A eleição francesa

Imagem: Anna Tarazevich
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Por DANIEL AFONSO DA SILVA*

O que era uma simples derrota no 9 de junho, quando da dissolução do legislativo francês, agora, começa a se afirmar como uma curiosa tragédia francesa

A clarificação ensejada pelo presidente Emmanuel Macron ao dissolver o legislativo francês no dia 9 de junho veio à luz com o resultado das eleições neste domingo, 07 de julho. A mensagem que era previsível, doravante, ficou inequívoca: a sociedade francesa está extraordinariamente dividida, fragmentada e fraturada e – se isso não bastasse – o regime político, entronizado e praticado pela Quinta República Francesa desde 1958, está à beira da falésia, às vésperas da morte cerebral e bem perto da queda final.

Uma vista panorâmica do resultado do domingo indica que, das 577 cadeiras disponíveis no parlamento francês, a Nova Frente Popular (NFP), liderada por Jean-Luc Mélenchon e pelo seu partido A França Insubmissa (LFI), aquinhoou 182. A Maioria Presidencial (MP), aglutinada no grupo Juntos (Ensemble), liderado por Emmanuel Macron e pelo seu partido Renascimento, conseguiu 168. A Reunião Nacional (RN), de Marine Le Pen de braço com parcelas de Os Republicanos (LR) de Éric Ciotti, conseguiu 143. O grupo dos Republicanos que permaneceu gaullista levou 46. Enquanto a variedade independente à direita conseguiu 14, a à esquerda, 13, a ao centro, 6. Ao passo que o partido dos regionalistas levou 4 e outras agremiações nanicas unidas, 1.

Muitos números. Belos números. Mas frágeis conclusões.

A vitória do agrupamento de Jean-Luc Mélenchon causou, por claro, muito espanto. Ninguém sinceramente aguardava a sua chegada em primeira colocação. Mas, junto ao espanto, esse escore impressionante também gerou alívio. Todas as predicações indicavam uma maioria absoluta ou relativa ao círculo de Marine Le Pen. E isso era tudo que o poder estabelecido e a opinião pública não desejavam. E, foi justamente por isso que, após uma consistente operação de barragem da ascensão e do êxito do RN, reconheceram-se vencedores. Deu certo: não deu RN, venceu o NFP e as cartas ficaram baralhadas.

As cartas ficaram baralhadas porque, quando se olha o resultado em seu detalhe, o entusiasmo de todos precisa esmaecer. Nota-se com clareza que os agrupamentos que chegaram em primeira e segunda colocações – o NFP de Mélenchon e a Maioria Presidencial de Macron – uniram-se em propósito simplesmente para bloquear a vitória do RN de Marine Le Pen. Mas, intrinsecamente, não passam de um amontoado de intenções contraditórias, forjadas por intenções desunidas, não raramente arrivistas e sem condições morais, programáticas e espirituais para condução o país.

Por tudo isso que, diante da euforia, um sábio ministro francês afirmou: “ninguém ganhou”.

Ninguém ganhou porque o grupo do presidente, sim, deixou de ter maioria relativa, mas, ao mesmo tempo, evidenciou que os franceses seguem inseguros quanto a ofertar o destino do país ao círculo do RN e tornaram tudo clarificado: nem Macron nem Le Pen. Os franceses não aturam o atual presidente, mas não estão seguros de querer de imediato Marine Le Pen.

É preciso lembrar que Marine Le Pen chegou ao segundo turno das presidenciais francesas de 2017 e 2022 contra Emmanuel Macron. Também vale considerar que, às vésperas das eleições europeias de 2024, o candidato do RN, Jordan Bardella, enfatizou que, em caso de vitória do RN para Bruxelas, o presidente Macron deveria dissolver o legislativo francês.

O que veio depois todos sabem.

O RN conseguiu 32% do sufrágio para representar os franceses em Bruxelas. Desse modo, tão logo publicado esse resultado, o presidente Macron decidiu seguir a reprimenda de Jordan Bardella e dissolver o legislativo francês.

Ou seja, sob pressão da ascensão do RN no exterior, o presidente Macron quis forjar uma clarificação da situação nos intramuros do país.

Veio, assim, a campanha para o legislativo. O RN seguiu favorito. Os seus candidatos se posicionaram em variadas circunscrições. Marine Le Pen multiplicou os seus deslocamentos e aparições. Jordan Bardella também. Como resultado, repetiram e garantiram a superioridade das eleições europeias no primeiro turno das eleições legislativas nacionais. Em decorrência, Marine Le Pen e Jordan Bardella começaram a demandar a destituição do primeiro-ministro e do governo do presidente Macron e fizeram a campanha para o segundo turno das legislativas assentados no propósito de assumir o governo da França.

Os dias que separaram o 30 de junho do 07 de julho – datas, respectivamente, do primeiro e do segundo turnos – foram de tormento e tormentas.

Praticamente todas as personalidades políticas francesas, europeias e mundiais de relevo lançaram manifestações favoráveis e contrárias à decisão do presidente Macron e às aventuras do RN.

Restringindo-se apenas a alguns tenores franceses, o presidente François Hollande tornou-se, ele próprio, candidato do Partido Socialista (PS) para ajudar a barrar a ascensão do RN. O presidente Nicolas Sarkozy mandou recados de muitas formas e em muitos lugares acentuando o seu integral descontentamento com a extemporaneidade da decisão do presidente Macron. Dominique de Villepin, primeiro-ministro, chanceler e chefe de gabinete do presidente Jacques Chirac, considerou a dissolução uma decisão que beirou à “irresponsabilidade”. Lionel Jospin, também primeiro-ministro sob a presidência Jacques Chirac, disse algo similar, mas com mais discrição.

Anne Sinclair, eminente observadora da cena política francesa, afirmou se tratar de uma decisão simplesmente “imperdoável”. Alain Minc e Jacques Attali ficaram perplexos, mas reconheceram que o desespero vem de muitos anos. Já era crônico e, agora, já parecia um mal-estar estrutural.

Veio o grande dia: o 07/07. O RN, ao fim das contas, não conseguiu maioria absoluta nem relativa. Mas a pressão sobre a presidência Macron ganhou força desde o lado diametralmente oposto ao RN. Desde o lado de Jean-Luc Mélenchon.

Jean-Luc Mélenchon foi barrado no primeiro turno das duas últimas eleições presidenciais. Mas, diante da parca participação popular nelas duas, em 2017 e 2022, ele se indicou como primeiro-ministro. E, desde então, considera-se um primeiro-ministro natural para o soerguimento da França. Mas, agora, tão logo descobriu o resultado das eleições no domingo, aportando o seu grupo em primeira colocação, ele não se fez de rogado e voltou a exigir, agora como muito mais ênfase, um lugar no palácio de Matignon. Muitos consideraram uma demanda, agora, legítima e consequente. Outros também observaram como apenas natural para o líder do agrupamento que reuniu mais cadeiras legislativas.

Mas, observando-se com mais frieza, o agrupamento de Jean-Luc Mélenchon não obteve maioria absoluta e, talvez, nem a relativa. As suas 182 cadeiras conquistadas figuram tecnicamente empatadas com as 168 da Maioria Presidencial e com as 143 do RN. Basta-se olhar com mais calma para ver. E, ao se ver, vai-se perceber que esse resultado lança a situação política francesa ao desconhecido.

Isso porque é a primeira vez que um presidente da República figura tecnicamente empatado com dois oponentes extremos. No caso, o RN e NFP. E sem maioria nem minoria parlamentar.

Esse empate técnico tem um, sim, um lado positivo para o presidente Macron. Diante dele, enquanto presidente, ele não deve nem precisa acelerar a escolha de um novo primeiro-ministro tampouco precisa nem deve se sentir obrigado a convocar de imediato o líder da coalizão vencedora – no caso, Jean-Luc Mélenchon – ao posto de primeiro-ministro.

Tanto é assim que, na segunda-feira, 08 de julho, após o escrutínio, ele recusou o pedido de demissão de seu primeiro-ministro Gabriel Attal e sugeriu que ele, Gabriel Attal, continue na função e mantenha o conjunto de ministros em atuação. Afinal, os Jogos Olímpicos na França estão logo ali.

Mas essa tese do empate técnico, embora consequente e eloquente, vista com mais cuidado, é extraordinariamente frágil. E todos sabem. Pois, goste-se ou não, caso a análise leve em consideração partidos isolados e, portanto, dissociados de agrupamentos, o RN de Marine Le Pen foi o partido inequivocamente vencedor do pleito.

Veja-se, o RN sozinho conquistou 125 cadeiras ao passo que o segundo colocado, o agrupamento Ensemble – e não simplesmente o partido Renascimento – do presidente Macron ficou com 99.

Todas as lideranças políticas na França sabem que decompondo-se o resultado desse modo tudo fica ainda mais complexo. E, justamente por isso, todas as personalidades de alto relevo por lá seguem extremamente discretas após a abertura das urnas no domingo.

Seguindo-se na decomposição por partidos, note-se que, de fato, o LFI de Jean-Luc Mélenchou conseguiu apenas 78 cadeiras, o Partido Comunista Francês (PCF), 8, os Ecologistas (LE), 28, o PS, 69, os partidos esquerdistas diversos, 10, os partidos centristas diversos, 5, o Movimento Democrático (Modem) de François Bayrou, 33, Ensemble – reunindo Renascimento e outros aliados do presidente Macron – 99, o Horizontes do antigo primeiro-ministro Édouard Phillipe da presidência Macron, 26, a União Democrática e Independente, 3, o LR do antigo presidente Nicolas Sarkozy, 39, partidos direitistas diversos, 26, a união LR-RN – aliança entre Éric Ciotti e Marine Le Pen –, 17, o RN de Marine Le Pen, 125, o partido de extrema direita, à direita do RN, 1, e o partido regionalista, 9.

Tudo, visto assim, vai mais nítido. Mas se essa nitidez ainda não convencer, veja-se que, em série histórica, o RN parece ser o único partido com ascensão constante, consistente e acelerada na ampliação de sua representação parlamentar nos últimos vinte e cinco anos.

Como demonstração, vale acentuar que enquanto a Frente Nacional (FN), originariamente de Jean-Marie Le Pen, o, agora, RN não conseguiu nenhuma cadeira parlamentar em 2002 nem em 2007. Entretanto, chegou a duas em 2012, nove em 2017, 89 em 2022 e às 125 – ou, em aliança, 143 – agora. Trata-se de um avanço simplesmente impressionante.

Em termos de comparação, o conjunto dos partidos ancorados no agrupamento Ensemble teve 29 parlamentares em 2002, três em 2007, quatro em 2012, 350 após a primeira eleição do presidente Macron em 2017, 249 após a segunda em 2022, e desceu para 156 – ou 168 – cadeiras agora.

Quanto ao agrupamento à esquerda de Jean-Luc Mélenchon – que também envolve, a contragosto de todos, frações do PS – a representatividade parlamentar variou de 162 em 2002 para 205 em 2007, 307 após a eleição do presidente François Hollande em 2012 para 58 em 2017, 131 em 2022 e 178 – ou 182 – agora.

Não precisa memorizar esses números para se realizar a complexidade estrutural da situação.

A agenda do RN parece ser a única com adesão constante e sem perdas. Foi, claramente, também por isso que o presidente Macron chegou à decisão tão drástica de dissolver o legislativo francês. A vitória do RN nas eleições europeias, nesse ínterim, apenas edulcorou a decisão pela “clarificação”. Com essa “clarificação”, o presidente francês queria saber se era isso mesmo que os franceses desejavam: o RN no poder. E, agora, olhando friamente os dados, a resposta foi um talvez bem perto de um sim.

Os franceses claramente ainda hesitam. Mas hesitam menos que em 2017 e 2022. Tanto que vieram às urnas em massa no segundo turno de domingo. Mas, agora, depois do voto, resta a confusão, o desolamento e a apreensão.

Terminei o meu artigo “A curiosa derrota francesa”, publicado no site A Terra é Redonda, no último 26 de junho, antecipando esse desolamento, apreensão e confusão e sugerindo a necessidade de uma reflexão mais profunda sobre o lugar do RN na paisagem política francesa. Nesse sentido, as minhas impressões da época – após a dissolução e antes do primeiro turno – sugeriam duas ponderações iniciais:

(a) Ou bem os aplicadores da Constituição francesa estão, desde sempre, equivocados ao permitir a naturalização desse partido nitidamente extremista como participante legítimo da fauna e da flora da política francesa. (b) Ou bem toda a opinião pública francesa está franca e fortemente equivocada e alimentando ilusões ao seguir demonizando um partido que só faz crescer no gosto popular nos últimos trinta ou quarenta anos.

Considerei que esse dilema precisava ser enfrentado. E também aludi que a decisão do presidente Macron era parte desse enfrentamento. Mas, agora, depois do resultado das urnas, questões secundárias tornaram-se urgentes e merecem novas considerações.

Para tanto, de início, reconheça-se que, sim: o presidente Macron dissolveu o legislativo francês para contrastar a ascensão do RN. Mas, contrário às aparências, não foi isso que aconteceu. O RN, enquanto partido, virou majoritário no parlamento francês.

Na noite do domingo e na manhã da segunda a opinião pública francesa e mundial, diante da euforia, ainda custava a reconhecer. Mas, desde a soirée da segunda, a percepção começou a mudar. Os observadores mais agudos passaram a reconhecer que, sim, “ninguém ganhou”. Mas, talvez, todos perderam. E perderam em dimensão moral, vez que, o resultado das urnas acelerou a entropia da Quinta República Francesa e tende a antecipar o seu fim.

Do contrário, veja-se.

A Quinta República Francesa foi inaugurada em 1958 para superar a extraordinária instabilidade política da Quarta República Francesa. A Quarta República Francesa, que vigorou de 1946 a 1958, foi constituída sob os traumatismos da Guerra, da ocupação e de Vichy. E, também por isso, teve imensas dificuldades na reunião de recursos humanos coesos para a recomposição de alguma normalidade política. Por essa razão, os presidentes Vicent Auriol e René Coty foram obrigados a conviver com 24 governos constituídos por mais de uma dúzia de primeiros-ministros, em sua maioria, impostos por pressão de legislativos desconexos.

O general De Gaulle foi, então, convocado para solucionar essa ruidosa situação. A manutenção do colonialismo francês na África era, com certeza, uma questão nuclear. Mas o manque de compleição moral dos agentes políticos consistia num handicap até maior.

À época e depois, poder-se-ia condenar o general por variados pecados. Menos por esse da ausência de estatura e compleição moral.

Entre os franceses – mas não só –, duas ou três gerações ainda entoavam os tópicos principais do notável Apelo do 18 de junho de 1940. Praticamente todos sabiam de cor aquelas perguntas nucleares

Mais le dernier mot est-il dit?” [a última palavra já foi dita?].
L’espérance doit-elle disparaître?” [a esperança está condenada a desaparecer?].
La défaite est-elle définitive?” [a derrota é definitiva?].

Outras tantas gerações – mais que lembrar – sentiam e viviam cada emoção contida naquele inesquecível

 “Paris outragé!” [Paris ultrajada!].
Paris brisé!” [Paris quebrada!].
Paris martyrisé!” [Paris martirizada!].
Mais Paris libéré.” [Mas Paris liberada].

O general da France Libre e o general da liberação era reconhecido como uma figura providencial. Uma providência tangida por autoridade e compleição moral emaranhadas ao povo.

Ciente disso, quando convocado a retornar ao poder, o general desenhou a nova Constituição – em vigência até hoje – tangida nesse espírito autoridade, moralidade e respeito ao desígnio popular. Um espírito que, ao fim das contas, passou a conferir ao presidente da República – desde que legitimado pelo povo – poderes quase absolutos para a manutenção do regime.

Daí o caráter extremamente vertical do regime semipresidencial/ semiparlamentar francês. Uma verticalidade que vincula, em ordem, o presidente, o primeiro-ministro e a Assembleia Nacional. O executivo, nesse modelo, passou, então, a ser proeminente diante do legislativo. Tanto que virou prerrogativa presidencial a dissolução do legislativo sempre que necessário. E, em caso de derrota após a consulta popular, deveria restar ao presidente simplesmente partir.

Foi agindo assim que o general dissolveu o legislativo francês em 1962 e em 1968 em busca de maioria parlamentar para justificar a sua ação executiva. Como, na sequência, o seu grupo ganhou, ele ficou. Mas, em 1969, ele voltou a consultar o povo, agora, via referendum, e perdeu e partiu. Eis o senso de autoridade e moralidade da Quinta República. Perder e partir.

O presidente George Pompidou nem o presidente Valery Giscard d’Estaing – que sucederam imediatamente general – não precisaram lançar mão da dissolução nem de referendum de confirmação.

Mas o presidente François Mitterrand dissolveu o legislativo duas vezes – uma em 1981 e outra em 1988 – para conseguir maioria. Nessas duas ocasiões, em 1981 e 1988, ele vinha de vencer as eleições presidenciais e, ao mesmo tempo, encontrar um parlamento composto por forças majoritárias de oposição. Restava-lhe, então, confirmar a sua malhar popular no legislativo.

Em outro diapasão, o seu partido perdeu maioria parlamentar nas eleições 1986 e de 1993. E ele, em lugar de seguir o exemplo do general, preferiu permanecer no poder e criar um curioso arranjo chamado coabitação, convocando o líder da oposição majoritária no legislativo para o posto de primeiro-ministro. Com essa manobra – até hoje pouco sinceramente compreendida pelos franceses –, como todos sabem, parcelas importantes da dimensão moral da Quinta República começaram a ruir.

Mas para piorar veio a desastrosa dissolução do legislativo em 1997. Nessa ocasião, o presidente Jacques Chirac dissolveu a Assembleia com o intuito de aumentar as suas margens, mas acabou perdendo o pouco espaço que tinha e viu-se obrigado a construir uma coabitação com o PS liderado por Lionel Jospin pelos longos anos de 1997 a 2022.

Mesmo que controversas e maculadoras do espírito da Quinta República, essas três ocasiões de coabitação decorreram de uma nítida composição ancorada em um partido de oposição ao presidente com nítida coesão e maioria no parlamento.

Voltando, assim, no tempo, o Reagrupamento pela República (RPR) de Jacques Chirac era castiçamente coeso e foi majoritário nos escrutínios de 1986 e 1993.  Da mesma forma, o PS de Lionel Jospin – mesmo sem François Mitterrand, morto em 1996 – seguia relativamente ideologicamente coerente em 1997 e levou a maior parte das cadeiras.

O que se sucede agora, em 2024, após a dissolução e o resultado das eleições não tem nada que ver com o que se viu no passado. E em vários aspectos. O primeiro diz respeito à porção majoritária verdadeiramente clara. Mas o ponto mais constrangedor vai relacionado à convivialidade e respeitabilidade entre os atores.

Nesse plano, presidente Macron considera Jean-Luc Mélenchon e Marine Le Pen como pessoas pouco ou nada frequentáveis. Em segundo lugar, o seu agrupamento Ensemble entende que o RN e o LFI deveriam ter sido interditados de participar da paisagem política francesa por serem, em tese, racistas, nazistas, fascistas, xenófobos, islamistas e assim por diante. Ou seja, não reconhecem a legitimidade desses partidos na cena nacional. E, por fim, mas não menos importante, a opinião pública francesa que manda sinais ao presidente não confia das gentes do RN nem do LFI.

Nada obriga o presidente Macron a convocar Jean-Luc Mélenchon nem Marine Le Pen para compor o governo. Mas caso não o faça, a integralidade da ação presidencial será claramente bloqueada ou, no mínimo, boicotada tornando a vida do presidente Macron similar a dos seus antecessores da Quarta República.

Mas, por outro lado, caso esses líderes do RN e do LFI sejam convidados formar um governo junto com o presidente Macron, o presidente e todo o seu bloco centrista tendem a perder a integralidade de sua autoridade moral diante do povo e da opinião pública.

Sim: espada de Dâmocles. Ou, como diria um sábio italiano do medievo, hoje, nada popular: “a pequena – e, mais ainda, a pequeníssima – política têm limites”. Ninguém suporta mais essas mesquinharias de cunho oportunista. É curioso, muito curioso. O que era uma simples derrota no 9 de junho, quando da dissolução do legislativo francês, agora, começa a se afirmar como uma curiosa tragédia francesa.

De toda maneira e sempre, “Vive la France et vive la République française”. Mas não essa França perplexa nem essa República confusa.

*Daniel Afonso da Silva é professor de história na Universidade Federal da Grande Dourados. Autor de Muito além dos olhos azuis e outros escritos sobre relações internacionais contemporâneas (APGIQ). [https://amzn.to/3ZJcVdk]


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