Adeus à reeleição?

Imagem: Silvia Faustino Saes
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.*

Esvaiu-se a expectativa de que a economia poderia se constituir em trunfo importante para Bolsonaro na sua busca da reeleição

Volto a me aventurar pelo campo minado das previsões econômicas e políticas. As dificuldades são notórias. Há um ditado, célebre em Wall Street: If you have to forecast, do it often (Se você tem que fazer previsões, faça-as com frequência). Em política, as previsões são ainda mais temerárias. Por que fazê-las então? Não é difícil de entender. As decisões de hoje dependem criticamente da visão que se tem do futuro, por mais turva, por mais incerta. Todos tentam, com maior ou menor critério e sucesso.

Vamos lá então. É impressionante, leitor, como mudou o quadro prospectivo brasileiro em apenas dois ou três meses. Tanto para a economia como para a política, com a modificação das perspectivas políticas refletindo em parte a deterioração do horizonte econômico para o que resta de 2021 e para 2022. A decadência do governo federal se tornou mais evidente.

A economia continua se recuperando em alguma medida, é verdade. O nível da atividade vem aumentando, com efeitos positivos sobre a arrecadação tributária. Um crescimento do PIB da ordem de 5% parece factível em 2021, embora se deva ressaltar que a estatística interanual inclui um carry-over expressivo, como já comentei em artigos anteriores. Na margem, isto é, quarto trimestre de 2021 contra quarto trimestre de 2020, a taxa de crescimento será consideravelmente menor. O aumento do PIB ao longo do ano será pouco significativo, próximo de zero em termos per capita.

O ritmo de expansão econômica em curso não é suficiente para melhorar de forma expressiva o mercado de trabalho. O total de desempregados ficou em 14,4 milhões no segundo trimestre, segundo o IBGE. A taxa de desocupação (desemprego aberto) foi 14,1%, acusando alguma diminuição em relação ao recorde do primeiro trimestre. O nível de emprego cresceu, mas o seu efeito sobre a taxa de desemprego é neutralizado em parte pelo aumento da taxa de participação (definida como a relação entre população ativa – empregada ou desempregada em busca de trabalho – e a população em idade de trabalhar). O aumento da taxa de participação se deve, por sua vez, ao arrefecimento da pandemia e, também, à recuperação da economia, que aumenta as chances de que a busca de emprego possa ser bem-sucedida.

Por outro lado, muitos do que têm empregos estão no setor informal (40,6%) ou subempregados. A subocupação – o desemprego por insuficiência de horas trabalhadas – alcançou o recorde de 7,5 milhões de pessoas. São pessoasque gostariam de trabalhar mais horas do que conseguem atualmente. Os desempregados por desalento, isto é, aqueles que estariam interessados em trabalhar, mas abandonaram a busca por não acreditar na possibilidade de obter emprego, chegaram a 5,6 milhões. Consideradas as três formas de desemprego – aberto, por insuficiência de horas trabalhadas e por desalento – o total de desempregados ou subempregados alcança nada menos que 27,5milhões no segundo trimestre. Uma tragédia, em suma.

O que vem acontecendo em termos de atividade econômica e mercado de trabalho nos meses recentes está mais ou menos dentro do esperado. Houve, porém, surpresas muito negativas em outras áreas. Refiro-me à inflação mais alta e persistente e à crise hídrica e energética. A primeira é causada, em parte, pelos aumentos de preços da energia elétrica decorrentes da estiagem e do esvaziamento dos reservatórios. É verdade que a inflação e a questão energética já estavam presentes como preocupações há alguns meses. Mas o governo e os agentes privados foram pegos de surpresa pelo agravamento desses problemas. Ficou claro que existe risco de racionamento de energia, ainda que o governo insista em negá-lo.

O Banco Central corre atrás do prejuízo e procura recuperar o controle sobre a inflação, intensificando o aperto monetário e elevando mais rapidamente a taxa básica de juro. Isso deve arrefecer a taxa de inflação com alguma defasagem, mas ao preço de derrubar a taxa de crescimento do PIB para menos de 2% em 2021. Ao longo deste ano, a inflação vem corroendo o salário real, somando-se ao desemprego elevado, para reduzir a massa salarial e dificultar a retomada do consumo.

Para completar o quadro de dificuldades, o início do segundo semestre veio trazer sinais de deterioração do contexto econômico internacional, que vinha sendo um dos fatores a impulsionar a recuperação da economia brasileira. A disseminação da variante delta em várias partes do mundo mostrou que a pandemia está longe do fim,motivando revisões para baixo das projeções de crescimento econômico da China, dos Estados Unidos e de outros países importantes. Além de apontar para um ambiente menos favorável para a economia brasileira, as notícias da pandemia no exterior alimentaram também a percepção de que o Brasil ainda tem muitos riscos pela frente no enfrentamento da crise de saúde pública.

Por todos esses motivos, esvaiu-se a expectativa de que a economia poderia se constituir em trunfo importante para Bolsonaro na sua busca da reeleição. O que parecia plausível e até provável para alguns – a recuperação do governo graças ao fator econômico e ao avanço da vacinação –ficou bem mais distante. Quem contava com isso já pôs as barbas de molho. Tanto mais que o governo dá demonstrações seguidas de inépcia e fraqueza na condução da política econômica e das suas pautas no Congresso. Os tumultos em torno da reforma do Imposto de Renda, da questão dos precatórios e da ampliação do Bolsa Família, por exemplo, consolidaram a percepção de que o governo perdeu o rumo.

Cada vez mais isolado, Bolsonaro pode até nem chegar ao fim do seu mandato. A terceira via já percebeu há algum tempo que só é viável. Caso consiga sobreviver, o mais provável é o presidente da República que chegue na eleição desgastado e desmoralizado. É o que se pode esperar com base nas informações que temos.

De toda maneira, vale lembrar a advertência de Keynes: “The expected never happens; it is the unexpected always!” (O esperado nunca acontece; é o inesperado sempre!”).

*Paulo Nogueira Batista Jr. é titular da cátedra Celso Furtado do Colégio de Altos Estudos da UFRJ. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai. Autor, entre outros livros, de O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata (LeYa)

Versão ampliada de artigo publicado na revista Carta Capital em 03 de setembro de 2021.

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Henry Burnett Sergio Amadeu da Silveira Lorenzo Vitral Celso Frederico Gilberto Maringoni Daniel Brazil Ricardo Musse Jorge Branco Francisco Fernandes Ladeira Dennis Oliveira Chico Alencar Ricardo Abramovay Annateresa Fabris Paulo Nogueira Batista Jr Érico Andrade Luiz Roberto Alves Bento Prado Jr. Alexandre de Freitas Barbosa José Costa Júnior Lucas Fiaschetti Estevez Luis Felipe Miguel Paulo Fernandes Silveira Armando Boito Paulo Martins Ronald Rocha Alysson Leandro Mascaro Flávio Aguiar José Machado Moita Neto Alexandre de Oliveira Torres Carrasco João Sette Whitaker Ferreira Eugênio Bucci Bruno Machado Plínio de Arruda Sampaio Jr. Ricardo Fabbrini André Singer Antonio Martins Leonardo Boff Eliziário Andrade Tadeu Valadares Ladislau Dowbor Otaviano Helene João Feres Júnior José Geraldo Couto Eugênio Trivinho Celso Favaretto Valerio Arcary Kátia Gerab Baggio Airton Paschoa Paulo Sérgio Pinheiro Luiz Marques Maria Rita Kehl Salem Nasser Claudio Katz Luís Fernando Vitagliano Eleutério F. S. Prado André Márcio Neves Soares Leonardo Sacramento Marcos Silva Anderson Alves Esteves Carla Teixeira Julian Rodrigues João Adolfo Hansen Mário Maestri Rubens Pinto Lyra Paulo Capel Narvai Ronald León Núñez Rodrigo de Faria Marcelo Módolo Igor Felippe Santos Yuri Martins-Fontes Manuel Domingos Neto Dênis de Moraes Renato Dagnino Walnice Nogueira Galvão Berenice Bento Liszt Vieira Tales Ab'Sáber Vanderlei Tenório Antonino Infranca Michael Löwy Luiz Renato Martins Matheus Silveira de Souza Atilio A. Boron Eleonora Albano Chico Whitaker Mariarosaria Fabris Denilson Cordeiro Alexandre Aragão de Albuquerque Daniel Afonso da Silva Luciano Nascimento Antônio Sales Rios Neto Thomas Piketty Manchetômetro Gabriel Cohn Eduardo Borges João Carlos Salles Bernardo Ricupero Jean Pierre Chauvin Michael Roberts José Micaelson Lacerda Morais Flávio R. Kothe Fernão Pessoa Ramos Marcus Ianoni Fábio Konder Comparato Francisco de Oliveira Barros Júnior Afrânio Catani Luiz Bernardo Pericás Remy José Fontana Anselm Jappe Sandra Bitencourt Lincoln Secco Michel Goulart da Silva Jorge Luiz Souto Maior Andrés del Río Everaldo de Oliveira Andrade Priscila Figueiredo Boaventura de Sousa Santos Marjorie C. Marona Rafael R. Ioris Ricardo Antunes Gilberto Lopes Carlos Tautz Gerson Almeida Tarso Genro Luiz Werneck Vianna João Paulo Ayub Fonseca Samuel Kilsztajn Luiz Carlos Bresser-Pereira Bruno Fabricio Alcebino da Silva Caio Bugiato João Carlos Loebens José Raimundo Trindade Vinício Carrilho Martinez Marilena Chauí Slavoj Žižek Heraldo Campos Elias Jabbour Henri Acselrad João Lanari Bo Francisco Pereira de Farias José Luís Fiori Ari Marcelo Solon Daniel Costa Milton Pinheiro Ronaldo Tadeu de Souza Luiz Eduardo Soares Marcelo Guimarães Lima José Dirceu Juarez Guimarães Leonardo Avritzer Marilia Pacheco Fiorillo Andrew Korybko Benicio Viero Schmidt Alexandre de Lima Castro Tranjan Marcos Aurélio da Silva Vladimir Safatle Jean Marc Von Der Weid Osvaldo Coggiola Fernando Nogueira da Costa Leda Maria Paulani

NOVAS PUBLICAÇÕES