Por VITOR SILVEIRA*
Algumas considerações sobre a plataforma de streaming mais popular do mundo
Um dos novos hábitos que a pandemia me trouxe foi o de assistir (às vezes de forma compulsiva) a vídeos no YouTube, famosa plataforma de vídeos da Google. Apesar de usar a internet desde o final dos anos 90 e não ser nenhum dinossauro analógico, nunca tinha me aprofundado nesse site/aplicativo por uma série de motivos que não valem a pena ser mencionados. Mas, com o longo confinamento compulsório dos últimos tempos e uma boa conexão disponível, finalmente mergulhei de cabeça nesse universo paralelo.
Como era de se imaginar, em um ambiente aonde qualquer um pode publicar seu conteúdo sem supervisão prévia, por lá tem muita coisa interessante para ser vista e também muita futilidade, muita informação duvidosa, muitos clickbaits… Aliás, uma das coisas que impressiona a um usuário novato logo de cara é a imensa variedade de canais disponíveis abordando praticamente todos os temas possíveis e imagináveis com uma qualidade extremamente variável. No YouTube se vê literalmente de tudo: desde renomados especialistas com produções audiovisuais de nível profissional até vídeos que são realmente muitos pobres, seja do ponto de vista estético ou da qualidade das informações que apresentam.
Eu poderia continuar ainda tecendo muitas outras considerações sobre os aspectos mais proeminentes da tal plataforma, mas não é essa minha intenção aqui e creio mesmo que seria desnecessário, a imensa maioria de vocês deve conhecer aquele espaço em alguma medida. Uma última característica que eu gostaria de destacar são os anúncios que insistem em interromper nossos vídeos quando menos esperamos. Em certa medida esse incomodo é aceitável, já que se trata de um serviço grátis e por isso mesmo muitas vezes o único streaming disponível para nós, empobrecidos brasileiros. A renda oriunda dessas propagandas serve a fins diversos: cobrir os custos de funcionamento do serviço, encher ainda mais as burras da Alphabet de ouro e também remunerar os produtores de conteúdo, este (finalmente) é o tema que quero abordar aqui.
Quanto à audiência que alcançam podemos classificar os canais em pequenos, médios, grandes e gigantescos, muitos destes são monetizados pelos seus vídeos. Muitos outros surgem todos os dias buscando ganhar algum dinheiro na plataforma. Vale ressaltar que nem todos recebem pelo conteúdo que geram, é preciso antes de mais nada ofertar algumas milhões de visualizações ao semideus Google para que só então ele passe a recompensá-lo, deve-se também obedecer à certas regras e critérios estabelecidos pelo pessoal da Califórnia.
Fato é que, com o quase-fim dos concursos públicos, precarização geral do mercado de trabalho e a crise geral instalada no país após o mais recente golpe de estado, ganhar a vida como YouTuber passou a ser o sonho de milhões de pessoas, sejam elas jovens ou nem tão jovens assim.
Os canais pequenos, com sorte rendem alguns salários mínimos por mês, canais médios garantem aos seus criadores uma vida de classe média ou média alta e os canais grandes ou gigantes podem dar aos seus donos uma vida de astros do rock milionários. Lembremos ainda que a receita obtida não vem apenas do Ad-Sense (serviço que vincula os anúncios entre os vídeos), mas de muitas outras fontes como: venda de produtos, permutas, financiamento coletivo e até merchandising. Claro que na hora de calcular os lucros há de se considerar também o tamanho da produção envolvida, quem grava sozinho em seu quarto não divide a grana com ninguém, enquanto os canais da imprensa independente, por exemplo, tem muitos colaboradores.
Analisemos agora com mais profundidade um caso em particular: os podcasts talvez sejam o tipo de programa que se multiplica com maior rapidez no YouTube, creio que já há uma centena deles ou ainda mais. Dentre eles podemos destacar o Podpah, um podcast de entrevistas que conta com mais de quatro milhões e meio de inscritos. Esse canal ficou ainda mais conhecido recentemente por ter sido o lugar escolhido pelo ex-presidente Lula para dialogar com essa nova geração que vive online e pouco liga a TV. Tal entrevista bateu o recorde de audiência simultânea da plataforma, com quase 300 mil pessoas acompanhando o papo em tempo real. Vale destacar que o Podpah conta com patrocinadores fixos, o que não é algo muito comum, mesmo entre as atrações de grande alcance. Há algumas semanas, os dois rapazes (periféricos) que comandam a atração fizeram uma live onde ficaram 24 horas ininterruptas ao vivo, recebendo diversos outros YouTubers que iam se revezando em uma conversa interminável. Segundo os próprios apresentadores, somente naquela live arrecadaram mais de meio milhão de reais com as seis cotas de patrocínio vendidas.
Tenho certeza que pouquíssimas pessoas no Brasil ganharam tanto dinheiro naquele dia quanto aqueles dois jovens “manos”, sendo que eles mesmos contaram durante a transmissão que, há alguns anos atrás, muitas vezes não tinham nem um único centavo no bolso. Ah, vale lembrar que muitos outros milhares com certeza ainda virão oriundos daquele dia de trabalho, através dos anúncios, que seguem gerando uma renda passiva. Podem ter certeza que aqueles dois são inspiração para uma geração inteira.
Eu poderia citar algumas frases de ostentação desnecessária ditas na live/maratona pelos apresentadores e por alguns dos rapazes que estiveram ali presentes, mas acho desnecessário, eles no geral são todos bastantes humildes e cientes do país pobre e desigual em que vivem. Creio que mais do que qualquer outra coisa, isso só vem a confirmar a condição financeira excepcional em que se encontram. Também serve para nos lembrar o quanto o dinheiro é sedutor e potencialmente alienante, mesmo para aqueles que se lembram bem de onde vieram e para os que lutam por um mundo mais igualitário.
Poderia discorrer ainda sobre consciência de classe, fetiche da mercadoria, etc… Mas, esse não é o tema aqui. O assunto, como eu já disse desde o início é: YouTuber, a profissão dos sonhos.
*Vitor Silveira é graduado em Comunicação Social, escritor e fotógrafo. Autor entre outros de Uma Vez Na Estrada.