Por JEAN PIERRE CHAUVIN*
Antes de embarcar em discussões inúteis e conflitos desgastantes, é bom conhecer melhor as premissas utilizadas pela pessoa à nossa frente e ao nosso lado
“Eu acredito no milagre que não vem.\ Eu acredito nos homens de bem” (Camisa de Vênus, O adventista).
“Capital da esperança\ Asas e eixos do Brasil\ Longe do mar, da poluição,\ Mais um fim que ninguém previu\ Brasília” (Plebe Rude, O concreto já rachou).
Salvo engano, poderíamos fundar as relações humanas num sistema de crenças mais ou menos estável. Crê-se ou descrê-se em Deus. Acredita-se, ou não, em políticos. Atribui-se bondade maior, ou menor, às gentes. Alimentam-se crendices no amor. Deposita-se confiança em familiares. Dá-se ou retira-se máximo crédito ao gerente de banco…
Recordados esses exemplos de (in)credulidade, soa ainda mais inconcebível que uns e outros estejam a se digladiar por coisas pequenas, cientes de uma penca de revoluções; duas guerras mundiais; e dezenas de invasões regulares, encampadas por nações-potência com vocação imperialista.
Em escala maior ou menor, raramente os crédulos ou descrentes mudam de parecer perante as coisas em que (des)acreditam, porque a crença se respalda em convicções, ou seja, juízos prévios. Por isso mesmo, antes de embarcar em discussões inúteis e conflitos desgastantes, seria de bom alvitre conhecer melhor as premissas utilizadas pela pessoa à nossa frente e ao nosso lado. Afinal, determinadas concepções de mundo resultam da conjugação da adstrita hierarquia familiar; da ideologia do sucesso, propagada na escola; da visão adotada por pessoas que frequentam o clube, o grupo de teatro, a escola de música, a escola de idiomas etc.
O sistema de crenças funciona de modo análogo às religiões: estrutura-se sobre dogmas. Resulta daí a incompatibilidade entre o argumento e a crendice, já que um se funda na ponderação; outro, no desejo. O embate se dá entre o exame de coisas prováveis e a afirmação de coisas críveis. Como a crença supera a evidência, a credulidade pode ser considerada irmã do senso comum.
Ela se manifesta por intermédio de fórmulas repletas de frases feitas, proferidas como se resultassem de reflexão demorada, constante e profunda. A fala do crédulo consiste em repetir o que se supõe saber. Nesse sentido, ela veicula opiniões como se fossem incontestáveis, já que o falante supõe que os saberes sejam mais críveis que o discurso científico, o diagnóstico médico e o testemunho alheio.
Há os que creem piamente em Deus e convictamente na economia, ainda que estejam cercados de miséria produzida pelo neoliberalismo. Mas, também há aqueles que fingem crer, pois não estão cegos; são cínicos. Quanto aos descrentes, como nós, estão condenados a resistir, lembrando que a solidariedade deveria ser mais forte que o lucro; a coerência, maior que a hipocrisia.
Há uns que fazem a “fezinha” em apostas de casa lotérica; existem aqueles que acreditam (ou fingem acreditar) que um genocida, corrupto e entreguista seja a melhor opção para o pseudopaís excludente, desigual e violento onde infravivem.
*Jean Pierre Chauvin é professor na Escola de Comunicação e Artes da USP. Autor, entre outros livros, de Mil, uma distopia (Luva Editora).
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