A popularidade de Lula

Clara Figueiredo, série_ Brasília_ fungos e simulacros, esplanada, 2018
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Por LUIS FELIPE MIGUEL*

Para o governo dar certo – e impedir o retorno da extrema direita em 2026 – é preciso mais disposição para o enfrentamento. Isso começa por mudar a comunicação do governo

Os indicadores econômicos que usualmente têm maior impacto político não estão ruins – crescimento modesto, mas não irrelevante do PIB, aumento da renda do trabalho, redução da taxa de desemprego. Ainda assim, pesquisas dizem que popularidade de Lula está diminuindo. Por quê?

Não que a pesquisa da Quaest, que fez tanto burburinho, mereça grande atenção.

Pesquisas de opinião partem de pressupostos questionáveis, que mal vale a pena repisar – em especial, o triplo carpado epistemológico que faz com que a resposta a um questionário, imposto a partir de preocupações que não são necessariamente as da pessoa, seja aceita como uma “opinião” que define comportamentos.

A pergunta da Quaest sobre Hitler é um belíssimo exemplo do que estou falando.

Além disso, as pesquisas de opinião compartilham com suas gêmeas, as pesquisas de intenção de voto, os problemas metodológicos que têm feito elas errarem tanto nos últimos tempos. Pesquisas de opinião, porém, não enfrentam o tira-teima que as eleições representam para as pesquisas de intenção de voto, logo podem errar à vontade que continuarão a ser aceitas como verdade.

Ainda assim, os números casam com o que qualquer observador da realidade brasileira é capaz de ver. O governo Lula não está empolgando e a base bolsonarista não entra em retração.

Lendo a imprensa, há quem fale que problemas não resolvidos, como o da segurança pública, impactam mais o estado de espírito da população do que a economia. Outra vertente gosta de se colocar na condição de dar conselhos ao presidente.

Como exemplo, fico com a coluna do notório Elio Gaspari, na Folha S. Paulo neste domingo. Em resumo, ele disse que Lula está sendo mal avaliado por dois motivos. Um é ter criticado Israel. O outro seria ter “esquecido” da frente ampla.

É a conversa de sempre: o problema, por incrível que pareça, é o governo estar muito à esquerda. Se dependesse do Elio Gaspari e de muitos de seus colegas, Lula delegaria todas as decisões para, sei lá, o Michel Temer.

Eu diria que é exatamente o contrário. O que falta é a capacidade de se afirmar claramente como de esquerda.

Pressionado por uma extrema direita ainda capaz de mobilização, por um Congresso cada vez mais ganancioso e agressivo e por aliados da “frente ampla” que querem políticas de corte conservador, Lula não consegue pôr na rua políticas que tenham a marca do governo e claramente reverberem na vida das maiorias.

Na economia, o “equilíbrio fiscal” continua como alfa e ômega de todas as decisões. Volta e meia, Lula ensaia uma rebeldia, mas logo passa. Parece jogo de cena.

Os ministérios parecem condenados a funcionar como máquinas de transferência de verbas para políticos do Centrão. As políticas efetivas ficam com as sobras.

A Educação parece disposta a implementar a visão empresarial corporificada no famigerado Novo Ensino Médio. A Saúde é louvada pelo fim do negacionismo, mas ainda não se viu progresso, por exemplo, na retomada da cobertura vacinal.

A esquerda no governo ficou em grande medida restrita a acenos identitários e à ocupação de cargos mais simbólicos do que com efetivo poder. O fracasso da operação para proteger o povo yanomami é um emblema dessa situação.

Paulo Teixeira, no Desenvolvimento Agrário, alimentou expectativas ao assumir, mas nada se avançou na reforma agrária. Luiz Marinho, no Trabalho, está sendo obrigado a recuar na questão crucial da regulação das relações laborais nos aplicativos.

Banqueiros, generais, parlamentares, pastores – diante de cada um desses grupos, o governo parece ter só uma palavra de ordem: recuar.

É mais fácil arrochar o funcionalismo público, cortar verbas da educação e da ciência, seguir o figurino de sempre.

Para o governo dar certo – e impedir o retorno da extrema direita em 2026 – é preciso mais disposição para o enfrentamento. Isso começa por mudar a comunicação do governo, fazendo um esforço pedagógico de mostrar quais são os interesses em conflito e de que lado cada um está.

Mas quando a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, declara com satisfação que o governo não disputa valores – ela que, para a imprensa, é uma voz “radical” do petismo – é porque estamos mesmo lascados.

*Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Autor, entre outros livros, de Democracia na periferia capitalista: impasses do Brasil (Autêntica). [https://amzn.to/45NRwS2]

Publicado originalmente nas redes sociais do autor.


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