Ganhar nas urnas é o menos difícil

Imagem: Marcelo Moreira
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Por JULIAN RODRIGUES*

Eleger Lula será uma batalha dura, contudo é só um primeiro passo nessa guerra de longa duração contra o neofascismo

It´s a long long long long long way – it´s a long road, it´s a long and wild road, long long long and wild road” (Caetano Veloso).

O bom e velho PIG (Partido da Imprensa Golpista) tem se deleitado cobrindo, apimentando e amplificando disputas de bastidores reais que ocorrem na direção nacional do PT e no núcleo da campanha Lula – a turma adora fazer luta interna pelo Painel da Folha de S. Paulo e pela Mônica Bergamo, hábito arraigado.

São disputas intestinais, geralmente pouco politizadas, ideológicas, conceituais e teóricas. Soam como aquelas cotoveladas típicas das cozinhas palacianas. Só tem um detalhe. Lula não ganhou a eleição. E Bolsonaro cresce a cada pesquisa.

A vitória de Bolsonaro em 2018 e seu governo se relacionam com o golpe de 2016. Por mais que a ficha de boa parte da esquerda (e do PT) pareça não cair nunca – nem mesmo com a prisão de Lula – o fato é que a aliança entre neofascismo e neoliberalismo representa um salto qualitativo. A Constituição de 1988 não está em vigor, ritos formais à parte.

Ao anular com uma canetada a prisão de seu aliado radicalizado, o presidente neofascista recoloca no jogo a carta do golpe permanente. Volta a questionar os já arrebentados fundamentos da democracia liberal brasileira.

Jair Bolsonaro retomou fortemente os sinais golpistas como aqueles do 7 de setembro de 2021, depois de muitos meses fingindo comer com talheres e sem arrotar à mesa. Foi o suficiente para que a maioria dos “liberais” do andar de cima, frustrados com o fracasso de Sérgio Moro, João Doria, Eduardo Leite, e a tal “terceira via”, re-embarcasse na nave do ex-capitão (simulando constrangimento alguns, outros sorrindo cinicamente).

A grande burguesia interna apoiou Bolsonaro em 2018 naquele contexto de ascensão internacional do “trumpismo”. E está apoiando de novo – já entendeu que é a única forma de tentar barrar um possível novo governo Lula. Bolsonaro sabe disso.

2022 não é 2002. O bolsonarismo não é o neoliberalismo tucano de Covas, FHC e Serra. Bolsonaro vem crescendo nas pesquisas porque mantém sua base orgânica unida, opera políticas sociais emergenciais e ao mesmo tempo se coloca como única alternativa ao PT. Tudo indica que o tal “mercado” vai mesmo na linha: “num tem tu, vai tu mesmo”.

Gostando-se ou não da aliança de Lula com o tucano de Pindamonhangaba (e eu estou entre os que consideram um enorme erro), o fato é que, pelo menos até aqui, Geraldo só trouxe mesmo a “Dona Lu”. Não se vê nenhum sinal de deslocamento de frações das classes dominantes na direção de Lula em função da esdrúxula composição com o ex-governador paulista.

Tudo indica que ao re-aglutinar as elites enquanto mantém sua base mobilizada e segue o rei das redes sociais (em quatro anos quase nada aprendemos), Bolsonaro não só estabiliza um viés de alta como deve dar muito, muito trabalho no segundo turno.

E depois? Vencendo Lula o presidente acatará os resultados? Quantas “motociatas” e quantos Daniel Silveira questionarão as urnas e o resultado? O mais importante: a milicaiada que está no centro do governo Bolsonaro, mandando e se locupletando, vai topar o resultado ou veremos de novo tanques fumacentos desfilando pelas capitais?

Lula tomando posse, como será a oposição neofacista ao novo governo? Para casa, nem Bolsonaro nem sua malta bolsonarista irão. De novo: não se tratará de uma oposição “normal”. A democracia de 1988, com todos seus limites, não será magicamente restaurada com uma vitória de Lula nas urnas em outubro. Ou seja: o neofascismo seguirá. Mesmo que o derrotemos eleitoralmente, o que, friso, não está garantido.

Ao invés de se diluir, esterilizar, desidratar, ficar sem sabor, a campanha Lula deve dobrar a aposta na polarização. Não só entre o tema das liberdades democráticas versus o neofascismo autoritário, mas nos temas econômicos, sociais e dos direitos das pessoas.

Mais do que lembrar os “bons tempos”, a campanha Lula precisa encarnar um movimento a favor dos direitos sociais, trabalhistas, por crescimento econômico, comida na mesa das pessoas, emprego, bem-estar social, respeito à diversidade, transformações estruturais. Precisa apontar o futuro e não se vangloriar de feitos passados.

E o principal: é preciso entender que a campanha Lula não deve ser eleitoral estritamente. Precisa ser política, social, mobilizadora, ideológica, partidária, de esquerda, democrático-popular.

Entender que para tomar posse não basta ter mais votos. Precisa ter força social para garantir. Não basta trazer seu Geraldo, vamos ter que ganhar maiorias para as nossas ideias e estruturar nossa organização nos territórios. O bolsonarismo não desaparecerá se Bolsonaro for minoritário nas urnas. Até porque vai ter segundo turno: será disputadíssimo e sangrento. Sem ilusões.

O desafio maior da esquerda, dos setores populares e democráticos é estar à altura dessa guerra contra o neofascismo. Cabem ao PT e à Lula não só liderarem a jornada eleitoral, mas sobretudo armarem política e ideologicamente a maioria do povo – criando as melhores condições para o embate contra o neoliberalismo e o bolsonarismo.

É uma longa, longa, jornada, que começa agora. Nem neofascismo, nem neoliberalismo. Uma campanha, um programa, uma tática democrático-popular. Uma “vibe” combativa e mobilizadora, que apaixone e engaje. Mais cheiro de 1989 que de 2002 – vencer os fascistas em todos os terrenos.

*Julian Rodrigues, professor e jornalista, é militante do PT e ativista LGBTI e de Direitos Humanos.

 

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