Um plano bem detalhado

Imagem: Vitaly Kushnir
image_pdf

Por FABIO SOBRAL*

A extrema direita não quer a existência política de quaisquer pessoas que se oponham ao seu plano de eliminação das sociedades democráticas

A extrema direita tem um método de ação comum no mundo. Sua construção obedece a um plano bem detalhado. Ela precisa eliminar forças rivais no mesmo espectro político e centrar forças em criar o caos. A tomada do Partido Republicano dos Estados Unidos pelos “libertários” seguiu a mesma sistemática. Temos lições importantes a aprender desta experiência.

Antes de tudo é preciso dizer o que significa esse rótulo de libertários. Um movimento que surgiu contra a entrada de pessoas negras nas escolas americanas em 1956. Seu mentor intelectual foi James McGill Buchanan, autor da famosa “teoria da escolha pública” e homenageado com o prêmio Nobel de economia. Na verdade, não há prêmio Nobel de Economia. O correto é prêmio de economia em homenagem a Alfred Nobel.

O nome de sua principal teoria (escolha pública) poderia fazer crer em algo que ressalte a importância de uma correta escolha dos interesses do público. Mas não é essa a sua intenção. Ele odiava os regimes democráticos. Odiava os direitos civis, o que nós chamamos de direitos humanos. Odiava funcionários públicos que obedeciam aos interesses da maioria de votantes. Tais funcionários poderiam ser governantes, funcionários de carreira ou parlamentares.

Em suma, James McGill Buchanan odiava qualquer traço de participação popular. Para combater tal participação ele cria a Escola de economia da Virgínia, muito mais influente e poderosa do que o movimento neoliberal. Seus tentáculos se espalharam pelas faculdades de economia dos Estados Unidos. Daí passaram a atrair estudantes de pós-graduação do mundo todo. Do Brasil também.

Tais estudantes voltaram para seus países de origem e dirigiram seus próprios programas de pós-graduação. Destes locais atacaram todas as visões divergentes. Expulsaram professores dissonantes. Passaram a ocupar as disciplinas de graduação e a formar militantes em escala quase industrial.

Não era preciso formar os estudantes com pleno conhecimento de seus fundamentos filosóficos, então incentivaram a filosofia da meritocracia, uma forma sutil de dizer que as decisões sobre o destino de um país devem estar nas mãos de especialistas, ou melhor, dos seus especialistas.

Passaram a ocupar cargos públicos na justiça, promotorias e varas judiciais. Nos bancos privados e no Banco Central. Nas assessorias governamentais e parlamentares. Quantos não foram empregados em governos de esquerda sob o manto da eficiência.

Ocuparam as plataformas digitais com algoritmos que selecionam conteúdos favoráveis a eles e os espalham como um incêndio em floresta seca. E algoritmos que escondem e subnotificam os conteúdos desagradáveis aos seus desejos antidemocráticos, racistas e antissociais.

Suas táticas envolvem produzir absurdas declarações vindas de pastores, deputados, influenciadores digitais, artistas, apresentadores de TV e de rádio. Tais declarações disparam agentes que atacam escolas, populações oprimidas (negros, mulheres, LGBTQIA+, religiões minoritárias, pobres, nordestinos, indígenas, entre outros) e pessoas com visões políticas distintas.

Seu plano divide-se em três frentes: (a) ataques brutais com assassinatos, de preferência; (b) ataques aos adversários de direita; e (c) ataques à esquerda, ou a todos os que querem algum mecanismo de redução das desigualdades e de humanização social.

Os ataques brutais querem que os grupos atacados acabem por votar leis que piorem condições de convivência democrática. A instauração de um estado de vigilância que acaba sendo uma armadilha para ser usada mais adiante pela própria extrema direita. Caos em larga escala seguido de militarização da vida.

Os ataques aos adversários de direita vão silenciando paulatinamente as vozes da direita moderada, que acredita em regras e instituições. Mesmo a direita autoritária, mas que não é absolutamente fiel. Temos os casos do abandono de Deltan Dallagnol e do próximo abandono de Sérgio Moro, além dos ataques a Tarcísio de Freitas. A extrema direita não quer a existência política de quaisquer pessoas que se oponham ao seu plano de eliminação das sociedades democráticas. Ela quer cães fiéis e dispostos a tudo.

A esquerda e os que têm qualquer plano de redistribuição de renda e melhorias sociais para alcançar sociedades mais humanas são seus inimigos mortais. Para eliminar tais inimigos a extrema-direita irá preparar mudanças constitucionais, alterar regras, expulsar das universidades e escolas, das mídias, lentamente preparando o caos militarizado, até que a maioria clame por sua “ajuda” para deter o caos e trazer a “ordem”.

Lidamos com o mais perigoso dos inimigos. E ele rasteja lentamente invadindo nossas casas, escolas, universidades, igrejas. Como disse antes, não estamos lutando contra neoliberais que querem privatização de empresas estatais. Lutamos contra um inimigo não compreendido. Um monstro que se esgueira para cortar nossas gargantas em uma longa noite de terror!

*Fabio Sobral é professor do curso de Economia da Universidade Federal do Ceará (UFC).


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
O segundo choque global da China
06 Dec 2025 Por RENILDO SOUZA: Quando a fábrica do mundo também se torna seu laboratório mais avançado, uma nova hierarquia global começa a se desenhar, deixando nações inteiras diante de um futuro colonial repaginado
2
Simulacros de universidade
09 Dec 2025 Por ALIPIO DESOUSA FILHO: A falsa dicotomia que assola o ensino superior: de um lado, a transformação em empresa; de outro, a descolonização que vira culto à ignorância seletiva
3
A guerra da Ucrânia em seu epílogo
11 Dec 2025 Por RICARDO CAVALCANTI-SCHIEL: A arrogância ocidental, que acreditou poder derrotar a Rússia, esbarra agora na realidade geopolítica: a OTAN assiste ao colapso cumulativo da frente ucraniana
4
Uma nova revista marxista
11 Dec 2025 Por MICHAE LÖWY: A “Inprecor” chega ao Brasil como herdeira da Quarta Internacional de Trotsky, trazendo uma voz marxista internacionalista em meio a um cenário de revistas acadêmicas
5
Raymond Williams & educação
10 Dec 2025 Por DÉBORA MAZZA: Comentário sobre o livro recém-lançado de Alexandro Henrique Paixão
6
A riqueza como tempo do bem viver
15 Dec 2025 Por MARCIO POCHMANN: Da acumulação material de Aristóteles e Marx às capacidades humanas de Sen, a riqueza culmina em um novo paradigma: o tempo livre e qualificado para o bem viver, desafio que redireciona o desenvolvimento e a missão do IBGE no século XXI
7
A crise do combate ao trabalho análogo à escravidão
13 Dec 2025 Por CARLOS BAUER: A criação de uma terceira instância política para reverter autuações consolidadas, como nos casos Apaeb, JBS e Santa Colomba, esvazia a "Lista Suja", intimida auditores e abre um perigoso canal de impunidade, ameaçando décadas de avanços em direitos humanos
8
Norbert Elias comentado por Sergio Miceli
14 Dec 2025 Por SÉRGIO MICELI: Republicamos duas resenhas, em homenagem ao sociólogo falecido na última sexta-feira
9
Asad Haider
08 Dec 2025 Por ALEXANDRE LINARES: A militância de Asad Haider estava no gesto que entrelaça a dor do corpo racializado com a análise implacável das estruturas
10
A armadilha da austeridade permanente
10 Dec 2025 Por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS: Enquanto o Brasil se debate nos limites do arcabouço fiscal, a rivalidade sino-americana abre uma janela histórica para a reindustrialização – que não poderemos atravessar sem reformar as amarras da austeridade
11
Ken Loach: o cinema como espelho da devastação neoliberal
12 Dec 2025 Por RICARDO ANTUNES: Se em "Eu, Daniel Blake" a máquina burocrática mata, em "Você Não Estava Aqui" é o algoritmo que destrói a família: eis o retrato implacável do capitalismo contemporâneo
12
A anomalia brasileira
10 Dec 2025 Por VALERIO ARCARY: Entre o samba e a superexploração, a nação mais injusta do mundo segue buscando uma resposta para o seu abismo social — e a chave pode estar nas lutas históricas de sua imensa classe trabalhadora
13
Impactos sociais da pílula anticoncepcional
08 Dec 2025 Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA: A pílula anticoncepcional não foi apenas um medicamento, mas a chave que redefiniu a demografia, a economia e o próprio lugar da mulher na sociedade brasileira
14
Benjamim
13 Dec 2025 Por HOMERO VIZEU ARAÚJO: Comentário sobre o livro de Chico Buarque publicado em 1995
15
Violência de gênero: além do binarismo e das narrativas gastas
14 Dec 2025 Por PAULO GHIRALDELLI: Feminicídio e LGBTfobia não se explicam apenas por “machismo” ou “misoginia”: é preciso compreender como a ideia de normalidade e a metafísica médica alimentam a agressão
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES