10 anos da lei de cotas

Imagem: Leo Zhao
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Por ARI MARCELO SOLON, LUCAS OLIVEIRA MENDITI DO AMARAL & MURILO AMADIO CIPOLLONE*

A luta dos despossuídos pela distribuição das práticas teórica e científica, cujo acesso pretende-se limitar às classes dominantes

Em 2022, a lei 12.711 completou 10 anos. O texto normativo, sancionado em agosto de 2012 pelo parlamento, previa sua revisão para esse exato período, precisamente para o dia 29 de agosto de 2022.[i] Em linhas gerais, a lei, arrancada do Estado a duras penas pela luta da classe trabalhadora – destacadamente de seu movimento negro – determina a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 59 universidades federais e 38 institutos federais a alunos oriundos integralmente do ensino médio público.

Além disso, o parágrafo único do art. 1º dispõe acerca da reserva de 50% destas vagas para “estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo […] per capita”. De grande relevância ainda é o art. 3º da lei, o qual impõe que a reserva dessas vagas seja para “autodeclarados pretos, pardos e indígenas e […] pessoas com deficiência” em medida proporcional à da população PPI (pretos, pardos e indígenas) na unidade federada na qual estiver instalada a instituição.

Cuida-se não menos da tomada, pelos excluídos, de um espaço historicamente a eles negado: o ensino superior. Negado justamente por condensar os instrumentos de organização de um determinado projeto de dominação, conforme demonstraremos. A lei de cotas, desse modo, toma a forma da luta dos despossuídos pela distribuição das práticas teórica e científica, cujo acesso pretende-se limitar às frações das classes dominantes, que as utilizam para seus próprios interesses. Entretanto, como tentaremos fazer notar nessas considerações, justamente pelo fato de ter sido sedimentada pela forma jurídica, essa luta se delimita por horizontes práticos tais que devem ser conhecidos, a fim de que se possa adequá-los aos objetivos últimos do proletariado.  Dito de outro modo, tal luta acaba se conformando ao poder jurídico do capital, sendo necessário, portanto, problematizar seus limites diante da estratégia revolucionária. Em poucas palavras (rigorosas teoricamente), trata-se da luta de classes sobre e em uma determinada parcela de um Aparelho Ideológico de Estado (AIE), o Escolar.

Aparelho ideológico escolar e reprodução das condições de produção

Dizer isso como acabamos de fazer, exige que se dê algum passo atrás. O caminho que o artigo vem tomando revela que se pretende responder a seguinte questão: o que quer a lei de cotas? Para tanto, será necessário compreender tudo que a envolve – destacadamente os grupos classistas de interesses e, mormente, a relação entre eles. Haja vista, portanto, que cuidamos de relações sociais, deve-se começar perguntando, assim como ensinou Louis Althusser, o que é uma sociedade? (Althusser, 1980, p. 23). Antes de mais, porém, pedimos calma, pois, muito embora a pergunta dê a entender que será aberta uma demorada explicação, seremos breves – mas não simplistas – como quer o limite de laudas deste artigo.

Tem-se, assim, disposto o nosso objeto de análise: a lei de cotas – que deve ser compreendida como a forma jurídica acabada da luta entre a classe trabalhadora, que, na sociedade brasileira, é racializada[ii], e as classes dominantes; luta essa que tem por palco e alvo o Aparelho Ideológico de Estado Escolar, responsável pela distribuição da produção teórica e pelas relações filosóficas e ideológicas. Desse modo, compreender todos esses “elementos” implica na resposta da questão já posta.

Sem demora, o filósofo francês nos revela: “que Marx concebe a estrutura de qualquer sociedade como constituída pelos “níveis” ou “instâncias”, articulados por uma determinação específica: a infraestrutura ou base econômica (“unidade” das forças produtivas e das relações de produção), e a superestrutura, que comporta em si mesma dois “níveis” ou “instâncias”: o jurídico-político (o direito e o Estado) e a ideologia (as diferentes ideologias, religiosas, moral, jurídica, política etc.)” (Althusser, 1980, p. 25).

Se isso é verdade, destacamos que a compreensão do que é uma sociedade e suas relações, deriva, em primeiro lugar, de sua materialidade, ou, dito de outra forma, de seu modo de produção, isto é, “uma maneira, uma forma (um modo) de produzir… o quê? Os bens materiais indispensáveis para a existência material dos homens, mulheres e crianças, que vivem em determinada formação social” (Althusser, 1999, p. 45).

Esse conceito implica, claro, na compreensão, por um lado, do que é unidade das forças produtivas – objeto de trabalho, instrumentos de produção e a força de trabalho –, e, por outro, das relações de produção – que, em uma sociedade de classes, são relações de propriedade dos meios de produção (Althusser, 1999, p. 45-57).

O nosso objeto de análise, a lei de cotas, sabe-se, e isso não se pode questionar, repousa sobre o modo de produção capitalista. Nele, na medida em que a burguesia detém a propriedade privada dos meios de produção, as relações de produção são, em verdade, relações de exploração capitalista (Althusser, 1999, p. 52).

Com isso, quer-se dizer que, no processo produtivo, a força de trabalho, composta de trabalhadores assalariados despossuídos dos meios de produção, é utilizada para movimentar esses mesmos meios de produção para que aqueles que os detém, possam acumular (em última instância, enriquecer). Isso, como é notório à ciência marxista, se dá através da produção do mais-valor, que pode ser extraído tão somente da mercadoria força de trabalho – fato tomado como cientificamente demonstrado, precisamente pela seção II do Livro I de O capital.

A partir dessas sumaríssimas considerações, pode-se bem ser capaz de localizar, no seio da sociedade contemporânea, capitalista, os grupos de interesses que envolvem a lei de cotas: por um lado, a classe trabalhadora, que pretende estruturar esse “direito”, e, de outro, frações das classes dominantes, que, da mesma forma, desejam barrá-lo.

Entretanto, com o que até aqui foi disposto, não estamos aptos a compreender o objeto da disputa em questão, qual seja, o acesso ao ensino superior. Para sê-lo, devemos proceder ao segundo nível da estrutura de uma sociedade, tal como concebido por Marx e sistematizado por Louis Althusser.

Partimos da seguinte observação de Althusser: a condição última da produção é a reprodução das condições de produção (Althusser, 1999, p. 71) – seja de forma simples, o que ocasiona a reprodução das mesmas condições ao longo do tempo, ou, preferencialmente, de forma ampliada, o que as estende –, e desse processo se incumbe a superestrutura. Toda essa atividade, isto é, a reprodução das condições de produção, combina a reprodução da força de trabalho e a reprodução das relações de produção existentes. Marx cuidou da reprodução dos meios de produção no Livro II de O capital, e isso não pode nos interessar agora, pois versa unicamente sobre a reprodução das condições materiais da produção, como substituir o que se esgota ou desgasta, matérias-primas etc. Entretanto, a reprodução da força de trabalho é central para o bom entendimento do nosso objeto. Vamos a isso.

Esse movimento é repartido por Althusser, e aqui reside seu grande salto epistemológico (pois lhe permitirá formular o conceito de Aparelhos Ideológicos de Estado). Nesse sentido, há a reprodução material da força de trabalho, para qual se presta o assalariamento, que permite a reposição muscular, cerebral, em suma, física, dos trabalhadores, e a reprodução qualificada da força de trabalho. Pelos termos do francês:

Com efeito, não basta garantir à força de trabalho as condições materiais de sua reprodução para que ela seja reproduzida como força de trabalho. Dissemos que a força de trabalho disponível deveria ser “competente”, isto é, apta a ser utilizada no sistema complexo do processo de produção: nos postos de trabalho e nas formas de cooperação definidas. O desenvolvimento das forças produtivas e o tipo de unidade historicamente constitutivo das forças produtivas em determinado momento produzem o seguinte resultado: a força de trabalho deve ser (diversamente) qualificada. Diversamente: segundo as exigências da divisão social-técnica do trabalho, em seus “postos” e “empregos”. (Althusser, 1999, p. 74).

Por outras palavras, trata-se, nesse segundo momento da reprodução da força de trabalho – da adequação dos corpos, mentes etc. – às necessidades do processo produtivo tal como apresentado por um certo modo de produção em determinado estágio de desenvolvimento. Althusser diz mais: mostra que sob o modo de produção capitalista, essa reprodução qualificada tende a ser garantida, cada vez mais, fora da produção, isto é, através de instâncias e instituições que habitam, como já sabemos, a superestrutura – diferentemente do que acontecia, por exemplo, nos modos de produção escravista e feudal, nos quais esse mesmo processo tende a se dar com a “mão na massa” (Althusser, 1999, p. 75).

Isso, Althusser compreenderá ao observar a Escola – que se universaliza tão somente na sociedade capitalista – e se perguntar: “mas, o que se aprende na Escola?” (Althusser, 1999, p 75). A resposta mais sintética que conseguiu formular não foi outra senão, “alguns ‘savoir-faire’”, isto é, técnicas (leitura-escrita-cálculo) e conhecimentos (elementos da cultura científica e literária, além das boas condutas, que representa a

Conveniência que todo agente da divisão do trabalho deve observar, segundo o posto que lhe é ‘destinado’: regras de moral e consciência profissionais, o que significa dizer, de forma clara, regras de respeito à divisão social-técnica do trabalho e, no final das contas, regras da ordem estabelecida pela ideologia de classe. (Althusser, 1999, p. 75).

Disso, pôde concluir, no curso de seu raciocínio que “[…] a Escola (mas também outras instituições de Estado, como a Igreja; ou outros aparelhos, como as Forças Armadas, cuja frequência, à semelhança da Escola, é gratuita e obrigatória; sem falar dos partidos políticos cuja existência está vinculada à existência do Estado) ensina determinados “savoir-faire”, mas segundo formas que garantem o submetimento à ideologia dominante, ou sua “prática”; aliás, todos os agentes da produção, da exploração e da repressão, sem falar nos “profissionais da ideologia” (Marx), devem ser “impregnados”, de um modo ou de outro, por essa ideologia para cumprirem conscienciosamente (e sem necessidade de um policial individual no seu pé) suas tarefas – seja as de explorados (os proletários), seja as de exploradores (os capitalistas), seja as de auxiliares da exploração (os quadros), seja as de sumos sacerdotes da ideologia dominante, seus “funcionários” etc”.

A reprodução da força de trabalho faz, assim, aparecer como usa condição sine qua non, não só a reprodução de sua “qualificação”, mas também a reprodução de sua sujeição à ideologia dominante, ou da “prática” dessa ideologia. Indiquemos com toda clareza que é necessário dizer: “não só, mas também” porque a reprodução da qualificação da força de trabalho é garantida nas formas e sob as formas do submetimento ideológico. (Althusser, 1999, p. 75).

Até aqui se tem o seguinte: para compreender a sociedade e suas relações, deve-se, inicialmente, compreender seu modo de produção. A partir dele, será possível destacar as relações entre a unidade de suas forças produtivas (que, no limite, nos conduzem às pessoas que produzem nessa sociedade) e as relações de produção (ou seja, relações de propriedade) que no caso pontual do capitalismo, tornam-se relações de exploração. Essa estrutura nos revela a forma pela qual se articulam os grupos explorados e exploradores no processo produtivo, justamente aquilo que forma o esqueleto de uma sociedade. Entretanto, prosseguir na investigação mostra que o fim último desse modo de produção é se reproduzir ao longo do tempo.

Destarte, compreender o operativo que garante essa reprodução é tocar a totalidade do corpo social. O esqueleto ganha sua corporeidade. Ousaríamos dizer que todas as relações sociais se encerram aqui. Althusser, mergulhou nisso. Assim, demostrou a centralidade, no capitalismo, da reprodução da força de trabalho à compreensão de seu funcionamento, e, nesse movimento, destaca-se a “reprodução qualificada” da força de trabalho, que, em uma palavra, é a adesão dela aos ritos do processo produtivo, isto é, aos rituais, práticas, atos cotidianamente realizados de forma automática e consentida por cada trabalhador em todas as esferas de suas vidas.

A fórmula de Althusser estaria já disposta em sua completude, se o francês não tivesse destacado, além disso, o fato primordial de que o submetimento ideológico se processa através da prática de certas instituições que estão fora da produção: cuida-se dos Aparelhos Ideológicos de Estado.

Para demonstrar sua descoberta, Althusser volta-se à tradição marxista do estado, já que este é o cerne da superestrutura e, pois, o âmago das relações à reprodução das condições de produção. Nela, descobre a distinção formal entre Poder de Estado e Aparelho de Estado. De modo sintético, o Poder de Estado opera em função dos objetivos de classe, pautando, assim, uma parcela do projeto de poder da classe hegemônica; nele, não nos deteremos. O Aparelho de Estado, de sua parte, realiza-se por suas funções repressivas, na medida em que organiza o Governo, a Administração, o Exército, a Polícia etc. É essa parcela da superestrutura que interessa ao artigo. Althusser, entretanto, promoveu um desenvolvimento teórico no âmbito da teoria do Estado, o qual veio a se tornar indispensável ao entendimento e à análise das funções da superestrutura. Os limites desse avanço epistemológico são incomensuráveis. Nesse sentido, o filósofo dirá que

Para se avançar na teoria do Estado, é indispensável ter em conta, não só a distinção entre poder de Estado e aparelho de Estado, mas também outra realidade que se situa manifestamente do lado do aparelho de Estado, mas não se confunde com ele. Designaremos esta realidade pelo seu conceito: os aparelhos ideológicos de Estado. (Althusser, 1980, p. 42).

O avanço foi permitido justamente porque, fiel ao método, Althusser perseguiu a tópica. Isto é, fixou-se na compreensão de que a reprodução das condições de produção é o prisma pela qual se deve tecer as observações acerca da superestrutura. Voltou-se ao estado perguntando-se: como suas instituições são capazes de reproduzir as condições de produção? Destarte, tudo aquilo que se constitui como fator de coesão da ordem materialmente determinada, do que se destacada a reprodução da força de trabalho, deve assumir a responsabilidade para com seus motivos materiais de existência. Isso fica expresso na honestidade intelectual de Althusser para com o método. Vejamos.

Qualquer pessoa pode compreender facilmente que esta representação da estrutura de toda a sociedade como um edifício comporta uma base (infraestrutura) sobra a qual se erguem os dois “andares” da superestrutura”, é uma metáfora, muito precisamente uma metáfora espacial: uma tópica. Como todas as metáforas, esta sugere, convida a ver alguma coisa. O quê? Pois bem, precisamos isto: que os andares superiores não poderiam “manter-se” (no ar) sozinhos se não assentassem de facto na sua sabe.

A metáfora do edifício tem portanto como objetivo representar a “determinação em última instância” pelo econômico. (Althusser, 1980, p. 26-27).

Estamos, pois, em um momento em que a teoria marxista do estado ganhou em capacidade analítica e crítica: o grande salto epistemológico dado pelo filósofo francês dentro da tradição marxista da teoria do Estado. Trata-se da análise de instituições que operam também no âmbito do Aparelho de Estado, mesmo que com ele não se confundam, na medida em que não funcionam majoritariamente através da operação da violência: cuida-se dos Aparelhos ideológicos de Estado.

Dessa forma, o Aparelho de Estado deve, doravante, compreender dois corpos, um que represente sua faceta repressiva, e o outro que traduza sua faceta ideológica. Ou seja, além de compreender a dominação da classe hegemônica através da instrumentalização do Poder de Estado e do Aparelho repressivo de Estado – o terror de classe organizado, como define Pachukanis (2017, p. 207) em referência ao direito penal, síntese representativa do monopólio da força –, Althusser demonstrou que a burguesia estabelece seu projeto de poder também através dos Aparelhos ideológicos de Estados; mais que isso, diz que eles desempenham papel central na coesão da sociedade capitalista e de suas relações produtivas tal como hodiernamente dispostas – na medida em que seu principal papel não é outro senão a interpelação ideológica para a conformação dos sujeitos à ideologia dominante, a fim de que possam ocupar seu devido lugar no processo produtivo, o qual constitui as relações de exploração capitalista.

Antes de mais, devemos proceder à necessária qualificação dos Aparelhos ideológicos de Estado. Por esses termos, destacamos que há três elementos constituintes indispensáveis à sua compreensão; são eles: (i) a pluralidade de AIE’s; o que designa o fato de não haver centralização em suas atuações, de modo que possam operar de forma autônoma e ao mesmo tempo complementar, constituindo diversas “instituições” da sociedade, como normalmente são referidos pelas teorias não marxistas,; (ii) o pertencimento, de forma majoritária, ao domínio privado; desse modo, são exemplos de AIE’s: “as Igrejas, os Partidos, os sindicatos, as famílias, algumas escolas, a maioria dos jornais, as empresas culturais, etc., etc…” (Althusser, 1980, p. 45); e, finalmente, (iii) o fato de funcionarem substancialmente pela ideologia, de forma diversa do Aparelho repressivo, que opera fundamentalmente através da violência. Este último item mencionado constitui o aspecto nuclear dos AIE’s; ou seja, cuida-se do fato capaz de dar unidade a diversidade dos entes que compõe seus quadros. Além disso, reitera-se: os AIE’s possuem uma operação ideológica tal que, dentro do âmbito em que atuam, promovem – na esteira da lógica de conformação da superestrutura –, a partir das relações sociais que constituem, a continuidade das relações de produção.

Por outras palavras, os Aparelhos ideológicos de Estado possuem determinados elementos da ideologia dominante, que também pode ser tomada como ideologia de estado, que se realizam e existem mesmo no próprio Aparelho e, sobretudo, em suas práticas. Tais elementos, ao interpelarem os sujeitos, forjam subjetividades “adaptadas” e que até mesmo perseguem a sociabilidade capitalista. Em um discurso palatável, é o contato dos sujeitos (você e eu) com as práticas desses Aparelhos que nos coloca no rumo almejado pelas relações de exploração capitalista. Revela-se, portanto, o local e o modo de operação da reprodução qualificada da força de trabalho.

Retomando a tradição marxista do estado, Althusser vê-se forçado a lembrar que toda luta política de classes gira, e assim sempre o fez, em torno da forma-estado. Ou seja, que a luta de classes objetiva tomar o Poder de Estado para pôr fim à dominação de classe que nele se alicia. Para tal, sabe-se desde Lênin em seu O Estado e a revolução,[iii] que se faz necessário tomar o Aparelho de Estado, no que se incluem seus Aparelhos ideológicos, os quais são, ao fim e ao cabo, “a realização, a existência de formações ideológicas que os dominam” (Althusser, 1999, p. 45). Assim, toda classe dominante, deve fazer com que sua ideologia envolva os AIE’s para que operem em conformidade com seu projeto de dominação. No caso do modo de produção capitalista, para que os sujeitos sejam interpelados de forma tal que se reproduza e estenda a subsunção do trabalho ao capital.

Torna-se indispensável, desse modo, a observação de que “os Aparelhos Ideológicos de Estado podem ser não só o alvo, mas também o local da luta de classes e por vezes de formas renhidas da luta de classes” (Althusser, 1980, p. 49). Ou seja, a disputa pela produção da ideologia é basilar às determinações pragmáticas da luta de classes e de suas perspectivas revolucionárias.[iv] Isso em vista da tradição althusseriana da definição de ideologia, a qual deve ser materialmente constituída, e designa a forma pela qual os seres-humanos enxergam e experimentam suas relações sociais, no sentido de constituir, a partir disso, a consciência de si e de sua perspectiva de mundo. Tais elementos possuem o potencial de fortalecer ou, no sentido contrário, de enfraquecer, a classe trabalhadora enquanto sujeito do processo revolucionário; daí a importância da disputa nos e dos Aparelhos Ideológicos de Estado.

Se tudo isso é verdade, o que nos resta agora é voltarmo-nos ao nosso objeto de análise, o que faremos no próximo tópico: o Aparelho Ideológico de Estado Escolar – não todo ele, já que constitui um sistema, mas uma parcela dele: o ensino superior.

Ensino superior: instância do aparelho ideológico escolar

Antes de mais, devemos ter em vista que o ensino superior, diferentemente do ensino primário e, em alguma medida, do secundário sempre foi de difícil acesso a membros da classe trabalhadora. Isso porque, o que ali se produz em termos de conhecimento não diz respeito à alocação dos operários nas linhas de produção, mas apenas a trabalhadores que precisam de um destacado conhecimento técnico do processo produtivo (engenheiros, agrônomos, arquitetos etc.), aos “quadros” do capital, a aqueles responsáveis pela operação da circulação de mercadorias (juristas, matemáticos, químicos etc.) ou, ainda, a aqueles que devem “saber dar ordens” ou “enrolar” os operários (Althusser, 1999, p. 76). Por isso, nele não se pretendeu jamais fazer necessária a entrada de indivíduos pertencentes à classe trabalhadora, que no Brasil – e em vários outros países do Terceiro Mundo –, é racializada.

Entretanto, em outro texto seu, Louis Althusser trata didaticamente da prática científica e da prática ideológica, as quais, em última instância, compõe aquilo que importa do ensino superior, parcela do AIE Escolar. Na primeira, diz, mobiliza-se uma força de trabalho definida (inteligência do pesquisador) e instrumentos de produção (teoria etc.) para trabalhar a matéria-prima dada a fim de produzir conhecimentos precisos. Assim, a produção do conhecimento científico constitui uma gama de relações sociais, já que é uma parcela da produção. Ato contínuo, demonstra que nessas relações, a prática de produção teórica não é a única a atuar. Dessa forma, sobre a produção científica, também repousam as relações filosóficas e ideológicas, as quais desempenham um papel preciso de fronteira: o que a ciência conhece e o que ela procura, portanto, fatores de constituição de sua teoria.

Disso, após um longo e elaborado percurso, poderá se destacar que da prática científica e, sobretudo, da produção teórica, justamente por nelas incidirem relações filosóficas e ideológicas, há luta, e, em última medida, luta de classes[v].

Em síntese, tudo isso para observar que as universidades são o espaço da luta de classes, pois, além de se estruturarem rigorosamente como um Aparelho Ideológico de Estado, no qual se processa os ritos do modo de produção, há nela, forçosamente, espaço privilegiado à produção de práticas teóricas, filosóficas e ideológicas. E onde elas repousam, lá há de estar a luta.

A classe trabalhadora, portanto, tem o dever de dispor dos meios necessários para ocupar os Aparelhos Ideológicos de Estado e, de dentro e através deles, estabelecer práticas ideológicas contrárias à ideologia dominante, de tal modo a buscar enfraquecê-la, resistindo assim aos mecanismos que ensejam a subsunção “consensual”, como quer Althusser, do trabalho ao capital.

No nosso caso de análise pontual, há algo a mais, já aqui adiantado. Isso porque, de dentro da universidade é que se poderá dispor dos instrumentos de trabalho necessários à produção de teoria revolucionária. Nesse sentido, não é preciosismo lembrar que, Lênin em seu O que fazer? – vigorosamente autorizado por Althusser em Por Marx (2015, p. 135-140) destaca que “sem teoria revolucionária, não pode haver movimento revolucionário” (2020, p. 39). Se isso é verdade, há, para além do exposto no parágrafo anterior, outro imperativo à ocupação das instituições de ensino superior pela classe trabalhadora. É unicamente a sua prática ideológica – se, e somente se, constituída enquanto prática ideológica classista – que pode tomar de assalto esse espaço aliciado pelas classes dominantes, com vistas a ter a sua disposição o necessário à produção de teoria para o movimento revolucionário.

Antes da consideração final desta primeira parte, deve-se plasmar, no ensejo de reiterar a necessidade de disputa do Aparelho Ideológico de Estado Escolar, a distinção feita por Althusser entre ideologia primária – aquela constituída por elementos determinados da ideologia dominante que se realizam e existem em determinado Aparelho e em suas práticas – e ideologia secundária, a qual é produzida no âmago desse Aparelho por suas práticas. Note-se que “as ideologias secundárias são produzidas por uma conjunção de causas complexas nas quais figuram, ao lado da prática em questão, o efeito de outras ideologias exteriores, de práticas exteriores” (1999, p. 110). Em suma, é verificada a possibilidade de fazer com que os AIE’s, através da luta de classes, possuam uma prática que desautorize a ideologia dominante.

Isso posto, temos destrinchado o objeto da luta que aparece representado pela promulgação da lei de cotas. Lembremos que se trata da forma jurídica emprestada a luta da classe trabalhadora que tem por reivindicação o acesso a esse Aparelho Ideológico de Estado específico. Adiantamos que a forma na qual essa luta acabou sendo encerrada possui estreitos horizontes que, pela conjuntura, são o objeto de debate deste artigo. Antes de concluir, porém, devemos fazer uma brevíssima consideração.

Em nossa análise, dois legítimos motivos podem ser apontados como o móvel dessa luta específica da classe trabalhadora. O primeiro, imediato e não classista, reside no fato de que o indivíduo que acessa o ensino superior, muito provavelmente, aguarda por uma melhora de suas condições materiais de vida, haja vista o fato de que, possivelmente, ocupará um espaço privilegiado do processo produtivo – não mais como operário, mas como um “quadro” do capital ou, no mínimo, com uma melhor e mais estável posição na escala de assalariamento. E não é, de modo algum, descabido, querer conforto e paz. Por outro lado, parece-nos que a luta pelo acesso às universidades também se dá, aqui já em uma circunscrição classista e revolucionária, justamente pelo desejo de disputar as práticas desse Aparelho Ideológico de Estado e, até mesmo, para se acessar o adequado instrumental à produção de teoria revolucionária – justamente o cerne da disputa do AIE Escolar.

Essas especulações, entretanto, possuem pouco valor científico. O que a história nos permite observar não é mais do que a forma pela qual se revestiu a luta pelo acesso ao ensino superior. Isso, absolutamente, estamos a expor à crítica – e com isso queremos enfocar a adequação das possibilidades da lei de cotas aos objetivos revolucionários indicados que devem incidir sobre os AIE em questão.

O que ora se pretende, pois, é descrever em suscintas – mesmo que carregadas – linhas o que hodiernamente é tomado como fenômeno jurídico, que espaço a lei de cotas aí ocupa e, sobretudo, como ela deve ser encarada e operada para sustentar o processo da luta proletária dentro das universidades.

Forma jurídica: sujeito de direito e ideologia jurídica

Observamos de passagem que a lei de cotas não é mais do que uma forma emprestada, e acabada, à luta de classes em torno do AIE-Escolar. Trata-se, não mais, de um modo de escrever a história, tal como almejado por aqueles que têm se dado melhor nessas relações de força e poder. É, precisamente, a forma jurídica que vem nos relatando o que se passa no duro chão da luta de classes. Por si, essa forma mesmo há de, ao final desse artigo, nos contar quem tem se dado melhor em torno da disputa pela produção ideológica no ensino superior – mas, há, também, de nos contar algumas perspectivas de ação para a transformação radical. Justamente por isso que a pretensão dessa entrada é bastante clara: queremos apenas fazer notar que o direito e a ideologia jurídica operam como formas da reprodução das relações de produção capitalistas.

Para tanto, é necessários voltarmos algumas casas e compreender o direito como uma forma histórica[vi]. Nesse sentido, o instrumental epistemológico estabelecido por Evgeny Pachukanis nos é indispensável.

Pachukanis (2017), a partir do método marxiano, o materialismo histórico-dialético, demonstrou a absoluta congruência entre a forma jurídica e as relações de troca. Em síntese, pode-se afirmar que a gênese da forma do direito se encontra nas relações de troca. Por isso, Naves (2000, p. 55) diz que “[…] da mesma forma que a sociedade capitalista se apresenta como uma “imensa acumulação de mercadorias”, ela também se constitui como uma “cadeia ininterrupta de relações jurídicas”.

Uma vez que, na sociedade capitalista, os sujeitos proprietários estabelecem relações mútuas de trocas de equivalentes (as mercadorias), para que isso se dê, é necessário que – mais do que haver um equivalente geral que planifique o valor do trabalho enquanto trabalho abstrato – que as trocas se realizem mediante uma operação jurídica que reconheça o acordo de vontades equivalentes (porque compactuado por sujeitos livres). Assim, a forma jurídica é o imprescindível parâmetro da equivalência sem a qual não há trocas mercantis em escala industrial.

Nesse sentido, o aspecto central que constitui a forma jurídica como modo de representação dos interesses da classe dominante é, justamente, a constituição dos indivíduos enquanto “sujeitos de direito”, livres, iguais e proprietários. A forma jurídica operacionaliza a compra e venda da força de trabalho, aspecto basilar e fundante do modo de produção capitalista, conforme nos revela Marx. Acerca da análise marxiana, Celso Naoto Kashiura Jr. (2017, p. 93-94):

Marx aponta, de fato, a estreita conexão entre a equivalência mercantil e a equivalência subjetiva jurídica: o processo de troca exige sujeitos de direito que se reconhecem como portadores de uma qualidade idêntica, de vontades equivalentes, como proprietários de mercadorias. É o que se pode verificar no texto de O capital, na célebre passagem que abre o capítulo II, do livro I, em que Marx alerta que as mercadorias não podem ir por si mesmas ao mercado e, portanto, temos de voltar atenção aos guardiões das mercadorias, ou nos últimos trechos do capítulo IV do mesmo livro, em que Marx se refere à circulação mercantil como éden dos direitos do homem, em contraposição ao costume da produção.

Portanto, se a mercadoria é a forma social idêntica dos produtos do trabalho que são trocados, tal como diz Marx, o sujeito de direito é a forma social do guardião da mercadoria que voluntariamente assegura a troca. Pachukanis (2017, p. 141-142), nesse sentido:

Assim como a multiplicidade natural das qualidades úteis do produto é na mercadoria apenas um simples invólucro do valor, e os aspectos concretos do trabalho humano dissolvem-se em trabalho humano abstrato, como criador do valor, de modo semelhante, a multiplicidade concreta das relações do homem para com a coisa surge como vontade abstrata do proprietário, e todas as particularidades concretas que diferem um representante do gênero Homo sapiens de outro dissolvem-se na abstração do homem em geral, como sujeito jurídico.

A absoluta separação entre trabalhadores e os meios de produção – que vem a existir no capitalismo e dele é sua mais destacada impressão – garante que aqueles, para sobreviverem, alienem sua própria força de trabalho. Assim, compradores de força de trabalho, os capitalistas, e vendedores de força de trabalho, os proletários, encontram-se no mercado para concretizar a relação de exploração, a qual será escamoteada, ao mesmo tempo, pelas formas do direito, sua ideologia e pela forma-salário. Portanto, ao qualificar os indivíduos enquanto livres, iguais e proprietários – de si mesmos ou de outras mercadorias –, “sujeitos de direito”, a forma jurídica oculta a exploração que ocorre no processo de compra e venda da força de trabalho, mercadoria fundante do capitalismo, já que apenas ela é capaz de produzir valor.

Acerca disso, Marcus Orione (2017, p. 144) pontua que: “A transição do trabalho concreto para o trabalho abstrato correspondeu à necessidade de uma figura, o sujeito de direito, que deveria ser livre, igual e proprietário (de sua força de trabalho, único meio de produção que restou como propriedade do trabalhador). Portanto, a figura do sujeito de direito é fundamental, para que se possa completar o processo de abstração do trabalho. Não é sem razão que a norma jurídica é constituída de elementos como a generalidade, a impessoalidade e a abstração (é válida de forma igual para todos, sem distinção, além de não ser concebida para um caso concreto). A liberdade e a igualdade, na realidade, são os elementos indispensáveis, no capitalismo, para que a propriedade se realize”.

Destarte, na medida em que serve como equivalente geral dos valores, por meio (i) da uniformização do valor-trabalho e da operação jurídica “contrato”, a qual assegura o reconhecimento das vontades equivalentes, e, mais que isso, (ii) da funcionalização da compra e venda da força de trabalho, a forma jurídica cumpre o papel de operar a sociedade capitalista em suas duas correlatas formas indispensáveis, quais sejam, a troca mercantil e a exploração da força de trabalho.

Márcio Bilharinho Naves (2014, p. 68-69) revela que a forma sujeito de direito se constitui apenas com a subsunção real do trabalho ao capital, ou seja, com a constituição do modo de produção capitalista. Com a expropriação do trabalhador direto, estão dadas, destarte, as condições materiais para o advento de uma equivalência subjetiva realmente abstrata. Vejamos: “O direito é um modo de organização da subjetividade humana que a torna capaz de expressão de vontade, com o que é possível a instauração de um circuito de trocas no qual a própria subjetividade adquire uma natureza mercantil sem com isso perder a sua autonomia”.

Mas é somente nas condições de existência de um modo de produção especificamente capitalista que o indivíduo pode se apresentar desprovido de quaisquer atributos particulares e qualidades próprias que o distingam de outros homens; ele se apresente como pura abstração, como pura condensação de capacidade volitiva indiferenciada. […] Podemos chamar a isso de equivalência subjetiva real, justamente por ela se realizar concretamente, praticamente, inscrita materialmente na prática de atos de troca que a capacidade volitiva autoriza ao homem realizar na condição de sujeito, ou seja, a igualdade se transforma em uma realidade objetiva, observa Marx.

Em seu Crítica ao Programa de Gotha, Marx (2012, p. 31) não se furta de observar o igual direito, que opera o trabalho humano desigual como trabalho social abstrato. Ao descrever a sociedade na qual há trocas mercantis em produção industrial, dispõe que “uma quantidade igual de trabalho em uma forma é trocada por uma quantidade igual de trabalho em outra forma”; ou seja, a troca de mercadorias em escala capitalista exige que haja a equiparação dos trabalhos, os quais, no mercado, se revestirão da forma mercadoria, a qual, de sua parte, encontrará um valor equivalente a ela. Tal é funcionalizado pela forma jurídica, que cumpre o papel de equalização, nos termos do relatado. Ato contínuo, destaca que o igual direito é, por isso mesmo, marcado por uma “limitação burguesa”, haja vista o fato de se tratar de um “igual direito [que] é direito desigual para trabalho desigual”; isso pois: “o direito, por sua natureza, só pode consistir na aplicação de um padrão igual de medida; mas os indivíduos desiguais (e eles não seriam indivíduos diferentes se não fosse desiguais) só podem ser medidos segundo um padrão igual de medida quando observados do mesmo ponto de vista, quando tomados apenas por um aspecto determinado, por exemplo, quando, no caso em questão, são considerados apenas como trabalhadores e neles não se vê nada além disso, todos os outros aspectos são desconsiderados”.

Temos, portanto, demonstrado que a forma jurídica sedimenta as formas das relações de produção sob o capitalismo, tornando, assim, eficaz a dominação da burguesia. Historicamente, nesse sentido, é apenas com o advento da economia industrial que os interesses da classe dominante passaram a ser tutelados pela forma jurídica, haja vista que no feudalismo e no regime escravocrata a dominação política e a exploração econômica se davam de forma imediata pela classe dominante, não havendo necessidade de fetichização de suas formas. Isso é imprescindível para a compreensão do direito, já que sua função se realiza apenas com sua materialidade. A esse respeito, Thévenin (2010, p. 57): “A lógica jurídica é, portanto, uma lógica que deve poder se materializar, se exercitar. Significa mostrar igualmente que o funcionamento do direito e, portanto, das categorias jurídicas só se define por sua função: a reprodução das relações de produção, o que exige, ao mesmo tempo, um papel de mistificação […] e de coerção”.

Se tudo isso é verdade, podemos concluir que as abstrações político-jurídicas cumprem a função de sedimentar as relações de produção; e, além disso, que o processo de circulação de mercadorias é necessariamente composto por aquelas abstrações surgidas da prática social, da produção e da circulação, os quais dimensionam e funcionalizam a dominação da burguesia.

As palavras de Flávio Roberto Batista (2013, p. 149) dizem-no de uma melhor forma: “O direito se localiza nesse contexto como parte daquelas abstrações criadas na prática social para permitir a adequada operação das relações de produção dominantes no modo de produção capitalista. A circulação de mercadorias cria aquelas abstrações mais fundamentais para o funcionamento social, ligadas ao próprio núcleo de organização das relações de produção, como as noções mesmas de mercadoria e troca, e todas aquelas que as circundam, como o valor de troca”.

Disposto o necessário acerca do direito e seus compromissos para com o modo de produção capitalista, estamos aptos a proceder à análise da lei de cotas, técnica que operacionaliza no real a forma jurídica.

Particularidade teórica da lei de cotas

Como bem vimos, o todo social pode ser representado por um edifício que tem uma base econômica sobre a qual se erguem dois andares da superestrutura: o ideológico e o jurídico-político. Portanto, as relações de produção capitalistas são os alicerces desse edifício. No entanto, o direito tem uma capacidade específica de permear e ser permeado por todos os andares desse edifício. Explicamos: o direito regula – não em última instância, é verdade – as relações econômicas, políticas, ideológicas etc., porém, deixa-se ser penetrado por interesses econômicos, políticos, ideológicos etc. O direito é, então, um andar específico do edifício social que se espraia por todos os andares como colunas, dando-lhes uma forma tal que condiga com a base, mas a presença conformadora em todos os níveis não o torna imune de receber as influências de cada andar.

O sistema jurídico, para tanto, opera a partir de sua abstração fundamental, a forma sujeito de direito – abstração essa que sobrepõem igualdade e liberdade jurídica às desigualdades e dominações reais entre os indivíduos (Kashiura Jr., 2009, p. 177) –, e é justamente ela que nos serve à continuidade dessas notas. Isso porque, se trata de uma abstração que passa por todo o edifício social, conformando as desigualdades reais a uma igualdade jurídica abstrata, mas real. Ou seja, a igualdade jurídica pode tolerar existência de discriminações e preconceitos, desde que não firam o mote central de sua razão de ser: permitir a dinâmica de troca de mercadorias, incluindo-se a própria força de trabalho.

Kashiura Jr. (2009, p. 178) explica-o com maestria: “O que importa é que os agentes econômicos, os que produzem e os que consomem, apresentem-se desembaraçados de dependências pessoais e de dominação direta apenas no que é estritamente necessário à manutenção da forma de relação de troca de mercadorias. Tudo aquilo que não fere a viabilidade da troca é admissível”.

Em uma palavra, o capitalismo – contraditório como é – exige a coexistência entre a igualdade jurídica e as desigualdades materiais. Coexistência, aqui, no sentido mais preciso do termo, de que nenhuma deve se sobrepor a outra, devem, destarte, viver em harmonia: a primeira pode se estender para cobrir as segundas; e as últimas podem ser reduzidas para que caibam na primeira (Kashiura Jr., 2009, p. 193).

Recorre-se, novamente, à metáfora do edifício: o direito são as colunas, que mantém as desigualdades materiais pela igualdade jurídica formal; contudo, as desigualdades materiais – quando atingem um ponto tal que colocam em risco a livre dinâmica da troca – podem provocar um “reforço” das colunas da igualdade jurídica. À vista disso, apenas quando as desigualdades concretas colocam em risco o circuito de trocas assentado na igualdade, na equivalência jurídica, é que essas discriminações passam a ser “remediadas” pelo direito.

Seguindo o magistério de Kashiura Jr. (2009, p. 194), no capitalismo pós-fordista essas descriminações são cada vez mais inaceitáveis, não por um avanço moral ou ético, mas pela determinação da base. Modernamente, os avanços tecnológicos potencializaram uma contradição do capitalismo: os avanços tecnológicos propiciam uma exclusão significativa da força de trabalho das práticas de produção, ao mesmo tempo, esses mesmos avanços demandam um grande contingente de consumidores para concretizar-se o mais-valor. Ora, a exclusão do trabalho gera desigualdades materiais visíveis e profundas, enquanto a radicalização do consumo necessita da igualdade entre os sujeitos, para que possam – reconhecendo-se como iguais – trocar mercadorias. As desigualdades concretas são, contraditoriamente, exponenciadas e menos toleráveis.

Flávio Roberto Batista (2013, p. 240-241) é capaz de sintetizar a ideia em termos teoricamente mais precisos. Batista afirma que quando o salário médio não é mais capaz de promover o sustento do trabalhador e de sua família – leia-se: quando a mercadoria força de trabalho, a mais importante para a reprodução da sociabilidade capitalista – passa a ser vendida difusamente por um preço muito inferior ao seu valor, o risco de perturbar a lógica da equivalência da troca mercantil é tamanho que pode pôr em xeque todo o modo de produção, assim, a manutenção da igualdade jurídica é essencial para a manutenção das trocas mercantis. Aos “direitos sociais privados” cabe, justamente, reestabelecer a equivalência que se perde quando a diferença entre valor e o preço da mercadoria força de trabalho se distanciam profundamente.

Discriminar o consumo pela cor da pele torna-se inaceitável. A igualdade jurídica, portanto, precisa ser imposta. Isso pode explicar como em um passado recente, em um Brasil que em 1888 abolira a escravização, a situação do negro não mudou significativamente: os ex-escravizados eram, a partir de então, iguais juridicamente aos seus antigos senhores, em suma, eles podiam, agora, vender sua força de trabalho “livremente”, mas o preconceito racial permanece.

Florestan Fernandes (2013, p. 105-108) explica: “Pode-se afirmar que, desde o último quartel do século XIX até hoje, as grandes transformações histórico-sociais não produziram os mesmos proventos para todos os setores da população. De fato, o conjunto de transformações que deu origem à “revolução burguesa”, fomentando a universalização, a consolidação e a expansão da ordem social competitiva, apenas beneficiou, coletivamente, os segmentos brancos da população. Tudo se passou, historicamente, como se existissem dois mundos humanos contínuos, mas estanques e com destinos opostos. O mundo dos brancos foi profundamente alterado pelo surto econômico e pelo desenvolvimento social, ligados à produção e à exportação do café, no início, e à urbanização acelerada e à industrialização, em seguida. O mundo dos negros ficou praticamente à margem desses processos socioeconômicos, como se ele estivesse dentro dos muros da cidade, mas não participasse coletivamente de sua vida econômica, social e política. Portanto, a desagregação e a extinção do regime servil não significou, de imediato e a curto prazo, modificação das posições relativas dos estoques raciais em presença na estrutura social da comunidade. O sistema de castas foi abolido legalmente. […] Daí resulta que a desigualdade racial manteve-se inalterável, nos termos da ordem racial inerente à organização social desaparecida legalmente, e que o padrão assimétrico de relação racial tradicionalista (que conferia ao “branco” supremacia quase total e compelia o “negro” à obediência e à submissão) encontrou condições materiais e morais para se preservar em bloco”.

O domínio não era mais direto, assim, a discriminação racial não exercia um papel essencial ao modo de produção, mas ela persistiu, pois, mesmo não sendo fundamental, tão pouco consistia em qualquer ameaça à dinâmica de troca. Ela era tolerável sobre a perspectiva da base e, portanto, a igualdade jurídica não se impunha sobre as desigualdades reais.

Com o avanço do capitalismo, a igualdade jurídica é imposta à força sobre a discriminação racial, fazendo uso, até mesmo, do Aparelho (repressivo) de Estado, na medida em que determina o racismo como crime inafiançável e imprescritível punível com até 5 anos de reclusão. No entanto, essa igualdade jurídica racial imposta pela força não toca as desigualdades estruturantes do modo de produção capitalista, ou seja, jamais corrige-se a desigualdade diante do capital (Kashiura Jr., 2009, p. 197).

Entretanto, o direito não se limitou a pôr em marcha o aparato penal para lidar com as discriminações; ele foi além e sacrificou, aparentemente, a própria igualdade jurídica por meio de “discriminações positivas”: “As ações afirmativas são, portanto, a institucionalização de discriminações ‘ao contrário’, que buscam promover a equalização por meio do favorecimento àqueles que, num certo contexto, são entendidos como desfavoráveis pela discriminação, isto é, são estabelecidos benefícios jurídicos explícitos com vistas a recompor a igualdade entre discriminados e não-discriminados” (Kashiura Jr., 2009, p. 199).

Chegamos, finalmente, à política de cotas, que nada mais é do que uma das mais bem-sucedidas dessas “discriminações positivas”. Como as demais ações afirmativas, a política de cotas se aproxima mais das causas do preconceito racial do que as medidas penais; contudo, mesmo assim, ela não é capaz de abolir o motor da discriminação racial, isto é, a estrutura social capitalista que segrega entre explorados e exploradores e opera sem dificuldades com a lei de cotas vigendo: “O que se conquista é a mobilidade social ocasional, ou seja, a possibilidade de que o negro venha ocupar posições sociais antes ocupadas por brancos, mas a própria separação em posições sociais díspares persiste” (Kashiura Jr., 2009, p. 201).

A lei de cotas opera uma lógica que, à primeira vista, se mostra simples. Ora, trata-se tão somente de uma discriminação positiva em que um sujeito de direito não é mais considerado como igual para que – com esse mecanismo – possa igualar suas possibilidades de acesso à universidade. A tecnicidade simples desse mecanismo esconde, para o jurista desatento, a complexidade teórica desse “desigualar”: a desigualdade surge, tão somente, para garantir a igualdade jurídica. Flávio Batista (2013, p. 258), nesse rumo, elucida que qualquer direito social, por mais que pareça o contrário, não é capaz de romper com a forma jurídica, pois em cada direito é possível ver sua função diretamente atrelado ao modo de produção capitalista. Em seus termos: “Os direitos sociais não podem ser direitos anticapitalista – ou qualquer expressão semelhante que se pretenda adotar – pois não são capazes de romper a formar jurídica do sujeito de direito cuja assunção de direitos e obrigações jurídicas está submetida ao princípio da equivalência derivado da troca mercantil; incapacidade essa que não é autônoma ou decorrente de uma insuficiência técnico-jurídica, mas referente à percepção de que é possível identificar, em cada direito social, o papel desempenhado na estrutura econômica de reprodução do valor, isto é, no modo de produção capitalista”.

É verdade que a lei de cotas desafia a igualdade jurídica, mas esse desafio não ultrapassa os limites da forma jurídica, ela continua obedecendo e se submetendo à lógica da equivalência de troca mercantil. Celso Kashiura Jr. explica que a lei de cotas rompe com a igualdade jurídica apenas para recompor a igualdade jurídica: ela não impõe à força, como o aparato punitivo, a igualdade, ela não condena a desigualação, ela apenas desiguala para igualar. O risco à igualdade jurídica – a forma jurídica como um todo – é tamanho que o direito busca relativizar essa igualdade para conservá-la: “A radicalização da desigualdade exigiu uma medida extrema: ao direito incumbiu não apenas reconhecer a desigualdade como único meio viável de atingir a igualdade. Promover a desigualdade implica aceitar o risco de recair no privilégio” (Kashiura Jr., 2009, pp. 201-202).

Isso explica por que os teóricos do direito tradicional se recusam a aceitar a lei de cotas: ela não desconsidera as características individuais de cada indivíduo em uma competição, ao contrário, determina favorecimentos em razão de particularidades pessoais, como a cor da pele; ela quase que transborda os limites da forma jurídica (KASHIURA JR., 2009, p. 203). Essa desigualação só é tolerada, em verdade, parcialmente pela forma jurídica, pois remediar as desigualdades sociais visíveis se mostra fundamental para garantir a perpetuação das desigualdades “invisíveis” do capitalismo, qual seja: a segregação entre explorados e exploradores, conquistada pela “livre” compra e venda da força de trabalho. É preciso que a lógica da equivalência da forma jurídica permaneça crível, permaneça vigente, para que a desigualdade social estrutural possa cumprir sua função de reprodução do valor, ou seja, reproduzir o próprio modo de produção. Manter, então, a forma jurídica é tão imprescindível que [se] tolera até mesmo afastá-la parcialmente, para assegurá-la estruturalmente, leia-se: para que cada um possa se ver como livre para alienar sua força de trabalho e igual para deixar-se comprar.

Acontece que esse afastamento, ainda que parcial, da igualdade jurídica implica um enfraquecimento da forma jurídica, ao passo em que a desigualação para a manter a igualdade jurídica formal e a desigualdade material estrutural revela que pelo direito não se constrói igualdade. Qualquer aparente igualação jurídica, mesmo que opere pela desigulação entre desiguais para construir uma suposta igualdade, perece quando se constata que existe apenas para garantir a desigualdade material estrutural necessária ao modo de produção capitalista.

Em suma, a lei de cotas opera pela forma jurídica, trazendo, necessariamente a desigualdade intrínseca ao capitalismo, mesmo que, aparentemente, sirva de mecanismo de igualação. Lutar por esse direito é essencial não por sua capacidade própria de garantir a igualdade pela desigualdade, pois está não existe; mas pelo conteúdo que a lei de cotas traz à baila quando se deixa de lado da análise, por um breve momento, a forma jurídica: ela possibilita o acesso de uma parcela [de indivíduos isolados], da classe trabalhadora à parte importante do AIE Escolar.

No que importa, portanto, temos que a lei de cotas faz, a todo momento, referência, a partir de sua tecnologia mesmo, à forma jurídica e, nesse sentido, à interpelação dos indivíduos (você e eu) como sujeitos de direito, pedra de toque do processo de circulação de mercadorias. Portanto, em si mesma, a lei de cotas deve ser tida como parte integrante daquelas mais fundamentais abstrações criadas pela prática à reprodução das condições de produção capitalista. Em absoluto, portanto, reivindicá-la como instrumento da luta de classes pode, em última instância, ser bastante infértil.

Entretanto, por se equilibrar nas contradições do modo de produção capitalista, a lei de cotas abre uma brecha, ou melhor, uma larga passagem, à luta da classe trabalhadora sobre e em uma parcela dos Aparelhos Ideológicos de Estado. Isso porque, ela autoriza a entrada de membros – sempre nessa desajeitada condição individual – da classe trabalhadora a um Aparelho (AIE-Escolar) que, em sua prática mesmo (ideologia secundária, conforme destacamos), sempre foi orientado tão somente pela presença de membros das classes dominantes. E é justamente por isso que a lei de cotas nos interessa, e deve por nós ser protegida, sem jamais perder de vista seus limites, que são mesmo da forma jurídica como um todo.

Por fim, reiteramos: o acesso do proletariado a esse Aparelho Ideológico de Estado – já atravessado, como todos, pela luta de classe – deve fazer a relação de forças se desequilibrar em prol dos trabalhadores, que, pelas suas práticas mesmo, ou seja, corporalidade, ação classista, discursos etc., há de erodir a ideologia dominante.

Considerações finais

De fato, em sendo a forma jurídica uma abstração necessária do e ao capital, o que sua manifestação revela é a forma encerrada da luta de classes, tal como contada pela e para a classe dominante.

“A história – nos diz Althusser (2022, p. 214) – tal como comumente concebida, é a história dos resultados como as etapas do devir da forma do presente, é a história dos resultados retidos pela história: não é a história dos não resultados […]”. Com isso, o Althusser quer nos dizer que a “outra história, aquela das sombras e dos mortos”, isto é, do que construíram, fizeram e pelo que lutaram as massas exploradas, oprimidas, não se revela nas aparências: deve, portanto, ser revivida.

A luta da classe trabalhadora – em sua melhor faceta, isto é, classista e revolucionária – não pode, pois, ser contada, ao menos no capitalismo, senão pelo direito, que buscará, em última instância, reproduzir as condições de produção, e, assim, aniquilar a disputa em questão. A forma jurídica como derradeira trincheira das relações de propriedade.

Quisemos fazer aqui um pequeníssimo esforço: reviver o lado mau dessa história. Em outras palavras, mostrar que a luta da classe trabalhadora sobre o AIE Escolar, é – ao menos deve ser – uma luta que quer desarmar a ideologia dominante, e, para tanto, quer tocar o cerne de seu sistema nervoso. O lado bom, tal como vem sendo escrito, revela-se como uma desapaixonada luta por direitos, que, sequer, podem ser, em verdade, implementados. Asséptico mesmo em sua forma. Combatemo-lo – já que a fissura, larga, está, desde já, aberta.

Uma palavra final. O bom leitor sabe que esse nosso esforço não é por acaso. Foi Marx quem “deu vida a toda uma história recalcada”, um “devir sem resultado” (Althusser, 2022, p. 214), ao escrever em seu A Miséria da Filosofia, que é sempre pelo lado mau que a história avança. Singelo esforço de continuar o que não pode ser parado.

*Ari Marcelo Solon é professor da Faculdade de Direito da USP. Autor, entre outros, livros, de Caminhos da filosofia e da ciência do direito: conexão alemã no devir da justiça (Prismas).

*Murilo Amadio Cipollone é graduando em direito na USP.

*Lucas Oliveira Menditi do Amaral é graduando em direito na USP.

Referências


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ALTHUSSER, L. 1999. Sobre a reprodução. Petrópolis: Vozes.

ALTHUSSER, L. 2015. Por Marx. Campinas: Editora da Unicamp.

ALTHUSSER, L. 2019. Iniciação à filosofia para os não filósofos. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes.

BATISTA, F. R. 2013. Crítica da tecnologia dos direitos sociais. São Paulo: Dobra.

FERNANDES, F. 2013. O negro no mundo dos brancos. 1ª ed. São Paulo: Global.

GONZÁLES, L. Por um feminismo afro-latino-americano. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.

KASHIURA Jr., C. N. 2009. Crítica da igualdade jurídica: contribuição ao pensamento jurídico marxista. São Paulo: Quartier Latin.

KASHIURA Jr., C. N. 2017. A PEDRA FUNDAMENTAL – considerações sobre a crítica do direito de Evgeni Pachukanis. Em F. R. Batista, & G. S. Scheffer, Revolução Russa, Estado e Direito (pp. 85-114). São Paulo: Dobradura Editorial.

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MARX, K. 2012. Crítica do Programa de Gotha. São Paulo: Boitempo, 2012

NAVES, M. B. 2014. A questão do direito em Marx. São Paulo: Outras Expressões; Dobra Universitária.

NAVES, M. B. 2020. Marxismo e direito: um estudo sobre Pachukanis. São Paulo: Editora Boitempo.

ORIONE, M. 2017. A legalização da classe operária – uma leitura a partir do recorte da luta de classes. Em Direito do Trabalho: releituras, resistência (pp. 141-154). São Paulo: LTR.

PACHUKANIS, E. 2017. A teoria geral do direito e o marxismo e ensaios escolhidos (1921-1929). São Paulo: Sundermann.

THÉVENIN, N.-É. 2010. Ideologia jurídica e ideologia burguesa. Em M. B. Naves, Presença de Althusser (pp. 53-76). Campinas: Unicamp.

Notas


[i] Mesmo já decorrido o prazo, a revisão da lei de cotas está tramitando em urgência na Câmara dos Deputados. Entretanto, a oposição do governo, especialmente parlamentares de esquerda, pretende votar a proposta só ano que vem, temendo a possibilidade de algum retrocesso durante a votação na legislatura atual. Apesar da previsão de reavaliação da política de cotas já estar vencida, não há qualquer mudança jurídica se isso não for feito até o fim do ano. A comissão de juristas criada na Câmara em 2020 para propor melhorias na legislação de combate ao racismo pontuou a necessidade de prorrogar a lei de quotas, entregando o relatório em novembro de 2021. Como há projetos já protocolados e prontos para votação, eles não serão arquivados ao fim da legislatura. Cabe ressaltar que esses projetos são variados, marcados por retrocessos, como o do Deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), que proíbe a “discriminação positiva para o ingresso nas instituições de ensino com base em cor, raça ou origem”, e projetos mais progressistas, como o da Deputada Maria do Rosário (PT-RS), que visam prorrogar a política de cotas.

[ii] A esse respeito, ver: GONZÁLES, L. Por um feminismo afro-latino-americano. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.

[iii] Inicialmente, diz que “se o Estado é o produto do caráter inconciliável das contradições de classe, se ele é uma força que está acima da sociedade e “cada vez mais se aliena da sociedade”, então é evidente que a emancipação da classe oprimida é impossível não só sem uma revolução violenta, mas também sem o extermínio daquele aparelho de poder de Estado que foi criado pela classe dominante e no qual está encarnada nessa “alienação”. Adiante no texto, sugere que “o ‘poder repressor específico’ da burguesia contra o proletariado, de um punhado de ricos contra milhões de trabalhadores, deve ser substituído por um ‘poder repressor específico’ do proletariado contra a burguesia (a ditadura do proletariado)”. (Lênin, 2017, p. 29)

[iv] Isso fica claro ao constatarmos que no curso de sua ascensão ao Poder de Estado, a burguesia empreendeu (e continua a fazê-lo) a luta de classes dentro e sobre os AIE’s – tanto contra a ideologia da classe dominante que depôs, quanto contra a ideologia da classe que subjuga. Vejamos. “Ela [a burguesia] só conseguiu conquistá-los [os AIE’s] (pois existiam antes e serviam à antiga classe dominante; por exemplo, a Igreja, a escola, a família, a medicina etc.) e só pôde lançar-lhes a bases no decorrer e à custa de uma luta de classes muito longa e muito dura. Portanto, sua existência nada tem do simples resultado de uma decisão, correspondente a um plano preconcebido, perfeitamente consciente de seus objetivos. É o resultado de uma longa luta de classes, por meio da qual a nova classe se constitui como classe dominante, se apossa do poder de Estado e depois, instalada no poder, empenha-se em conquistas os aparelhos ideológicos de Estado existentes, remanejá-los e lançar as bases dos novos aparelhos de que necessita”. (Althusser, 2019, p. 154). [Grifos no original]

[v] “Como percebemos, quando em um lugar coexistem tanto a filosofia como a ideologia, nele há luta, e não uma luta arbitrária, mas uma luta necessária, ligada, em última instância, à luta de classes. E, se há luta, há forçosamente um partido que serve aos interesses da ciência e outro que os explora em favor da ideologia dominante. Portanto, a ciência não é neutra, visto que, em sua própria intimidade, prossegue esse combate em favor ou contra valores para os quais ela serve de ponto de apoio ou álibi”. (Althusser, 2019, p. 146).

[vi] A esse respeito, Naves (2000, p. 40): “O critério que orienta a démarche de Pachukanis é a possibilidade de a teoria ser capaz de analisar a forma jurídica como forma histórica, permitindo compreender o direito como fenômeno real. Pachukanis introduz, por essa via, no campo da análise do direito, o princípio metodológico desenvolvido por Karl Marx na Introdução à crítica da economia política […]”.

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