacional que o meu governo pretende realizar. E é também esta a única maneira eficiente de o povo defender-se, para não ser explorado, e, como força de opinião organizada, ajudar o governo a lutar contra os elementos negativos da sociedade e contra os que não colaboram, os que prejudicam, contra os autores das fraudes, os sabotadores, os exploradores do povo e seus advogados, ostensivos ou disfarçados.

Melhor distribuição

As classes produtoras, que realmente contribuem para a grandeza e prosperidade nacional, o comerciante honesto, o industrial operoso e equitativo, o agricultor que fecunda a terra, estes não têm razão para temores nem para inquietações descabidas. Jamais devem recear a força do povo, os que trabalham com o povo e para o povo. O que a lei não protege nem tolera é o abuso, a especulação desenfreada, a usura, o crime, a iniquidade, a ganância de todas as castas de favoritos e de todos os tipos de traficantes, que corvejam sobre a miséria alheia, mercadejam com a fome de seus semelhantes e dão até a alma ao diabo para acumular riquezas, à custa do suor, da angústia e do sacrifício da maioria da população. O que é insuportável é que dentro da sociedade, onde tudo deve ser harmonia, equidade e cooperação para o bem comum, uns reservem para si todos os benefícios e outros carreguem apenas o fardo das privações e dos sofrimentos.

Queiram ou não queiram ouvir-me os inimigos do povo, continuarei proclamando em voz alta que não é possível manter a sociedade dividida em zonas de miséria e zonas de abundância; em que uns dispõem do supérfluo e a outros falta o indispensável para a subsistência; em que uns acumulam para si o mais que podem e outros carecem de roupa, de lar e de pão; em que uns padecem a fome e outros especulam com a fome.

É justo que o trabalhador tenha um salário razoável, adequado ao seu padrão de vida, e que dê para sustentar a família, educar os filhos, pagar a casa e tratar-se nas doenças sem precisar de favores nem da caridade pública. É justo que a lei lhe faculte os meios de atingir esses objetivos e que o Estado defenda e garanta a execução de um programa dessa natureza. A esse programa, que se iniciou no Brasil com a legislação trabalhista elaborada pelo meu governo, mas que ainda está longe de ser concluído, tenho dedicado toda a minha vida pública. Sempre contastes comigo, trabalhadores, para realizá-lo paulatinamente, à medida que as contingências o foram permitindo.

De hoje em diante, porém, e agora mais do que nunca, sou eu que preciso contar convosco. Não apenas com o apoio constante, desinteressado e amigo que sempre me destes, mas também com a força da vossa organização coletiva, com os instrumentos de ação dos vossos sindicatos e com o prestígio da opinião pública que conseguistes consolidar pela inteligência dos vossos líderes profissionais e dos representantes escolhidos pelo vosso sufrágio. Nas classes trabalhadoras organizadas, participando realmente do governo através dos sindicatos, cooperando diretamente com ele, é que poderei achar o sistema de defesa de que necessito para levar avante a obra renovadora do meu governo.

Quero encontrar em vós, trabalhadores, nos vossos órgãos de classe solidamente organizados, os amigos verdadeiros e independentes que hão de sempre dizer-me a verdade sobre as vossas necessidades, sem falseá-la, sem adulterá-la, como o fazem muitos que a mim se dirigem com o velado propósito de legitimar as suas pretensões egoísticas, em detrimento dos interesses do povo. Quero encontrar na vossa força coletiva organizada os elementos de ação que ainda me faltam para combater os grupos de exploradores responsáveis pela carestia da vida e pela desvalorização do vosso dinheiro. Quero achar, na sinceridade dos vossos apelos congregados em torno dos vossos sindicatos, o alimento capaz de nutrir a sinceridade com que eu próprio me empenho, na defesa dos vossos direitos e dos vossos legítimos interesses. Não basta, porém, a sindicalização das classes trabalhadoras: ela deve ser completada pela sadia organização das cooperativas do consumo. Já me referi a isto em discurso anterior e creio que nunca será demais insistir nas vantagens e benefícios do cooperativismo associado a uma boa organização sindical.

Fundo sindical

Devo lembrar que o meu governo achou o fundo sindical desvirtuado dos seus fins, utilizado para as manobras políticas mais inescrupulosas. Medidas já foram tomadas para moralizar essa aplicação; e a Divisão de Organização e Assistência Sindical tem efetuado rigorosos e intensivos exames nos processos de previsão orçamentária a fim de evitar a dispersão e o desperdício na aplicação das rendas sindicais.

Ensino

As cartilhas escolares, que o Ministério da Educação lançou em milhões de exemplares e cuja distribuição iniciei aqui num ato simbólico, representam o primeiro passo para a obra de instrução e difusão populares que o meu governo empreendeu com a decretação da gratuidade do ensino para que não faltem aos brasileiros, sem exceções ou discriminações, as facilidades e as oportunidades do aprimoramento cultural e do aperfeiçoamento profissional.

Proteção ao trabalhador rural

Medida de grande relevância, que é um dos pontos fundamentais do atual programa governamental, é a extensão dos benefícios da legislação trabalhista ao trabalhador rural, principalmente no que diz respeito à assistência médico-social, moradia e educação dos filhos, salário-mínimo, direito à indenização e estabilidade no emprego. Conta o governo, para este fim, com a colaboração de agricultores e pecuaristas, a serem igualmente beneficiados com essas providências.

A reforma dos órgãos mantidos pelo Imposto Sindical também deverá ser feita em futuro próximo, já se notando atividade proveitosa num dos seus setores – o do encaminhamento de desempregados, até há pouco tempo inoperante, conforme se vê das listas de convocação publicadas pela imprensa. O trabalho ora concluído está pronto para receber as últimas modificações.

Casa própria

A casa própria para o trabalhador constitui uma das finalidades essenciais que determinaram a criação das organizações securitárias, e este ponto deve estar presente no espírito dos seus administradores. Por isso, determinou o governo aos institutos a aplicação de fundos na edificação de residências para os seus contribuintes, empenhando-se igualmente a Caixa Econômica num novo plano de construção de vilas operárias.

Com o esforço conjugado dos institutos, da prefeitura e das Caixas Econômicas, poderemos construir logo, num primeiro plano de realizações imediatas, cerca de 30 mil casas baratas para a moradia dos trabalhadores do Distrito Federal.

Sucessivamente, irão sendo atendidos outros centros populosos dos vários estados da Federação, à medida que se forem tornando mais urgentes e imperiosas as necessidades.

Salário-mínimo

Outra providência já determinada pelo meu governo é o aumento do salário-mínimo dos trabalhadores em todo o território nacional, aumento que nunca será menor de 50% e que, em certos casos, para determinadas regiões e gêneros de trabalho, poderá elevar-se a duas ou três vezes mais o salário-mínimo atual. Os estudos nesse sentido já estão em andamento no Ministério do Trabalho, e a fixação definitiva dos novos níveis de salário-mínimo deverá ficar pronta até fins de setembro do corrente ano.

Grandemente prejudicial aos interesses das classes trabalhadoras era a orientação que vinha sendo seguida em vários Institutos de Aposentadorias e Pensões. Com poucas exceções, esses institutos tiveram o seu patrimônio dilapidado em vultosas inversões de capital, com objetivos inteiramente estranhos às suas finalidades. Já foram ordenadas sindicâncias para apurar responsabilidades, bem como medidas enérgicas para mais eficiente fiscalização das várias Caixas de Aposentadorias e Pensões. As irregularidades encontradas serão oportunamente levadas ao conhecimento público.

E esta será a resposta do meu governo aos sabotadores e traficantes, que descontaram nos encargos públicos as comissões pagas em troca de favores eleitorais. Não faço campanha contra pessoas. Critico apenas os métodos, processos e atos prejudiciais à coletividade brasileira. Isso, infelizmente, é o que simulam não entender os cúmplices da improbidade administrativa quando atacam as medidas moralizadoras da minha administração. Haja vista o que se disse e propalou a respeito do meu último discurso do dia 7 de abril.

Crise econômica

Fez-se abstenção dos atos concretos que relatei, da desorganização financeira do país e do estado de coisas encontrado pelo meu governo, que naquele discurso pretendi revelar ao povo. De tudo o que eu expus, os meus agressores destacaram apenas a frase final, para explorá-la e deturpá-la de várias maneiras, como se eu tivesse dito algo de surpreendente e estranho quando falei na miséria do povo, na carestia da vida, na atividade nociva dos açambarcadores de todos os matizes.

Disseram que o meu discurso era um convite à desordem e à reação popular. Entretanto, não anunciei senão verdades sabidas, focalizando problemas conhecidos de todos: a crise econômica em que nos debatemos, a inquietação das massas, provocada pelo aumento desproporcional do custo da vida e pelo monopólio dos gêneros de primeira necessidade. Isto não é apenas um mal brasileiro: é uma crise universal.

Mal-estar social

Ainda recentemente, na Conferência de Washington, os delegados latino-americanos frisaram que a principal causa da crise política do continente era o mal-estar social produzido pelos baixos padrões de vida, pela insegurança econômica das populações. O próprio Plano Marshall, de ajuda aos países europeus, não visa senão elevar os níveis de vida, assegurar emprego para todos, firmar as condições de estabilidade do trabalhador, para que não medrem as ideias dissolventes no seio das sociedades.

E que é o tão falado Ponto IV senão um remédio para que cessem os males e perigos da anarquia social? Precisam saber de uma vez por todas os reacionários intransigentes que estamos vivendo uma fase de democracia econômica e social em que as necessidades básicas de subsistência das populações obreiras e do povo em geral devem ser atendidas de forma preferencial e decisiva.

Na Europa, na Ásia, como nos países da América, as dificuldades econômicas são germes constantes da inquietação social, e é preciso remediá-las em tempo oportuno para evitar que o povo se agite e faça justiça pelas próprias mãos.

Advertência necessária. Quando fiz esta advertência no meu último discurso, julguei estar lembrando um fato conhecido por todos, focalizando um problema que, nos nossos dias, é de todas as nações e de todos os continentes. Não o entenderam assim, porém, os meus adversários e os inimigos do povo, que me apoia. Estranharam a minha advertência quando eu julgava estar repetindo coisas comezinhas e quando eu apenas reproduzia a advertência que, no mundo inteiro, fazem hoje os estadistas conscientes, zelosos da paz social e sinceramente preocupados em impedir que os seus países se afoguem no mar revolto das rebeliões das massas.

Meus propósitos foram sempre o equilíbrio social, a harmonia dos interesses entre classes produtoras e classes trabalhadoras, a concórdia política e a justiça na distribuição dos bens e das riquezas da coletividade. Não preciso incitar o povo à reação nem açular à violência porque o povo sempre sabe quando deve reagir e contra quem deve fazê-lo.

Houve quem dissesse, há dias, que, nestes primeiros três meses de novo governo, o povo já não esconde a sua decepção e o seu acabrunhamento. Mas os que falam assim não conhecem o povo e muito se enganam sobre a solidez dos vínculos que unem ao povo o meu governo. Pretendem falar em nome do povo sem saírem das quatro paredes onde vivem refestelados em cômodas poltronas e onde não chegam as vozes livres das multidões, longe, bem longe do ambiente palpitante de trabalho e de sacrifícios daqueles que lutam pelo pão quotidiano.

Só podem falar em nome do povo os que buscam o seu contato, os que não se arreceiam de se defrontar com ele ao ar livre, em espaços abertos, à luz do sol, dando conta dos seus atos e debatendo lealmente os problemas populares – como neste imenso e inconfundível espetáculo que estamos presenciando.

Trabalhadores do Brasil, não me elegi sob a bandeira exclusiva de um partido, e sim por um movimento empolgante e irresistível das massas populares. Não me foram buscar na reclusão para que viesse fazer mera substituição de pessoas, ou simples mudanças de quadros administrativos. A minha eleição teve significado muito maior e muito mais profundo: porque o povo me acompanha na esperança de que o meu governo possa edificar uma nova era de verdadeira democracia social e econômica, e não apenas para emprestar o seu apoio e sua solidariedade a uma democracia meramente política, que desconhece a igualdade social.

Percam a ilusão os que pretendem separar-me do povo, ou separá-lo de mim. Juntos estamos e juntos estaremos sempre, na alegria e no sofrimento, nos dias de festa, como o de hoje, e nas horas de dor e sacrifício. E juntos haveremos de reconstruir um Brasil melhor, onde haja mais segurança econômica, mais justiça social, melhores padrões de vida e um clima novo de prosperidade e bem-estar para este bom e generoso povo brasileiro.

*Getúlio Vargas (1888-1954) foi presidente do Brasil duas vezes, entre 1930 e 1945 e de 31 de janeiro de 1951 a 24 de agosto de 1954.

*Flávio Aguiar, jornalista e escritor, é professor aposentado de literatura brasileira na USP. Autor, entre outros livros, de Crônicas do mundo ao revés (Boitempo).

 

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