Por VALERIO ARCARY*
Homenagem ao camarada que foi um revolucionário, cuja ausência deixa o mundo menor e nos impõe um silêncio esmagador
“Y en nosotros nuestros muertos\ Pa’ que nadie quede atrás” (Atahualpa Yupanqui).
A hora do adeus é a mais triste. Paulo Afonso Aguena, o “Catatau”, ou somente, o Cata, nos deixou ontem. Quarenta e dois anos de militância, sempre na primeira linha. Lutava, desde dezembro passado, contra um câncer de fígado agressivo. Foi, desde sempre, um valente, um incansável, um insubstituível. Resistiu, bravamente, ao avanço devastador da doença, permanecendo ativo até o limite de suas forças. Morreu aos 60 anos, a poucos dias de fazer aniversário.
Paulo Afonso Aguena foi um dos principais líderes da Convergência Socialista, do PSTU e da Resistência, corrente interna do PSol, um herdeiro da tradição da Quarta Internacional de Leon Trotsky. A Comissão da Anistia o reconheceu vítima de perseguição pela ditadura. Foi, durante os quarenta anos de sua vida adulta, um revolucionário profissional. Assumiu, muito jovem, imensas responsabilidades. Mas foi sempre um dirigente discreto.
Paulo Aguena nasceu em uma família de origem japonesa do interior de São Paulo. Iniciou sua militância no movimento estudantil quando ingressou na Universidade Federal de São Carlos, ainda no início dos anos 1980, e se integrou à Convergência Socialista. Eu o vi, pela primeira vez, no Congresso da UNE de 1981, quando compartilhamos alojamento na casa de um camarada. Precocemente maduro para a idade, somente dois anos depois, ele já estava no secretariado nacional da Convergência Socialista, responsável pela edição do boletim interno, uma publicação com a análise de conjuntura da semana, e orientação das companhas políticas distribuída para os núcleos em todo o país.
Organizador das lutas e da militância, atuou durante muitos anos no movimento sindical. Esteve presente em incontáveis greves e mobilizações, com os operários da construção civil em Cubatão, ao lado dos metalúrgicos no ABC, em Minas Gerais. Foi um dos organizadores da luta em defesa do Pinherinho em São José dos Campos. Atravessou o país de norte a sul. Viveu em Contagem, Rio de Janeiro, e São Paulo. Viajou pelo Brasil inteiro, da Amazônia até o Rio Grande do Sul, dezenas de cidades, para realizar plenárias, organizar conferências, planejar cursos de formação, preparar Congressos. Internacionalista, queria conhecer mais de perto a esquerda argentina e viveu alguns anos em Buenos Aires.
Paulo Afonso Aguena estudava a realidade, meticulosamente, na busca de mais informações, quando decidia escrever sobre um tema. Tinha horror à superficialidade. Era uma liderança agregadora, preocupado em construir, formar novas lideranças, ampliar a implantação. Quando sugiam diferenças e concluía a necessidade de abrir um debate ia até o fim. Não se precipitava em divulgar um texto, enquanto não estava satisfeito. E, como tinha máxima seriedade, estava sempre insatisfeito. Era preciso arrancar os textos das mãos dele. Seus documentos tinham o cuidado com as mediações, mas eram sempre límpídos de clareza. Não tinha paciência com linguagem hermética, raciocínios labirintícos, propostas confusas, orientações ambíguas. Paulo Afonso Aguena era um homem de ação.
Paulo Afonso Aguena tinha a habilidade de construir com facilidade relações de confiança. Despertava o que havia de melhor em cada um que militava ao seu lado. Foi um dirigente muito respeitado pela militância das organizações que ajudou a construir, e pelos que o conheceram na esquerda brasileira. Tinha uma imensa paixão revolucionária, audácia política, honestidade pessoal, e uma inteligência que ia ao cerne dos dilemas estratégicos colocados pelos problemas táticos, diante de cada oscilação da conjuntura política.
A perda é irreparável, e sua ausência nos impõe um silêncio esmagador. Mas é preciso lembrar. Cordato, mas alegre, sério, mas ousado, Paulo Afonso Aguena foi grande, e estamos mais frágeis. Nosso mundo ficou menor. Na sua última intervenção pública, em uma cerimônia de despedida em abril passado ele nos pediu coragem, confiança, esperança. Coragem para termos certeza que nossa militância não será em vão. Confiança na classe trabalhadora e sua capacidade de lutar. Esperança internacionalista no destino da luta pelo socialismo.
Catatau deixa dois filhos e uma companheira. Deixa, também, um legado de enorme dedicação, e muitas saudades.
*Valério Arcary é professor aposentado do IFSP. Autor, entre outros livros, de Ninguém disse que seria fácil (Boitempo).