A avalanche bolsonarista

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Por VALERIO ARCARY*

Podemos vencer. Sem negacionismo, com sangue frio, a hora é de luta até o fim

“Reconhece a queda, mas não desanima.\ Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima (Paulo Vanzolini).

Os resultados de domingo deixaram a maioria do povo de esquerda alarmado. A frustração é um sentimento amargo. Há muita ansiedade, e até angústia entre nós. Algo compreensível, porque foi gerada pelas pesquisas a expectativa de vitória no primeiro turno. Hora de lamber as feridas. Hora de sangue frio. Lula conquistou 48,43% dos válidos. Faltou, somente 1,57% para decidir no primeiro turno. Essa foi a informação mais importante que saiu das urnas.

Mas, não foi só isso: uma “avalanche” reacionária surpreendeu. Análises realistas alertaram que nada estava decidido, e poderíamos ter um segundo turno. Tudo vai depender de uma linha tática lúcida e de uma disposição revolucionária de luta do ativismo. A negociação de apoios de Simone Tebet e Ciro Gomes é legítima. Mas três perigos principais ameaçam a vitória dia 30 de outubro. O “já ganhou” ou o “já perdeu”, no lugar do chamado à luta. A redução da campanha à “romantização do passado”, no lugar do compromisso solene com propostas concretas para o futuro. O perigo do “giro ao centro”, no lugar de uma polarização implacável contra Jair Bolsonaro e o perigo fascista.

A votação de Bolsonaro foi muito maior que a previsão das pesquisas, ao alcançar 51 milhões de votos, e vencer no estado de São Paulo; a eleição de Cláudio Castro no Rio de Janeiro ocorreu em primeiro turno; Tarcísio de Freitas passou para o segundo turno na condição de favorito em São Paulo, e Onix Lorenzoni no Rio Grande do Sul; a ala neofascista da extrema direita elegeu Mourão, Damaris, e o astronauta para o Senado; Sergio Moro e Deltan Dallagnol venceram no Paraná, Ricardo Salles e Eduardo Pazuello são campeões de votos, e o partido bolsonarista elegeu 99 deputados federais.

As eleições gerais confirmaram, também, que o peso de Lula é muito maior que o peso da esquerda, mesmo considerando os aliados de partidos burgueses que chamaram ao voto. Aqueles que defenderam Bolsonaro ganharam em nove estados no primeiro turno (AC, DF, GO, MG, MT, PR, RJ, RO e TO). Os candidatos a governador que apoiaram Lula venceram em seis (AP, CE, MA, PA, PI, RN). Este desfecho vai pesar, também. Sim, seis milhões de votos são uma diferença imponente, mas nada está garantido. Sejamos sérios. O perigo é “real e imediato”. Qualquer subestimação de Jair Bolsonaro será um erro fatal. Diminuir a gravidade da disputa seria insensato. Domingo sinalizou que há incerteza.

Bolsonaro foi beneficiado por um arrastão de voto útil das outras candidaturas, nos últimos dois dias antes de domingo, ainda que menor que em 2018. O bolsonarismo revelou, mais uma vez, que tem implantação social na massa da burguesia e na classe média e capilaridade nacional, em especial, nas pequenas cidades, no centro-oeste e no sul onde o peso do agronegócio é maior. A votação de Jair Bolsonaro foi muito mais ampla que a corrente neofascista no sudeste e até no nordeste, ainda que sua hegemonia seja no Brasil “profundo”.

Confirmou audiência popular em setores organizados pelas Igrejas neopentecostais na extrema-periferia das grandes cidades, em especial, no Rio de Janeiro. A extrema direita recolhe o rancor social dos estratos médios, mas alimenta e responde, ideologicamente, aos profundos preconceitos machistas, racistas, homofóbicos que permanecem intactos.

Mesmo depois da catástrofe sanitária da pandemia, depois da explosão da miséria com dezenas de milhares condenados à fome, depois do aumento da desigualdade social com os salários em queda, ininterruptamente, nos últimos quatro anos, depois de serem batidos todos recordes de queimadas na Amazônia, depois das ameaças golpistas, enfim, a tragédia inteira. O sete de setembro já tinha revelado nas ruas a força social de choque ultrarreacionária do bolsonarismo.

A lição que ficou deste primeiro turno é que o país permanece fraturado, social e politicamente. O neofascismo é um movimento político de massas, e não vai deixar de nos atormentar, se Lula vencer as eleições. Devemos ser conscientes que Jair Bolsonaro representa a ameaça de uma derrota histórica: a desmoralização de uma geração. Uma ventania fria soprou neste domingo, mas permanece no ar o perigo de um “inverno siberiano”.

Nem já perdeu, nem já ganhou. O pessimismo zangado não ajuda. O otimismo de autoengano não ajuda. Militância é máximo ativismo, não quietismo passivo. É decisivo acreditar que, se lutarmos até o fim, podemos vencer. A força moral da militância de esquerda e do ativismo dos movimentos sociais pode fazer a diferença. Estes últimos seis anos não foram em vão. Lula venceu no Nordeste e na maioria das grandes regiões metropolitanas: São Paulo, Porto Alegre, Salvador, Belo Horizonte, Belém. Só perdemos no Rio de Janeiro e em Brasília.

Lula conquistou o voto da imensa maioria dos mais pobres, das mulheres, da juventude e do Nordeste. A abstenção de 20% esteve na média das últimas eleições. Parece improvável que venha a diminuir. A redução de votos brancos e nulos já foi muito significativa, talvez até aumente. Mas ainda há possibilidade de disputa entre os trabalhadores, sindicalmente, organizados que ganham entre dois e cinco salários mínimos, e são muitos milhões.

Lula e o comando da Frente não devem reduzir a campanha à nostalgia do passado. Precisamos apresentar propostas de mudança concretas da vida. Elevação do salário mínimo, obras públicas para que haja milhões de empregos, fortalecimento do SUS, ampliação das cotas raciais na educação e nos serviços públicos, revisão da reforma trabalhista, revogação do teto dos gastos, impostos sobre as grandes fortunas, elevação da isenção do imposto de renda, desmatamento zero, defesa das reservas da população indígena, direitos das mulheres e da população LGBTQIA+. Não ceder à pressão para o giro ao centro.

Podemos vencer. Sem negacionismo, com sangue frio, a hora é de luta até o fim. Menos de quatro semanas são um intervalo para ocupar as ruas do país, abrir o diálogo nos locais de trabalho, conversar nos bairros, disputar a família alargada, mobilizar o ativismo e conquistar a vitória.

*Valério Arcary é professor aposentado do IFSP. Autor, entre outros livros, de Ninguém disse que seria fácil (Boitempo).

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