COP26 – sob o domínio dos lobistas fósseis

Imagem: Denilson Santos de Oliveira
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Por CARLOS TAUTZ*

Não estão claros os objetivos de longo curso por trás dessa insistência na opção pelos fósseis como motores da economia mundial

Decepcionante. Fugidio dos problemas centrais. Fraco. Tornado público na segunda-feira (8/11), a três dias do fim da 26ª. Conferência das Partes (COP26) da Convenção do Clima, realizado em Glasgow (Escócia) o primeiro rascunho do documento conclusivo do evento, contendo as diretrizes que os países deverão adotar na tentativa de superar a crise climática deixou muito a desejar.

Pior: falhou justamente no ponto que mais devia abordar, qual seja, a histórica opção da humanidade pela queima de combustíveis fósseis (a tríade mortal: petróleo, gás natural, carvão).

Usados como combustíveis da Revolução Industrial no século XVIII, a sua queima joga diariamente na atmosfera centenas de bilhões de toneladas de gases causadores do efeito estufa e, por conseguinte, das mudanças no clima da Terra.

Daí o documento ter recebido essas (decepcionante etc.) e outras avaliações menos elogiosas, indicando o pessimismo generalizado que tomou conta de delegações oficiais, imprensa e membros da sociedade civil, quanto à adoção por parte de governos e corporações econômicas com medidas concretas e de efeito vinculante – aqueles que geram sanções a quem não cumpri-los.

O documento comprovou o espírito da COP que já se esperava, e, mesmo que venha a ser substancialmente alterado em sua versão final finalíssima, não mudará o péssimo indicativo de aprofundamento da crise que nos esbofeteia.

O presidente da COP, o conservador britânico Alok Sharma, cumpriu o papel apagador de incêndios que dele se espera e se esforçou para desviar a atenção pelo fracasso iminente da Conferência.

Sharma preferiu olhar o pepino histórico que se avizinha através da lente conivente da metade cheia do copo.

Assim, ele chamou a atenção para a “importância de responder à ciência e fazer referência aos resultados recentes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), cita a meta de emissões zero até 2050”.

Da fóssil tríade mortífera, tratou-se no documento de… neca de pitibiribas, como se falava na minha infância…!

O blá blá blá oficial consta do site de notícias da ONU: “Além disso, os líderes pedem “um aumento urgente dos fluxos financeiros para os níveis necessários para apoiar os países em desenvolvimento” etc. etc., e “ações para manter viva a meta de 1,5ºC”, de queda na temperatura média do planeta nos próximos anos.

“Bull shit”, xingava meu velho tio Vicente. Ficava grosseiramente sincero, quando percebia a intenção de alguém enrolá-lo.

“Bull shit”, eu agora repito para os negociadores – ou melhor, enroladores!

Entre outras promessas requentadas, não concretizadas e agora mais uma vez papagueadas na COP26 como panaceia financeiristoide para abordar a crise política do clima, os países ricos (Estados Unidos à frente), mais uma vez prometem contribuir com 100 bilhões de dólares anuais para ajudar os países empobrecidos a se desenvolverem usando menos combustíveis fósseis.

Cara de pau, a dos ricos. Em 2015, quando o Acordo de Paris foi assinado, eles projetavam implementar a partir de 2020 esse tal fundo. Estamos em 2021 e necas de pitibiriba.

Claro que essa grande empulhação tem razões concretas, interesses financeiros bem claros e atores políticos com nome e sobrenome reconhecidos internacionalmente.

E não se trata apenas dos vilões de sempre – como a dinastia Saud e sua ditadura de décadas na Arábia Saudita, mantida a bilhões de dólares anuais e muita cumplicidade dos EUA, o principal destino do óleo de seus good fellows Saud. Eles são culpados, sem dúvida. Mas não são os únicos e, talvez, nem os principais. Atribuir a responsabilidade pelo entrave nas negociações a países produtores de petróleo apenas mascara a responsabilidade corporativa que – essa, sim! – tem sido muito eficiente ao longo das COP.

Os verdadeiros culpados: a “delegação” das grandes empresas

A BBC revelou na segunda (8), com base em denúncias da organização Global Witness (Inglaterra), o seguinte:

“O número de delegados associados à indústria de combustíveis fósseis na COP26 supera o de qualquer outro país, segundo um levantamento ao qual a BBC teve acesso.

ONGs internacionais como a Global Witness analisaram a lista de participantes publicada pela Organização das Nações Unidas (ONU) no início da cúpula do clima em Glasgow, na Escócia, e constataram que 503 pessoas ligadas aos interesses desse setor foram credenciadas para o evento.

Há relatos de que esses delegados fazem lobby para as indústrias de petróleo e gás. Ativistas defendem que sua presença deveria ser proibida.

“A indústria de combustíveis fósseis passou décadas negando e adiando uma ação real sobre a crise climática, e é por isso que este é um problema tão grande”, diz Murray Worthy, da Global Witness.

“A influência deles é uma das maiores razões pelas quais 25 anos de negociações climáticas da ONU não levaram a cortes reais nas emissões globais.

No cômputo geral, foram identificadas 503 pessoas empregadas ou associadas a esses interesses na cúpula.

Eles também descobriram que:

Lobistas de combustíveis fósseis são membros de delegações de 27 países, incluindo Canadá e Rússia

O número de delegados associados a combustíveis fósseis na COP é maior do que o total combinado das oito delegações dos países mais afetados pelas mudanças climáticas nos últimos 20 anos

Mais de 100 empresas de combustíveis fósseis estão representadas na COP, com 30 associações comerciais e organizações associadas também presentes”.

Entendeu?

As corporações de petróleo já estão fazendo lá por Glasgow, novamente, o que já faziam antes: COP após COP, resguardavam posições e mantinham brechas enormes para sucessivas e crescentes inflexões (muitos preferem usar a palavra “crise”) no padrão de produção de energia e acumulação de riquezas.

A história das COP explica

A respeito do histórico de negociações formais e pressões informais, vale ouvir o engenheiro paulista Rubens Born, que participou de 14 das 26 COP climáticas realizadas até hoje, além de outras reuniões preparatórias, representando organizações da sociedade civil brasileira.

“Na história das reuniões da ONU sobre clima, e mesmo nas cúpulas sobre meio ambiente e desenvolvimento, 1992, 2002 e 2012, deu para perceber que as decisões políticas – embora se esperasse que fossem ambiciosas para fazer a transição para a sustentabilidade – muitas vezes, no máximo, “avançavam” naquilo que o próprio setor econômico como possível de se comprometer.

Lamentavelmente, há uma inércia muito grande do sistema econômico e portanto as decisões políticas sofrem com essa inércia também. Não digo com isso que o mundo econômico tomou as decisões políticas. As decisões políticas são tomadas pelos governantes, e tem faltado governante com visão de futuro. Por exemplo, a Convenção-Quadro de 1992 saiu sem metas de resultados, de metas de redução de gases de efeito estufa.

Com isso foi-se postergando a redução absoluta de emissões. Na medida em que se permite a continuidade de financiamento de agências multilaterais de empreendimentos com combustíveis fósseis, limita-se o alcance das decisões políticas àquilo que o mundo econômico acha tolerável. Mas, a crise climática já está além do tolerável.

Há setores do petróleo e da indústria automobilística que tem tido força nessas negociações para manter um certo padrão de produção e consumo sem alterar o padrão da pegada ecológica. Continua-se produzindo carros, baseando-se no transporte individual só que com uso mais eficiente dos mesmos combustíveis fósseis.

Isso é a receita para o desastre.

Ainda não estão claros os objetivos de longo curso por trás dessa insistência na opção pelos fósseis como motores da economia mundial.

Eu aposto que, talvez, em certa medida, o que de alguma forma subjaz a este processo é o posicionamento agora, para avançar e aprofundar as estruturas de poder no planeta, de algo em que os três polos dinâmicos da economia mundo (China, EUA e Europa) vêm apostando: a tal da transição energética.

*Carlos Tautz é jornalista e doutorando em história contemporânea na Universidade Federal Fluminense (UFF).

 

 

 

 

 

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