A encíclica ecológica Laudato Si

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por LEONARDO BOFF*

O Papa Francisco propôs uma ecologia integral que abarca o ambiental, o social, o político, o cultural, o cotidiano e o espiritual.

Um cego capta com as mãos ou com seu bastão as coisas mais relevantes que encontra pela frente. Pois assim tentaremos fazer uma leitura de cego acerca da encíclica ecológica do Papa Francisco, Laudato Si: sobre o cuidado da Casa Comum (24/05/2015), cujos cinco anos acabamos de celebrar. Quais são seus pontos relevantes?

Antes de tudo, não se trata de uma encíclica verde que se restringe ao ambiente, predominante nos debates atuais. Propõe uma ecologia integral que abarca o ambiental, o social, o político, o cultural, o cotidiano e o espiritual.

Quer ser uma resposta à generalizada crise ecológica mundial porque “nunca maltratamos e ferimos a nossa Casa Comum, como nos últimos dois séculos” (n. 53); fizemos da Casa Comum “um imenso depósito de lixo (n. 21). Mais ainda: “As previsões catastróficas já não se podem olhar com desprezo e ironia… nosso estilo de vida insustentável só pode desembocar em catástrofes” (n. 161). A exigência é de “uma conversão ecológica global”(n. 5; 216)) que implica “novos estilos de vida”(repete 35 vezes) e “converter o modelo de desenvolvimento global”(n. 194).

Chegamos a esta emergência crítica por causa de nosso exacerbado antropocentrismo, pelo qual o ser humano “se constitui um dominador absoluto” (n. 117) sobre a natureza, desgarrado dela, esquecendo que “tudo está interligado” e por isso ele “não pode se declarar autônomo da realidade” (n. 117; 120). Utilizou a tecnociência como instrumento para forjar “um crescimento infinito, o que supõe a mentira da disponibilidade infinita dos bens do planeta que leva a espremê-lo até ao limite para além dele” (n. 106).

Na parte teórica, a encíclica incorpora um dado da nova cosmologia e da física quântica: que tudo no universo é relação. Como num ritornello insiste que “todos somos interdependentes, tudo está interligado e tudo está relacionado com tudo” (cf. n. 16, 86, 117, 120) o que confere grande coerência ao texto.

Outra categoria que constitui um verdadeiro paradigma é o do cuidado. Este, na verdade, é o verdadeiro título da encíclica. O cuidado – por ser da essência da vida e do ser humano segundo a fábula romana de Higino tão bem explorada por Martin Heidegger no livro Ser e Tempo – é recorrente em todo o texto da encíclica. Vê em São Francisco “o exemplo por excelência do cuidado” (n. 10).“Coração universal…para ele qualquer criatura era uma irmã unida a ele por laços de carinho, sentindo-se chamado a cuidar de tudo o que existe” (n. 11).

É interessante observar que o Papa Francisco une a inteligência intelectual, apoiado nos dados da ciência, à inteligência sensível ou cordial. Devemos ler com emoção os números e relacionarmo-nos com a natureza “com admiração e encanto (n. 11) […] prestar atenção à beleza e amá-la, pois nos ajuda a sair do pragmatismo utilitarista” (n. 215). Importa “ouvir tanto o grito da Terra quanto o grito dos pobres” (n. 49).

Consideremos este texto, carregado de inteligência emocional: “Tudo está relacionado e todos nós, seres humanos, caminhamos juntos, como irmãos e irmãs, numa peregrinação maravilhosa, entrelaçados pelo amor que Deus tem a cada uma de suas criaturas e que nos une também com terna afeição ao irmão Sol, à irmã Lua, ao irmão rio, e à Mãe Terra” (n. 92). Importa “incentivar uma cultura do cuidado que permeie toda a sociedade” (n. 231), pois assim “podemos falar de uma fraternidade universal” (228).

Por fim, é essencial à ecologia integral a espiritualidade. Não se trata de derivá-la de ideias, mas “das motivações que dão origem a uma espiritualidade para alimentar a paixão pelo cuidado do mundo […] Não é possível empenhar-se em coisas grandes, apenas com doutrinas sem uma mística que nos anima, sem uma moção interior que impele, motiva, encoraja e dá sentido à ação pessoal e comunitária” (n. 216). Novamente evoca aqui a espiritualidade cósmica de São Francisco (n. 218).

Concluindo, releva enfatizar que com esta encíclica, ampla e detalhada, o Papa Francisco se coloca como notáveis ecologistas o reconheceram na vanguarda da discussão ecológica mundial. Em muitas entrevistas referiu-se aos riscos que corre nossa Casa Comum. Mas sua mensagem é de esperança: “caminhemos cantando, que as nossas lutas e a nossa preocupação por este planeta, não nos tirem a alegria da esperança” (n. 244).

*Leonardo Boff é ecoteólogo. Autor, entre outros livros, de Francisco de Assis e Francisco de Roma (Mar de Ideias).

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Alexandre de Lima Castro Tranjan Flávio Aguiar Rafael R. Ioris Priscila Figueiredo Jean Marc Von Der Weid Claudio Katz Julian Rodrigues André Singer Plínio de Arruda Sampaio Jr. Gerson Almeida Marjorie C. Marona Dênis de Moraes Ricardo Musse Leonardo Sacramento Eugênio Trivinho Fernando Nogueira da Costa João Paulo Ayub Fonseca Armando Boito Michel Goulart da Silva Tadeu Valadares Anderson Alves Esteves Marcos Silva Salem Nasser Eleutério F. S. Prado Luiz Renato Martins Anselm Jappe Manuel Domingos Neto José Machado Moita Neto Denilson Cordeiro Luiz Marques Walnice Nogueira Galvão Ronald León Núñez Caio Bugiato Bento Prado Jr. Osvaldo Coggiola Luiz Werneck Vianna Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Paulo Capel Narvai Lorenzo Vitral Francisco Pereira de Farias Luis Felipe Miguel Luís Fernando Vitagliano Flávio R. Kothe Fábio Konder Comparato Antônio Sales Rios Neto Jorge Luiz Souto Maior Sergio Amadeu da Silveira Rubens Pinto Lyra Atilio A. Boron Luciano Nascimento Everaldo de Oliveira Andrade Ricardo Antunes Francisco Fernandes Ladeira Thomas Piketty Vanderlei Tenório Andrés del Río Rodrigo de Faria Chico Whitaker Daniel Afonso da Silva Vinício Carrilho Martinez Marcelo Guimarães Lima Marcus Ianoni Francisco de Oliveira Barros Júnior Henry Burnett Tales Ab'Sáber Ronald Rocha Heraldo Campos Dennis Oliveira Fernão Pessoa Ramos Berenice Bento Carlos Tautz Ricardo Abramovay João Adolfo Hansen Chico Alencar Bernardo Ricupero Marcelo Módolo Boaventura de Sousa Santos Yuri Martins-Fontes Mariarosaria Fabris Alexandre de Freitas Barbosa Gilberto Maringoni Ari Marcelo Solon Eugênio Bucci Benicio Viero Schmidt Alexandre Aragão de Albuquerque Ronaldo Tadeu de Souza Henri Acselrad Kátia Gerab Baggio José Costa Júnior Tarso Genro Leonardo Avritzer Antonino Infranca Jean Pierre Chauvin Manchetômetro Paulo Sérgio Pinheiro Bruno Fabricio Alcebino da Silva José Micaelson Lacerda Morais Afrânio Catani Airton Paschoa João Carlos Loebens Eleonora Albano Luiz Eduardo Soares Michael Löwy Luiz Bernardo Pericás Lucas Fiaschetti Estevez Marcos Aurélio da Silva Leda Maria Paulani João Carlos Salles André Márcio Neves Soares Igor Felippe Santos Valerio Arcary Paulo Fernandes Silveira Liszt Vieira João Sette Whitaker Ferreira Luiz Carlos Bresser-Pereira Celso Frederico Lincoln Secco Annateresa Fabris Elias Jabbour Eliziário Andrade Érico Andrade Marilia Pacheco Fiorillo Vladimir Safatle Mário Maestri Alysson Leandro Mascaro Michael Roberts Leonardo Boff Daniel Brazil Otaviano Helene Juarez Guimarães Ladislau Dowbor Celso Favaretto Eduardo Borges José Raimundo Trindade Gilberto Lopes Paulo Nogueira Batista Jr Gabriel Cohn Andrew Korybko Sandra Bitencourt José Luís Fiori José Dirceu Carla Teixeira José Geraldo Couto Milton Pinheiro Bruno Machado Paulo Martins João Feres Júnior Maria Rita Kehl Luiz Roberto Alves Daniel Costa Samuel Kilsztajn Marilena Chauí Slavoj Žižek João Lanari Bo Antonio Martins Ricardo Fabbrini Matheus Silveira de Souza Remy José Fontana Renato Dagnino Jorge Branco

NOVAS PUBLICAÇÕES