América do Sul – onda cinza?

Imagem: Carolyn
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por ANGELITA MATOS SOUZA*

As dificuldades dos governos progressistas os colocam distantes das aspirações da esquerda

Logo após a eleição do presidente Lula para o seu terceiro mandato, uma matéria no jornal O Globo declarava que a vitória consolidava a nova ‘onda rosa’ na América do Sul: estavam em mãos de governos de esquerda a Argentina, a Bolívia, o Peru, Chile, Colômbia e, finalmente, o Brasil, além de Honduras e México, fora da região. E muitos analistas escreveram o mesmo, havia no horizonte uma nova onda rosa.

Infelizmente, há indícios de que está virando uma “onda cinza”. No Peru, o presidente Pedro Castillo foi destituído antes mesmo da posse do presidente Lula. A situação na Argentina é tão crítica que não podemos desconsiderar a possibilidade de a eleição deste ano dar vitória a um fanfarrão. Na Bolívia, à crise econômica, marcada pela evasão de divisas, soma-se a disputa já estabelecida entre Luis Arce e Evo Morales, em torno de quem será o candidato do MAS (Movimento ao Socialismo) em 2026, o que divide o partido e, obviamente, favorece a direita.

Na Colômbia, o presidente Gustavo Petro, diante das dificuldades para governar em sentido reformista, fez uma reforma ministerial e anunciou que apostará na mobilização popular para se fortalecer. Se tiver êxito, servirá de exemplo para os governos progressistas na região. Por isso mesmo, a batalha tem tudo para ser dificílima.

No Chile, a reversão foi mais deprimente, pois depois das grandes mobilizações que clamavam por mudanças, e resultaram na eleição de Gabriel Boric para presidente, se esperava muito mais do país. No entanto, em 2022 houve a derrota em plebiscito do projeto de Constituição e a extrema direita venceu as eleições para o novo processo constituinte ocorridas neste mês.

Quase todas as análises que li responsabilizaram o descompasso entre o avanço das pautas por reconhecimento e a realidade ideológica chilena (conservadora). Carlos E. Martins, em artigo postado no site A Terra é Redonda chamou a atenção para um fato importante: a introdução do voto obrigatório teria ampliado a participação eleitoral das massas desorganizadas e despolitizadas, o que teria favorecido a direita. Em meio à difusão de fake news, o voto obrigatório parece que foi mesmo um equívoco. Ou seria sempre um equívoco? (Por aqui, por causa do fenômeno do lulismo, pode ser que não).

Por fim, em que pese a recuperação de prestígio internacional com a volta do presidente Lula ao poder, internamente a situação no Brasil é complicada. O Banco Central insiste em uma política de juros suicida; no Congresso, Arthur Lira faz os “Rodrigos” parecerem grandes republicanos: o presidente anterior, Rodrigo Maia, e o atual presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.

Há ainda um conflito se desenhando entre o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e a Petrobras, e se tem uma pessoa que o governo não deveria arriscar a perder é a Marina Silva. Atualmente, a Amazônia é a principal fonte de soft power para o governo (não mediar conflitos bélicos, ao que tudo indica, de longa duração) e a ministra contribui para tanto.

Em suma, nunca foi fácil, mas na primeira década deste século o milagre das commodities ajudou bastante. O que certamente não contribuiu para com o futuro (o agora), notadamente no caso brasileiro, foi a carência de um projeto de desenvolvimento (industrial), que visasse investimentos em setores econômicos novos ou mesmo no sentido da reindustrialização como objetivo principal.

O Brasil era o país em melhores condições para perseguir esse objetivo. As políticas de distribuição de renda foram importantes, inclusive para a vitória do presidente Lula em 2022, todavia, nos seus governos anteriores se poderia ter aproveitado melhor a fortuna, inclusive para travar uma “batalha ideológica” contra o neoliberalismo hegemônico. Esperemos que haja outra oportunidade, agora construída por nós. E fiquemos de olho na Colômbia

*Angelita Matos Souza é cientista política e professora no Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Unesp.

Publicado originalmente no Jornal GGN.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Maria Rita Kehl Dênis de Moraes José Geraldo Couto Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Bernardo Ricupero Alexandre Aragão de Albuquerque Daniel Afonso da Silva Marjorie C. Marona Liszt Vieira Eleonora Albano João Paulo Ayub Fonseca Mário Maestri Jorge Luiz Souto Maior Michael Roberts Marcos Silva Paulo Martins Bento Prado Jr. Antonino Infranca Priscila Figueiredo Julian Rodrigues Gilberto Maringoni Manuel Domingos Neto Anselm Jappe José Raimundo Trindade Alexandre de Freitas Barbosa Alexandre de Lima Castro Tranjan João Feres Júnior Chico Whitaker Érico Andrade Sergio Amadeu da Silveira Andrés del Río Luiz Carlos Bresser-Pereira Chico Alencar Tarso Genro Ari Marcelo Solon Gilberto Lopes Marcos Aurélio da Silva Juarez Guimarães João Sette Whitaker Ferreira José Costa Júnior Rodrigo de Faria Walnice Nogueira Galvão Bruno Machado José Dirceu Lorenzo Vitral João Carlos Salles Tales Ab'Sáber Antônio Sales Rios Neto Eliziário Andrade Yuri Martins-Fontes Tadeu Valadares Alexandre Juliete Rosa Gerson Almeida Marcelo Guimarães Lima Rafael R. Ioris Antonio Martins Samuel Kilsztajn Igor Felippe Santos Everaldo de Oliveira Andrade Andrew Korybko Eugênio Trivinho Heraldo Campos Thomas Piketty Luiz Roberto Alves André Singer Carla Teixeira Ronald León Núñez Lucas Fiaschetti Estevez Rubens Pinto Lyra Benicio Viero Schmidt Marcus Ianoni Henry Burnett Boaventura de Sousa Santos Luís Fernando Vitagliano Leonardo Boff Paulo Capel Narvai Paulo Fernandes Silveira Marilia Pacheco Fiorillo Marilena Chauí Ricardo Musse Henri Acselrad Flávio R. Kothe Celso Favaretto Luciano Nascimento Flávio Aguiar Dennis Oliveira Ronaldo Tadeu de Souza Matheus Silveira de Souza Eugênio Bucci Mariarosaria Fabris Annateresa Fabris José Machado Moita Neto Luiz Bernardo Pericás Jorge Branco Ronald Rocha Daniel Costa Alysson Leandro Mascaro Paulo Sérgio Pinheiro Fernando Nogueira da Costa Luiz Eduardo Soares João Adolfo Hansen Jean Marc Von Der Weid Salem Nasser Fábio Konder Comparato Armando Boito Elias Jabbour Francisco Pereira de Farias Eleutério F. S. Prado Leonardo Avritzer Carlos Tautz Remy José Fontana Francisco de Oliveira Barros Júnior Vinício Carrilho Martinez Luiz Marques Daniel Brazil Michael Löwy Valerio Arcary Francisco Fernandes Ladeira Michel Goulart da Silva Osvaldo Coggiola Luiz Renato Martins Vladimir Safatle José Micaelson Lacerda Morais Slavoj Žižek Berenice Bento Renato Dagnino Kátia Gerab Baggio Eduardo Borges Atilio A. Boron João Carlos Loebens Milton Pinheiro Fernão Pessoa Ramos Vanderlei Tenório Bruno Fabricio Alcebino da Silva Ricardo Abramovay Celso Frederico Sandra Bitencourt Otaviano Helene João Lanari Bo André Márcio Neves Soares Luiz Werneck Vianna Lincoln Secco Leonardo Sacramento Airton Paschoa Paulo Nogueira Batista Jr Claudio Katz José Luís Fiori Gabriel Cohn Marcelo Módolo Caio Bugiato Ricardo Fabbrini Leda Maria Paulani Luis Felipe Miguel Ricardo Antunes Ladislau Dowbor Denilson Cordeiro Plínio de Arruda Sampaio Jr. Jean Pierre Chauvin Manchetômetro Afrânio Catani

NOVAS PUBLICAÇÕES