As gerações nascidas na era digital

Imagem: Guillaume Meurice
image_pdf

Por KARIN BRÜNING*

A correlação entre a geração Z, Millennials e o uso crescente de robôs – um futuro em construção

1.

O avanço tecnológico sempre foi um catalisador de transformações sociais profundas, redefinindo a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. No cenário atual, duas forças convergem para moldar o futuro: de um lado, as gerações mais jovens Millennials e Geração Z, com sua fluência digital inata e, de outro lado, o desenvolvimento acelerado da robótica e da automação, que promete revolucionar praticamente todos os aspectos da vida humana. Compreender essa dinâmica é fundamental não apenas para antecipar tendências, mas também para preparar indivíduos e organizações para um mundo onde a colaboração entre humanos e máquinas será cada vez mais intensa e complexa.

As gerações Millennial e Z, nascidas e criadas em um ambiente progressivamente digital, possuem uma relação única com a tecnologia. Diferentemente de seus antecessores, esses jovens não precisaram se adaptar ao mundo digital, eles nasceram nele. Essa característica fundamental influencia profundamente sua visão de mundo, suas expectativas profissionais e sua abertura para inovações tecnológicas, incluindo a robótica avançada.

Ao mesmo tempo, o campo da robótica experimenta um desenvolvimento sem precedentes. Os robôs estão deixando o confinamento das linhas de montagem industrial para ocupar espaços cada vez mais diversificados: desde assistentes pessoais em residências até colaboradores em ambientes de trabalho, passando por aplicações em saúde, educação e entretenimento. Essa expansão levanta questões importantes sobre como diferentes gerações se adaptarão a essa nova realidade.

A Geração Z possui uma relação simbiótica com a tecnologia digital. Para eles, dispositivos eletrônicos e plataformas online são extensões naturais de suas capacidades cognitivas e sociais. Hiperconectividade, multitarefas digitais, visão paralela do tempo e aprender a utilizar novas tecnologias com o mínimo esforço, quase por intuição, são algumas de suas características marcantes.

Além de sua relação única com a tecnologia, a Geração Z apresenta valores e comportamentos distintivos, como pragmatismo e realismo, tolerância e inclusão, ativismo social, individualidade, valorizando a honestidade nas comunicações e relações. Essa geração tem como valor essencial desenvolver independência e liberdade de escolha, o que se reflete no ambiente profissional na valorização do estudo e qualificação contínua, assim como na busca por trabalhos que permitam qualidade de vida.

Não hesitam em mudar de emprego quando não se sentem desafiados ou valorizados, tendo aversão a hierarquias rígidas e dando preferência por flexibilidade. No Brasil, 73% da Geração Z prefere modelos de trabalho híbridos. Essas características tornam a Geração Z particularmente receptiva a ambientes de trabalho que incorporam tecnologias avançadas, incluindo robótica e automação, desde que essas tecnologias promovam valores como eficiência, sustentabilidade e bem-estar.

2.

Os Millennials são frequentemente descritos como “pioneiros digitais”, nasceram entre 1980 e 1995 em um mundo não completamente digital, mas foram os primeiros a adotar e moldar muitas das tecnologias que hoje consideramos essenciais, ou seja, desenvolveram adaptabilidade tecnológica, valorizando a possibilidade de estarem sempre conectados e acessíveis, de modo a navegar com facilidade entre métodos tradicionais e digitais.

Eles apresentam um conjunto de valores e comportamentos que refletem tanto sua experiência com a tecnologia quanto o contexto socioeconômico em que cresceram: ambição, otimismo e expressão de sua identidade única. Demonstram consciência ambiental e uma visão global conectada do mundo, com níveis mais elevados de ansiedade comparados a gerações anteriores.

No ambiente profissional, os Millennials trouxeram mudanças significativas nas expectativas e dinâmicas de trabalho, buscando satisfação pessoal também na vida profissional, bem como valorizando oportunidades de desenvolvimento e aprendizado e dando preferência a ambientes mais horizontais e colaborativos.

No Brasil, 46% dos Millennials estão satisfeitos com esse equilíbrio. Por outro lado, buscam resultados rápidos e reconhecimento imediato, o que faz dos Millennials importantes agentes de mudança no ambiente de trabalho, especialmente no que diz respeito à adoção de novas tecnologias. Não por acaso, 94% deles acreditam que o uso da Inteligência artificial vai possibilitar mais tempo livre e melhorar a qualidade de vida.

E como essas gerações encaram o futuro com o crescente uso de robôs?

A interação entre essas gerações e as tecnologias robóticas está redefinindo o ambiente profissional. Para Millennials e Geração Z, a automação é frequentemente vista como uma aliada, uma ferramenta para eliminar tarefas repetitivas, liberando tempo para atividades mais criativas e estratégicas, de forma a aumentar a produtividade e facilitar a tomada de decisões, além de viabilizar o trabalho remoto e em horários alternativos.

Essas gerações estão desenvolvendo formas inéditas de trabalhar junto com sistemas automatizados. Os Cobots são um exemplo disso: robôs colaborativos vistos como parceiros ou extensões das capacidades humanas. Outro exemplo são as equipes híbridas, formadas por times compostos por humanos e sistemas automatizados, cada um contribuindo com suas forças específicas.

Apesar da adaptabilidade natural, as gerações mais jovens também enfrentam desafios específicos: pesquisas indicam que 38% dos líderes entrevistados consideram os Millennials como os mais propensos a sofrer demissões causadas pela automação. Aproximadamente 40% dos empregadores afirmam que prefeririam contratar um robô a um recém-formado da Geração Z. Funções de entrada no mercado de trabalho, tradicionalmente ocupadas por jovens, estão entre as mais suscetíveis à automação.

3.

A relação intensa com a tecnologia também traz desafios para o bem-estar, uma vez que impactos psicológicos e sociais já são observados como consequência da dependência tecnológica. O Brasil, por exemplo, ocupa a 2ª posição mundial em tempo de tela, com média de 9 horas diárias, o que comprovadamente resulta em transtornos relacionados ao aumento de condições como ansiedade digital, “gaming disorder” e “nomofobia”.

Outro aspecto negativo é a dificuldade no desenvolvimento de habilidades sociais presenciais, que são essenciais mesmo em ambientes altamente automatizados. Além disso, a pressão constante por atualizações, ou melhor, o estresse relacionado à necessidade de acompanhar o ritmo acelerado das inovações tecnológicas, também é prejudicial.

A correlação entre as gerações Z e Millennials e o uso crescente de robôs representa, portanto, um dos fenômenos mais fascinantes e transformadores da nossa época. Essa relação não é apenas uma questão de adaptação tecnológica, mas um profundo redesenho das estruturas sociais, econômicas e culturais que moldaram as sociedades humanas por séculos.

As gerações nascidas na era digital trazem consigo uma visão de mundo fundamentalmente diferente de seus antecessores. Sua familiaridade natural com tecnologias complexas, sua abertura para inovações e sua busca por propósito e significado os posicionam como protagonistas ideais para um futuro, onde a colaboração entre humanos e máquinas será a norma, não a exceção. Nesse cenário, o sucesso não será determinado apenas pela capacidade técnica, mas pela habilidade de integrar o melhor das capacidades humanas com o potencial das máquinas inteligentes.

O futuro que se desenha não será definido pela substituição dos humanos por máquinas, mas pela sinergia entre ambos. As gerações Z e Millennials, com sua compreensão intuitiva do digital, estão idealmente posicionadas para liderar essa transformação, criando um mundo onde a tecnologia serve para ampliar, não diminuir, o potencial humano. A correlação entre juventude e robótica não é apenas uma tendência passageira, mas o início de uma nova era na história humana.

*Karin Brüning é cientista e ambientalista, doutora em química pela UFRJ. Fundadora da Play Recycling, plataforma de educação ambiental.

Referências


MIT Technology Review Brasil. (2025, fevereiro 20). Gerações Y e Z na transformação digital. https://mittechreview.com.br/geracoes-y-z-transformacao digital/

Fast Company Brasil. (2024, agosto 19). Mais do que adotar a IA, jovens empreendedores são mais criativos ao usá-la. https://fastcompanybrasil.com/ news/mais-do-que-adotar-a-ia-jovens-empreendedores-sao-mais-criativos-ao usa-la/

SMC Brasil. (2025). Robótica industrial: quais são as tendências para 2025. https:// smcbr.com.br/robotica-industrial-quais-sao-as-tendencias-para-2025/

Mundo Educação. (2025). Geração Z: o que é, características, trabalho. https:// mundoeducacao.uol.com.br/sociologia/geracao-z.htm

Significados. (2025). Geração Y (Millennials): o que é, quando começa e características. https://www.significados.com.br/geracao-y/

Forbes Brasil. (2025, Janeiro 23). Avanços da IA Colocam Carreiras de Millennials em Risco, Aponta Estudo. https://forbes.com.br/carreira/2025/01/avancos-da-ia colocam-carreiras-de-millennials-em-risco-aponta-estudo/

G1. (2019, dezembro 16). Como a geração Z pode competir com os robôs? Focando no lado humano. https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2019/12/16/ como-a-geracao-z-pode-competir-com-os-robos-focando-no-lado-humano.ghtml


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
O segundo choque global da China
06 Dec 2025 Por RENILDO SOUZA: Quando a fábrica do mundo também se torna seu laboratório mais avançado, uma nova hierarquia global começa a se desenhar, deixando nações inteiras diante de um futuro colonial repaginado
2
Energia nuclear brasileira
06 Dec 2025 Por ANA LUIZA ROCHA PORTO & FERNANDO MARTINI: Em um momento decisivo, a soberania energética e o destino nacional se encontram na encruzilhada da tecnologia nuclear
3
Simulacros de universidade
09 Dec 2025 Por ALIPIO DESOUSA FILHO: A falsa dicotomia que assola o ensino superior: de um lado, a transformação em empresa; de outro, a descolonização que vira culto à ignorância seletiva
4
A guerra da Ucrânia em seu epílogo
11 Dec 2025 Por RICARDO CAVALCANTI-SCHIEL: A arrogância ocidental, que acreditou poder derrotar a Rússia, esbarra agora na realidade geopolítica: a OTAN assiste ao colapso cumulativo da frente ucraniana
5
Asad Haider
08 Dec 2025 Por ALEXANDRE LINARES: A militância de Asad Haider estava no gesto que entrelaça a dor do corpo racializado com a análise implacável das estruturas
6
Uma nova revista marxista
11 Dec 2025 Por MICHAE LÖWY: A “Inprecor” chega ao Brasil como herdeira da Quarta Internacional de Trotsky, trazendo uma voz marxista internacionalista em meio a um cenário de revistas acadêmicas
7
O filho de mil homens
26 Nov 2025 Por DANIEL BRAZIL: Considerações sobre o filme de Daniel Rezende, em exibição nos cinemas
8
Raymond Williams & educação
10 Dec 2025 Por DÉBORA MAZZA: Comentário sobre o livro recém-lançado de Alexandro Henrique Paixão
9
Considerações sobre o marxismo ocidental
07 Dec 2025 Por RICARDO MUSSE: Breves considerações sobre o livro de Perry Anderson
10
O agente secreto
07 Dec 2025 Por LINDBERG CAMPOS: Considerações sobre o filme de Kleber Mendonça Filho, em exibição nos cinemas
11
Impactos sociais da pílula anticoncepcional
08 Dec 2025 Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA: A pílula anticoncepcional não foi apenas um medicamento, mas a chave que redefiniu a demografia, a economia e o próprio lugar da mulher na sociedade brasileira
12
Insurreições negras no Brasil
08 Dec 2025 Por MÁRIO MAESTRI: Um pequeno clássico esquecido da historiografia marxista brasileira
13
A armadilha da austeridade permanente
10 Dec 2025 Por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS: Enquanto o Brasil se debate nos limites do arcabouço fiscal, a rivalidade sino-americana abre uma janela histórica para a reindustrialização – que não poderemos atravessar sem reformar as amarras da austeridade
14
As lágrimas amargas de Michelle Bolsonaro
07 Dec 2025 Por CAIO VASCONCELLOS: Estetização da política e melodrama: A performance política de Michelle como contraponto emocional e religioso ao estilo agressivo de Jair Bolsonaro
15
O empreendedorismo e a economia solidária – parte 2
08 Dec 2025 Por RENATO DAGNINO: Quando a lógica do empreendedorismo contamina a Economia Solidária, o projeto que prometia um futuro pós-capitalista pode estar reproduzindo os mesmos circuitos que deseja superar
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES