Carta a um bolsonarista

Imagem: Grupo de Ação
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por LUIZ MARQUES*

A chance de reencontrar a “pessoa do bem” que você pensa que é, tem data: 30 de outubro

Falta à democracia brasileira tempo para desenvolver uma cultura que não privilegie os direitos particulares, em detrimento dos coletivos. O hiato explica por que os negacionistas se recusaram tomar a vacina, na pandemia. Assim, puseram em risco a saúde da população, além de suscitar a desconfiança sobre os imunizantes testados cientificamente. O ceticismo atinge, agora, outras campanhas de vacinação (poliomelite, varíola, sarampo).

Roberto Jefferson levou ao extremo o conceito de liberdade individual, na versão de desobediência civil típica de um bolsonarista: com tiros de fuzil e granadas contra policiais que cumpriam o mandado de prisão do Judiciário. A reação acompanha o kit dos ataques fanatizados às instituições republicanas. Mas você não se importa.

É difícil respeitar alguém que cala diante do elogio a torturadores e a milicianos, bem como do estímulo à violência racista, sexista, misógina e homofóbica. Brutalidades incompreensíveis até no Primeiro Testamento; imagine no Segundo Testamento bíblico, que celebra o Deus do amor e da misericórdia. Impossível conciliar tantas covardias e preconceitos com os ensinamentos de Jesus. Um cristão jamais diria “prefiro um filho morto a um filho gay”. Naturalizaria a absurdidade, seria um hipócrita fariseu, um simulacro de pai. A intolerância é bruta. Mas você faz cara de paisagem.

É de amplo conhecimento que um conluio midiático-judicial pretextou a corrupção para destruir as empresas nacionais de engenharia e preparar a privatização da Petrobrás e do pré-sal, atendendo os interesses das grandes corporações estadunidenses. Os interesses nacionais e a soberania popular foram fraudados pelo procurador embusteiro e pelo juiz parcial. Ambos eleitos, respectivamente, para a Câmara Federal e o Senado. As urnas mediram o grau avançado de degeneração do tecido social. O rentismo financeiro, o trabalho sem proteção e a concorrência entre os trabalhadores dilapidaram as estruturas clássicas do próprio capitalismo. Mas você crê em Mises acima de tudo.

Apesar das “rachadinhas” nos gabinetes e dos “rachadões” no orçamento parlamentar secreto; da compra em dinheiro vivo de 51 imóveis e do sigilo de 100 anos sobre gastos no cartão corporativo presidencial; não à toa, hoje, a família no poder recebe adesão dos falsos ex-agentes da Justiça. O argumento de combate à corrupção tinha uma finalidade política. A filósofa Márcia Tiburi fala de lavagem cerebral na classe média e culpa a Lava Jato e os meios de comunicação. O economista Márcio Pochmann considera que as causas estão na desindustrialização e na inserção subordinada da nação à globalização. O aparato constitucional falhou. Mas você não contextualiza os fatos.

Ficaram para trás os axiomas da economia sustentável. Os óculos de armação em madeira reciclada e as pranchas confeccionadas no mesmo material, para difundir a consciência ecológica entre a juventude adepta da prática do surfe. Depois, veio o silêncio sobre o extrativismo, a mineração em terras indígenas, o desmatamento, a madeira exportada de forma ilegal, a fumaça das queimadas da Amazônia no céu de São Paulo. A seguir, o comportamento de pedófilo da alta autoridade, ao fantasiar meninas venezuelanas em um prostíbulo inexistente. Mas você acha infalível o Führer.

A campanha pela reeleição se ampara em dinheiro público e privado. O jornal Valor Econômico calcula em R$ 68 bilhões o assalto aos cofres da União. Nunca houve campanha eleitoral tão suja. Empresários cabresteiam votos com chantagens sobre a empregabilidade. Tratam funcionários como parte da mobília na empresa. A Internacional Patronal é iletrada, corrupta e antidemocrática. Tem tatuada na alma a soberba herdada do período colonial. Carece de projeto para o país. Avalia o precariado atual como os negros escravizados, sem direito a ter direitos. Para o professor Fernando Abrucio: “O bolsonarismo (leia-se a fusão do neoliberalismo e o neofascismo) é a vitória final do modelo escravocrata”. Uma completa regressão civilizacional. Mas você mira no TSE e no STF.

A chance de reencontrar a “pessoa do bem” que você pensa que é, tem data: 30 de outubro. Liberte o jovem que sonhava com a sociabilidade do Estado de direito democrático, e condenava o Estado de exceção. Esse que anda com ar blasé, indiferente ao sofrimento do povo, contando o vil metal, perdeu o coração em alguma curva da estrada. Tomara que, das cinzas como Fênix, renasça em você o “rebelde contra” para ocupar o lugar do “rebelde a favor” das injustiças. Mas você será capaz?

*Luiz Marques é professor de ciência política na UFRGS. Foi secretário estadual de cultura do Rio Grande do Sul no governo Olívio Dutra.

O site A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores. Ajude-nos a manter esta ideia.
Clique aqui e veja como

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • A colonização da filosofiamar estacas 14/11/2024 Por ÉRICO ANDRADE: A filosofia que não reconhece o terreno onde pisa corrobora o alcance colonial dos seus conceitos
  • O entretenimento como religiãomóveis antigos máquina de escrever televisão 18/11/2024 Por EUGÊNIO BUCCI: Quando fala a língua do rádio, da TV ou da Internet, uma agremiação mística se converte à cosmogonia barata do rádio, da televisão e da internet
  • Antonio Candido, anotações subliminaresantonio candido 16/11/2024 Por VINÍCIUS MADUREIRA MAIA: Comentários sobre os mais de setenta cadernos de notas feitos por Antonio Candido
  • Os concursos na USPMúsica Arquitetura 17/11/2024 Por LINCOLN SECCO: A judicialização de concursos públicos de docentes na USP não é uma novidade, mas tende a crescer por uma série de razões que deveriam preocupar a comunidade universitária
  • A execução extrajudicial de Sílvio Almeidaqueima de livros 11/11/2024 Por MÁRIO MAESTRI: A denúncia foi patrocinada por uma ONG de raiz estadunidense, o que é paradoxal, devido à autoridade e status oficial e público da ministra da Igualdade Racial
  • O veto à Venezuela nos BRICSMÁQUINAS FOTOGRÁFICAS 19/11/2024 Por GIOVANNI MESQUITA: Qual seria o maior desaforo ao imperialismo, colocar a Venezuela nos BRICS ou criar os BRICS?
  • Balanço da esquerda no final de 2024Renato Janine Ribeiro 19/11/2024 Por RENATO JANINE RIBEIRO: A realidade impõe desde já entender que o campo da esquerda, especialmente o PT, não tem alternativa a não ser o nome de Luiz Inácio Lula da Silva para 2026
  • A falácia das “metodologias ativas”sala de aula 23/10/2024 Por MÁRCIO ALESSANDRO DE OLIVEIRA: A pedagogia moderna, que é totalitária, não questiona nada, e trata com desdém e crueldade quem a questiona. Por isso mesmo deve ser combatida
  • Notas sobre a disputa em São Paulogilberto maringoni 18/11/2024 Por GILBERTO MARINGONI: É preciso recuperar a rebeldia da esquerda. Se alguém chegasse de Marte e fosse acompanhar um debate de TV, seria difícil dizer quem seria o candidato de esquerda, ou de oposição
  • O perde-ganha eleitoralJean-Marc-von-der-Weid3 17/11/2024 Por JEAN MARC VON DER WEID: Quem acreditou numa vitória da esquerda nas eleições de 2024 estava vivendo no mundo das fadas e dos elfos

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES