Por SANDRA BITENCOURT*
Já estamos em guerra? Quais serão nossas armas?
Com apenas três dias de governo, o jornal O globo anuncia em editorial que a lua de mel com o governo Lula já chega ao fim, devido à impaciência da população e à desconfiança do mercado. São escassas 72 horas para decretar a erosão recorde de capital político saído das urnas. Estamos, portanto, já em posição de vidraça e com os estilingues de todo tipo voltados para um novo governo popular. O escrutínio de cada gesto, cada declaração, cada movimento já teve partida, buscando identificar fontes de desgaste e símbolos de vícios esquerdistas. Quais serão nossas armas nessa guerra híbrida já anunciada?
O conceito de “guerra híbrida” é escorregadio, embora largamente utilizado. Do ponto de vista militar, de acordo com Frank G. Hoffman, esses tipos de conflitos “incorporam uma gama de diferentes formas de guerra, incluindo capacidades convencionais, táticas e formações irregulares, atos terroristas envolvendo coerção e violência indiscriminada e desordem criminal”. Essa abordagem engloba duas tendências: “convergência” e “combinação”, que incluem estruturas criminosas e organizações terroristas com vínculos organizacionais e estratégias comuns.
Para além da teoria militar da guerra híbrida, gostaria de me fixar na estratégia mais difundida e alargada, que envolve a comunicação coletiva de massas. Trata-se de um fenômeno de caráter internacional, alinhado politicamente com as agendas, instituições e projetos hegemônicos que sustentam uma nova direita extremada e apta para fazer o papel sujo na captura das nações pelos sistemas financeiros/rentistas que pretendem acumular cada vez mais em cenários de direitos devastados.
A tecnologia disponível e já apropriada por essa direita nativa digital maximiza o efeito de conflito de informações e desordem das redes, com a lógica da confrontação. Não está limitada à produção de fake news, mais bem é vinculada à criação e disseminação de influenciadores que vendem um modo de vida, alguns valores libertários e propiciam o vínculo simbólico com a visão de extrema direita, capturando sobretudo os que vivem à margem da cidadania e da proteção social.
Através da tecnologia se produz um imperativo industrial de remodelação do mundo. Mas esta metamorfose não vem produzindo a democratização da informação, e sim uma sociedade da informação global que leva à concentração dos meios de comunicação e a ascensão do poder do mercado sobre a vida.
Como responder a isso? Como se preparar para esses movimentos e táticas que arregimentam frações significativas de uma sociedade aviltada pela desigualdade e o empobrecimento?
A primeira resposta, no meu entendimento, é que o campo da comunicação não deva ser compreendido, pelo novo governo, como algo meramente instrumental, uma ferramenta de visibilidade do poder. E sim adotado como médium complexo das aspirações cidadãs, que precisa estar coordenado com diagnósticos e monitoramentos para interferir e disputar nas mais diversas áreas de políticas públicas tão urgentes. Essa visão, por exemplo, necessita reconhecer que não vamos passar a trabalhar melhor com as novas tecnologias. Não são novas, já foram apropriadas, utilizadas largamente e seus efeitos já foram sentidos.
Não se trata de introduzir redes sociais na comunicação governamental. O que exatamente o novo governo pretende em termos de transformação digital democrática? Precisamos de compreensão e respostas capazes de lidar com segmentos expressivos que atuam com crença e sentido de comunidade, não necessariamente com razão e bom senso. E o que esperar da relação com um sistema midiático em transformação, com meios de referência que precisaram decapitar o líder facínora tolerado pelos interesses de mercado, mas que agora não querem dar a impressão de estar de joelhos para a nova ordem comunista do país?
A primazia tecnológica, econômica e militar é estabelecida a partir do domínio das redes de informação e comunicação. Precisamos agregar a isso o papel dos meios de comunicação e o Estado como promotor de regulação e credibilidade nesses ambientes. É o momento também do encontro da academia com as grandes questões estratégicas da nação.
Desse ponto de vista acadêmico e ativista da comunicação pública, seria importante observar três eixos inescapáveis: (i) fortalecer a comunidade acadêmica que constitui e constrói o campo. Há acúmulo de saberes que precisam ser acessados; (ii) aproximar os horizontes conceituais do que é Comunicação social nos conflitos contemporâneos e na geopolítica; (iii) desenvolver investigação que permita enriquecer o património teórico-metodológico existente e a partir daí desenhar ações, medidas, pactos e regulações.
É tarefa difícil, mas urgente e com construções em marcha. São nossas armas de defesa. Pelo que parece, não teremos tempo para respirar aliviados.
*Sandra Bitencourt é jornalista, doutora em comunicação e informação pela UFRGS, diretora de comunicação do Instituto Novos Paradigmas (INP).
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