A decadência do Império e a segurança internacional

Imagem: Kendall Hoopes
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Por HUGO DIONÍSIO*

Em crise profunda, natural e paulatinamente, a base exploradora vai afastando os obstáculos civilizacionais que separam a ganância do seu objeto

À medida que assistimos ao agravamento das tensões geopolíticas, em especial, nos locais mais ricos em recursos naturais, resultando na ruptura dos canais diplomáticos e na crescente radicalização — pelo menos discursiva — dos oponentes, assistimos, por sua vez, a uma clarificação das posições estratégicas respectivas e da sua direção. Todos os mecanismos que antes pensávamos garantirem a segurança internacional, estão historicamente expirados. A profunda crise da hegemonia anglo-americana decretou a sua obsolescência. Nenhuma paz sobrevive a uma crise profunda de um qualquer sistema, muito menos de um que vive da exclusividade e da prioridade na pilhagem e exploração dos recursos.

Por muito que se produzam relatórios fantásticos sobre o quão competitiva é a economia norte americana, o quão estável e consistente é o dólar e o quão resiliente é a economia sedeada em Wall Street, o facto é que esse relato está longe de encontrar correspondência, onde mais importa: na vida das pessoas, dos trabalhadores, das suas famílias, ou seja, da imensa maioria que tarda em beneficiar de tão monstruosas injeções de democracia. O processo iniciado com a Guerra ao Terror de Bush, continuado por Obama, encontrou epílogo na situação atual. O termo genérico “terrorismo”, cujo combate visava já a contenção de uns e apropriação de outros, evoluiu novamente para um “eixo do mal” concreto. O tempo acabou por nos contar sobre quem os EUA escondiam atrás de tanto “terrorismo”.

A cortina terrorista, ao cair, desvendou os reais objetivos do seu levantamento e a sua ampla e multifacetada natureza instrumental. Hoje, sabemos bem como o termo terrorista condena, sobretudo, os inimigos dos EUA e da sua deriva hegemónica. Os EUA perdem influência económica (e produtiva) de forma continuada, e com ela, esvai-se também o poder político, ainda imenso e alicerçado num exército formal e informal de agentes — cobertos e descobertos — e “influencers” que movem a sua imensa máquina de formatação. À maior máquina organizacional da história começa a faltar a que é a base de sustentação de qualquer existência política: a base económica produtiva real.

No fundo, a base económica sob domínio norte americano já não corresponde ao poder político inversamente desproporcionado que nela se sustenta. A pirâmide está invertida e nem todo o endividamento do mundo a sustentará. A incapacidade crescente, por parte do aparato político, em impedir a corrosão da sua posição relativa, obriga os EUA a um sobrevivente esforço de mitigação, contenção e reversão do seu perecimento e, por último, da falência de toda uma base económica amplamente deficitária, à qual se seguirá, necessariamente, a falência política. E aqui radica a razão fundamental do agravamento das tensões a nível mundial. Em crise profunda, natural e paulatinamente, a base exploradora vai afastando os obstáculos civilizacionais que separam a ganância do seu objeto.

Uma forma de afastar esses obstáculos radica na sua capacidade subversiva. Nomeadamente em derrubar governos legítimos e neles instalar clientes e outros “entreguistas” que asseguram a traição dos seus povos em favor do benefício do império com sede em Wall-Street. O Bangladesh, Indonésia, Geórgia, Sérvia e Venezuela são apenas alguns dos locais, nos quais, não agradando os governantes às grandes corporações que financiam o poder político em Washington, estes se veem acossados pelos exércitos de ONG, Think Thank, média mainstream e redes sociais da Califórnia. Pavel Durov, co-líder do Telegram, havia abandonado a Rússia por considerar que as exigências de controlo de Vladimir Putin eram uma violação da liberdade de expressão. Agora, aprendeu à sua custa que, na França Macronista liberalfascista, não fornecer tais garantias dá prisão! Os direitos que se prendem para se libertar a expressão! E tudo em nome da “independência” da justiça.

Os indicadores da decadência são tão evidentes e profusos que mereceriam, por si só, uma reflexão aprofundada e até crítica. Mas digamos assim: mesmo nos seus próprios termos, segundo os seus conceitos e tendo em conta os seus dados, a realidade narrada não sorri aos EUA e à sua “liderança”. Nem nos seus próprios termos é possível aos EUA esconderem a sua falência progressiva. Os BRICS ultrapassaram o G7 em PIB e o volume de transações económicas que escapam ao controlo de Washington cresce todos os dias, mesmo quando essas transações são realizadas na sua própria moeda. Um exemplo bem evidente da contradição insanável que assola o sistema monetário e financeiro controlado pelos EUA, reside na utilização do dólar pelos próprios “inimigos” de Washington, para estabilizar as suas economias e garantirem a estabilidade das transações e dos respectivos mecanismos.

A Venezuela de Maduro, outra vez a braços com mais um episódio do filme shakespeariano “Ganhar ou não ganhar eleições, eis a questão?”, dolarizou a economia, usando as reservas chinesas em dólares e o petróleo que tem em quantidade como nenhum outro país. A China, estando a fazer de Hong Kong um Hub de transações em cripto moeda, usa o Tether — moeda virtual indexada ao valor do dólar — como mecanismo estabilizador do mercado cripto, garantindo a conversão de dinheiro fiduciário e sem flutuações constantes da Bitcoin, Ethereum ou Solana. O seu valor de capitalização já passou o da Bitcoin, por exemplo. A tão propalada “desdolarização”, afinal até poderá não passar, em parte, pelo menos, de uma “desocidentalização” do dólar e a consequente retirada dos dólares dos bancos controlados por Washington.

É com este pano de fundo que devemos observar a realidade e não no pano cor de rosa, que canta falências inimigas, desafios inultrapassáveis e obstáculos intransponíveis, com o que nos pintam, unanime e disciplinadamente, todos os dias, todos os órgãos “mainstream”. Só assim se percebem as manobras “desesperadas” e aparentemente suicidas que observamos um pouco por todo o lado. De contrário, tendo em conta o pano cor de rosa, acabamos a dizer que Netanyahu é louco, mas democrata, Zelensky é corrupto, mas corajoso, e que todos os outros são bandidos, apesar de muitos não serem corruptos, e ainda menos serem loucos.

Uma vez mais, a solução para a crise das crises, e o consequente extremar das posições, reside na ressuscitação do monstro nazifascista, mas, desta feita, dando-lhe uma roupagem mais abrangente e diversa. Trata-se, contudo, do mesmo monstro que, a cada crise do sistema capitalista, tal como nos anos 20 e 30, na Europa e EUA, após a primeira guerra mundial, surge para resolver à força o que os outros lhe negavam pacificamente: o acesso aos recursos naturais, leia-se, energia barata, matérias primas, alimento e mão de obra. A solução para todas as crises repete-se, uma vez mais. Uns usavam a salvação das almas, outros a salvação das pessoas.

Logo após a revolução russa de 1917, o bloco imperialista ocidental, em peso, tinha intenção de jogar a mão àquela reserva extraordinária de todas estas coisas. Perante a resistência encontrada, uma invasão organizada por 14 potências imperiais e uma guerra civil, cuja força contrarrevolucionária era apoiada pelo ocidente imperial, não foram suficientes para fazer colapsar tal “diabólico” regime. Os povos Russos e Soviéticos não deixaram. Talvez uma espécie de síndroma de Estocolmo, que se viria, curiosamente, a verificar uma e outra vez, até aos nossos dias. Apesar de ainda hoje, segundo acusações dos mesmos, esse povo viver “acossado” por uma “sanguinária ditadura”.

Foi preciso preparar uma guerra e tal fez-se através da diabolização, estigmatização, fratura das relações e semeando o medo e o ódio entre as populações europeias mais incautas. Nada de novo, portanto. A desumanização, fermentada na crise económica, na concentração de riqueza e na indisponibilidade das elites em repartir, com o trabalho, o que antes a partir dele haviam acumulado, deu a Hitler (e todos os “Hitlers” escondidos) a justificação, de que necessitava, quando olhava para a URSS como a cura para os males que assolavam a Alemanha: petróleo e minério em abundância, terras férteis e mão de obra barata.

Não fosse, uma vez mais, a insistente capacidade de combate daquele povo e os EUA, a Inglaterra e o Japão tinham esfregado as mãos de contentes com os negócios vindouros. Uma vez mais, enganaram-se. Uma vez mais goraram-se as suas possibilidades. E, uma vez mais, lá teve a Federação Russa de passar por agressora. Vítima de uma invasão ocidental a cada 70 anos, a Rússia passa de invadida em invasora. Um acordo como Molotov-Ribbentrop, sendo tão só o último de todos os que foram celebrados entre a Alemanha nazi e um país europeu, transformaram a maior vítima da segunda guerra em sua coautora. Uma vitória arrasadora e inesperada — pelo ocidente — sobre o seu recém-criado filho, o nazifascismo, transformaram a URSS numa espécie de 3.º Reich vermelho.

De qualquer forma e como programado pelas elites reacionárias que dominam — e sempre dominaram — os EUA, devido ao jogo nos dois tabuleiros, mesmo que em momentos diferentes, a segunda guerra mundial deixou este país colossal numa posição extremamente invejável, tal como a primeira já havia deixado, resolvendo os danos provocados pelo crash de 1929 e transformando-o numa superpotência, a única. Só por isso, e apenas por isso mesmo, foi possível não assistirmos a uma guerra em larga escala, até hoje, na Europa. Até que essa posição invejável tivesse sido destroçada ou ameaçada e até que se gorassem, definitivamente, as esperanças de domínio político da Rússia, China e Eurásia. Esgotado o triunfo obtido com a queda da URSS e vendo a União Europeia beneficiar da cooperação continental daí resultante, voltamos ao reinício de todo o processo desumanizador, uma vez mais da Rússia, mas, desta feita, também Irã e China são premiados. Afinal, até há bem pouco tempo prevalecia a esperança de domínio político da China e do Irã, que a cada nova estação conta com uma nova tentativa de “revolução colorida”, normalmente a partir dos curdos, que contam com o apoio de… Israel.

A perda da esperança no funcionamento do “soft power” e a urgência da situação, agravada pela recuperação económica russa, da centralidade chinesa e da regionalidade iraniana, fez expirar o “seguro de vida” planetário, que muitos acreditavam estar doutrina do “mutual assured destruction” (destruição mutuamente garantida), herdada da guerra fria. A doutrina do “mutual assured destruction” só funcionou porque os EUA cedo constataram que conseguiriam suplantar a URSS e que ainda não seria dessa que o seu domínio hegemónico seria colocado em xeque. A adesão da URSS a tratados de não proliferação armamentista e à instituição de uma arquitetura de poder internacional que beneficiou Washington, deu esperança e consolidou certezas de vitória. O vencedor poderia dar-se ao luxo de ser magnânimo.

Os EUA apenas temiam a URSS do ponto de vista militar, mas sabiam que o militar não subsiste sem o poder político, que este depende da economia e que, essa capacidade económica relativa, era insuficiente para garantir uma vitória da URSS. Por outro lado, mesmo que tal não faltasse, as economias estavam separadas de facto, segregadas e o pano de fundo em que os EUA atuavam não era um pano negro de crise, mas um pano arco-íris de expansão. Foi esse pano de fundo, esse pano arco-íris, abrangente, abraçado pelo “uniparty” (partido único) que reúne democratas e republicanos, que conteve os mais ferozes falcões. O seu domínio económico, a sua estratégia de acumulação, não estavam ameaçadas de morte. O “soft power” foi, então, suficiente. Enquanto a URSS manteve pujança, o mundo assistiu a grandes crises como a dos mísseis de Cuba. Já no final, os EUA deram-se ao luxo de estabelecer o consenso de Washington e iniciar a era neoliberal.

Hoje a realidade é bem diferente. Sabendo que a China não é ainda o adversário militar que a URSS foi, os EUA sabem, contudo, que esta tem a economia de que necessita para o ser. E sabem que, apesar de toda a propaganda catastrofista, esta é sustentável, estável e duradoura. A ameaça ao seu domínio é simplesmente formidável. Acresce que, para o ser, a China conta com os 75 milhões de milhões de dólares de reservas naturais classificadas da Rússia. As maiores do mundo, e por muito. China, Rússia, Irã e Venezuela têm mais, muito mais, do que EUA, Canadá e Austrália. A UE não conta para esta estatística. Por outro lado, não tendo o potencial económico da China, a Rússia é um adversário militar formidável, com um capital político crescente, passível de ser alimentado — como se vê no caso dos milhares de sanções contra Moscovo — pela economia Chinesa. A economia Chinesa, está para a Rússia, como os seus recursos naturais e capacidade militar estão para a China. Complementam-se mutuamente, até ao ponto da simbiose, se necessário for.

Dominar o mundo, o sistema produtivo e respectivas cadeias de abastecimento, uma vez mais, exige energia barata; o fim do fóssil que fez parte de uma estratégia de contenção da China não funcionou, pois esta não mordeu a isca e nunca deixou de garantir o domínio de recursos dentro e fora de portas. A hegemonia requer mão de obra barata, que a China também tem em quantidade. E requer alimento, muito alimento. Que a Rússia também tem e muito. Para reconquistar a sua hegemonia, os EUA necessitam da Rússia e do Irã, pelo menos. Mais do que nunca. A qualquer custo. Sob pena de derrota! A pressão a que assistimos hoje exercer-se sobre Lula da Silva, nomeadamente na sua traição a Nicolas Maduro, que esteve sempre com ele, mesmo quando as hordas da extrema direita colocaram em causa a sua vitória eleitoral, demonstra a importância que o Brasil tem para os EUA. O Brasil pode muito bem ser para o Washington o que o Egipto era para Roma, uma fonte interminável de alimento, a qual, associada ao circo — e nos EUA o circo dura 365 dias por ano —, garante o apaziguamento das massas.

Mas é por isto tudo estar em causa, que a doutrina do “mutual assured destruction” deixou de nos parecer tão segura. O medo, o pânico, o simples vislumbre da possibilidade de derrota e perda do que designam de “liderança” mundial, equivalente a “domínio político abrangente”, torna ferozes, obstinados e obsessivos os falcões do capitalismo globalista, hegemónico, super federativo. Habituados a mandar, ameaçar, dissuadir, punir, subverter, invadir e aniquilar nações inteiras, baseados em mentiras, e a perpetrá-lo de forma impune, não será a possibilidade da morte em massa que os detém. O que os detém é a garantia de vitória, uma vitória total, inquestionável, eterna e esclarecedora, como a que procuraram e conseguiram com o genocídio de Hiroshima e Nagasaki. Perante a possibilidade da derrota, nada os irá deter. Os EUA, tal como o Império Britânico, não sabem conviver com meios termos, com impasses e lógicas apaziguadoras. A guerra, para eles, é o meio para a paz. O único meio capaz de garantir a vitória esclarecedora que procuram. Nada de meios termos, apenas a vitória certa.

E é por isto que vemos Zelensky mandar bombardear a central nuclear Energodar NPP de Zaporozhye e ameaçar a central de Kursk, pois a sua saúde — literal — depende de arrastar a Rússia para um conflito duradouro e em larga escala. O objetivo, na minha opinião, consiste em levar a Rússia a uma ação desesperada, por exemplo, uma que consista na utilização de uma arma nuclear — táctica ou estratégica — e que, em decorrência, das duas uma: ou os EUA usam o facto para isolar factual e internacionalmente a Rússia e diabolizá-la a um ponto em que o próprio povo russo se vire contra o presidente Putin, ou, em última análise, se tal for necessário, arrastar mesmo a Rússia para um conflito em larga escala, no qual os EUA julgarão, ainda, ter vantagem. Se não julgassem tê-la, não jogariam este perigosíssimo jogo. Podem estar enganados, mas as suas ações são tomadas com as suas próprias convicções.

Outra hipótese consiste na criação de uma provocação, por via dos bombardeamentos de Kiev, originando uma fuga radioativa que afete outros países e, dessa forma, os EUA tenham justificações “plausíveis” para acusarem a Rússia de a ter provocado de propósito, seja porque dizem que foi a própria Rússia a fazê-lo, seja porque dizem que a fuga não é de uma central nuclear, mas de uma bomba suja usada por Moscovo. Dir-me-ão: mas os parceiros da Rússia não cairiam numa coisa destas. Pois, mas o objetivo dos EUA é jogado, também, nos tabuleiros nacionais desses países e com os seus povos, nomeadamente, levando esses mesmos povos a rejeitar governos que não respeitam as regras antinucleares, direitos humanos, convenções anti-genocídio e proliferação nuclear e por aí fora.

As possibilidades são muitas e os EUA já demonstraram jogar com elas todas. Não sejamos ingénuos sobre o porquê de, nos anos 80, existir tão grande consenso “antinuclear”. Nem os EUA estavam desesperados, deixando o campo informativo mais livre, nem tinham paridade nuclear real. Necessitavam de parar a proliferação e desenvolvimento nuclear do lado soviético. O que também dava jeito à URSS, pois resultaria num aliviar dos cofres. Os EUA jogavam, portanto, nos dois tabuleiros: tentavam arrastar a URSS para uma corrida armamentista dispendiosa, mas de uma forma que não constituísse uma ameaça estratégica. Existem registos, do tempo do “democrata Iéltsin” que demonstram a intenção, por parte dos EUA, em fazer a Rússia prescindir das forças navais nucleares estratégicas, mantendo-se apenas a aviação e as forças terrestres. Daí a lógica do “escudo antimíssil” que assentava que nem uma luva. Afinal, o que os EUA consideravam como tremendamente ameaçador eram os submarinos nucleares. E Iéltsin foi-lhes fazendo a vontade.

No caso do Irã, o jogo é parecido. Temos um Netanyahu, gêmeo político de Zelensky, um sionista, outro sionista e nazifascista, ambos patriotas anglo-americanos no seu âmago, cuja saúde política — literal — depende de um conflito duradouro e em larga escala. Também, neste caso, é jogada a cartada nuclear. Bastou Blinken dizer que o Irã está “a uma ou duas semanas” da arma nuclear, e tal tornou-se uma verdade indiscutível gravada na pedra. Referem-se “relatórios confidenciais” da AIEA, que nunca ninguém viu e cujos links conduzem a uma descrição dos acordos nucleares com o próprio Irã, chegando a dizer-se que foi este quem incumpriu os termos do JCPOA.

Num e noutro casos, assume-se que, se os EUA dizem, é porque é verdade. Os EUA dizem que o Irã já quase tem armas nucleares — apesar da Fatwa de Al-Khomeini proibindo o desenvolvimento nuclear militar -, e ninguém duvida; os EUA falam de um acordo confidencial da AIEA, ninguém o conhece, é confidencial, mas de uma agência pública “transparente” e “independente”, e ninguém duvida; os EUA dizem que a Rússia bombardeia a sua própria central nuclear ninguém duvida. Aliás, Grossi, presidente da AIEA faz mais: diz que “está para além da ciência” provar a origem dos ataques à central de Zaporozhye. Chamem já a equipa do CSI, e Putin levará mais um processo do TPI.

Com a China, o jogo também se joga. As notícias que dão como certa a modernização das forças nucleares chinesas, a “duplicação” das ogivas, constituem objetivos a que os EUA “não podem virar a cara”, como disseram na Casa Branca. Mesmo que os EUA tenham 10 vezes mais ogivas do que o número que a China terá, quando duplicar — se duplicar — as que já tem.

Para já, Zelesnky garantiu a impossibilidade de quaisquer negociações de paz nos próximos tempos e nem a visita — qual pagador de promessas — de Modi muda o cenário. Como gémeos siameses, Zelensky e Netanyahu demonstram que a cooperação entre nazis e sionistas não apenas é possível como desejável e que o antissemitismo, que caracterizava os anos 30, se tratou de uma contingência casuística e nunca de uma realidade profundamente contraditória em si. Zelensky prova que o interesse hegemónico dos EUA fecha o acordo entre Sionistas e Nazi-fascistas. À data, os falcões imperiais viam nos bens de judeus uma riqueza a haver; hoje veem nos judeus uma riqueza em si e que já é sua e a dominam como instrumento de ocupação territorial, estabilização monetária e controlo de fontes energéticas e outros recursos naturais.

Um e outro jogam um perigoso jogo, do qual são peças estratégicas. Cabe-lhes criar uma realidade que torne impossível a convivência, ao ponto de o “mutual assured destruction” deixar de ser uma limitação. O vislumbre de um Irã nuclear é um desses casos e tudo justificará. Lembram-se das “armas de destruição em massa”? “Terroristas, loucos” e muçulmanos com acesso a armas nucleares? Assim, depois de toda a islamofobia em preparação no ocidente e capitalizada pelas correntes neofascistas, que declaram os muçulmanos e asiáticos — pobres, apenas os pobres — uma espécie sub-humana, uma praga invasora? Será apenas um pormenor. O terreno está lavrado e bem-preparado.

Alguém acredita ainda em linhas vermelhas?

*Hugo Dionísio é advogado, analista geopolítico, pesquisador do Gabinete de Estudos da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP-IN).

Publicado originalmente em Strategic Culture Fondation.


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