Monopólio e guerra

Imagem: Prakash Chavda
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Por CRISTIANO ADDARIO DE ABREU*

Como foi possível o mundo alcançar o atual estágio de distanciamento dialógico/político, mesmo racional, entre OTAN e a Rússia?

“A guerra é a continuação da política por outros meios”
(Carl Von Clausewitz).

It’s the economy, stupid!
(James Carville, assessor de Bill Clinton na campanha de 1992)

“Nessas condições, não há certamente mais razão para que a ideologia burguesa se jacte de seu pacifismo e sua propensão a conter os custos do militarismo. (…) Não podemos deixar o problema da necessidade de força militar sem indagarmos as causas da hostilidade capitalista à existência de um sistema socialista mundial rival. Se, como pensam alguns, essa hostilidade se baseia (…) em preconceitos e receios irracionais, como a crença laboriosamente cultivada na agressividade soviética, então seria se se julgar que (…) com o tempo, passem a predominar opiniões mais racionais. Nesse caso, a coexistência pacífica e o desarmamento poderiam ser considerados não como slogans de propaganda (…) mas como metas alcançáveis. Por outro lado, se os preconceitos e receios são, como frequentemente acontece, simples máscaras de interesses profundamente arraigados, então teríamos de avaliar as perspectivas de modo diverso”
(Paul Baran e Paul Sweezy, Capitalismo Monopolista).

Eric Hobsbawm, em seu livro Era do Extremos: o breve século XX 1914-1991, defendeu que a aliança entre EUA e Inglaterra com a URSS contra a Alemanha nazista na II Guerra, foi possível por serem, tanto o capitalismo liberal anglo-americano, como o socialismo soviético, forças herdeiras do Iluminismo, enquanto o nazismo seria uma reação histórica contrária a toda herança iluminista ocidental.[i] Isso durante a ascensão do socialismo soviético.

Mas hoje EUA e Rússia encontram-se de costas, isso mais de 30 anos após o fim da URSS, que historicamente é tido como marco da dissuasão militar entre EUA e Rússia. Como foi possível o mundo alcançar o atual estágio de distanciamento dialógico/político, mesmo racional, entre OTAN e a Rússia? Este perigosíssimo quadro geopolítico vivido nesta terceira década do séc. XXI, é um indicativo de um abandono de toda a herança Iluminista. Por quais partes e de que forma?

Tenho acompanhado com regularidade as verdadeiras aulas do professor Jeffrey Sachs no YouTube sobre o perigosíssimo desenrolar da guerra na Ucrânia e da guerra em Gaza. Tal professor deu uma guinada político-intelectual que destoa do ambiente metal hegemônico nos EUA que, literalmente, demoniza a Rússia de forma geral e acabada, e em particular seu presidente Putin. Jeffrey Sachs tem sido enfático e reincidente no chamado à mesa de negociações: tal como o presidente Lula, e as outras forças dos BRICS, Sachs tem sido peremptório na defesa do chamado à diplomacia.

Mas isso não ocorre por decisão unilateral dos EUA: pela recusa sistemática dos EUA em abrir negociações diplomáticas com o Kremlin. E por quê? Neste ponto o presente artigo pretende contribuir com o debate. Pois numa live de Jeffrey Sachs ele, literalmente, acusou o comportamento da Casa Branca, de não estabelecer diálogos políticos com o Kremlin desde 2021, como sendo um “comportamento de criança de cinco anos.”

Justíssima comparação na crítica ao o que ocorre, mas há na fala do professor Jeffrey Sachs uma profunda falha paradigmática. Qual seja? A de que há uma “falha” na diplomacia estadunidense, um “erro” de comportamento governamental, uma direção política “equivocada” da Casa Branca.

Pois o presente artigo defende que não há erro algum no direcionamento tomado pelo governo dos EUA. Há apenas uma radicalização num caminho vindo desde a Guerra do Vietnã. Qual caminho? O de que a guerra é uma necessidade econômica do capitalismo monopolista norte-americano. Afirmação esta aqui feita apoiado na obra de P. Baran e P. Sweezy, aqui indicada dentre as primeiras citações.[ii] Logo, não há um erro, mas apenas uma radicalização do que vem sendo feito desde a Guerra da Coréia: os gastos militares são o verdadeiro sangue da economia estadunidense, e não é acidental eles estarem sempre em guerra, não é uma “defesa” de um país “sempre atacado” tal situação de guerra imanente na qual EUA sempre se encontram, mas sim uma necessidade econômica para a lucratividade de seu sistema centrado em seu “complexo industrial militar”. Já indicado como uma ameaça para a própria democracia norte-americana pelo presidente republicano Dwight Eisenhower em seu farewell speech de 1961.[iii].A lista de países atacados pela OTAN, e pelos EUA em particular, é uma monstruosidade em seu gigantismo, o que corrobora a teoria de Baran/Sweezy de ser a guerra uma necessidade econômica para a economia capitalista monopolista dos EUA.

Mas há uma dificuldade quase infantil das pessoas aceitarem este fato, mesmo entre pessoas da esquerda. Isso se justifica até pela ilogicidade desta trilha militarista, mesmo para a segurança do agressor: apenas sob o enfoque econômico que mostra que o estagnacionismo só é superado com guerras é que se entende a “lógica” em operação.

Contudo, isso não é bem aceito ainda. Há mesmo uma recorrente leitura dos fatos acusando que os “EUA foram derrotados no Afeganistão”, que teriam saído deste país “de forma humilhante naquele agosto de 2021…” Sendo que tal leitura é um equívoco: pois parte do princípio que os EUA algum dia pretenderam “ganhar” a guerra do Afeganistão, país que invadiram em 2003 e no qual ficaram até 2021…

Não havia um projeto de “vitória”! Não haveria uma “paz”, com reconstrução do país, com um “plano Marshall afegão”: isso nunca foi o objetivo de tal guerra! O objetivo ali era a perpetuação da guerra: a guerra como um fim em si mesma. Ponto! E eles assim conseguiram. E só saíram em 2021 porque surgiu uma guerra muito mais lucrativa para o malfadado Complexo Industrial Militar no horizonte de 2022: a guerra na Ucrânia. Senão não teriam saído! Saíram apenas para concentrar toda sua força na guerra por procuração da Ucrânia, só por isso largaram (a palavra é essa) o Afeganistão. Apenas por isso, não porque “perderam”.

Pois estamos diante de um novo modelo de guerra de saqueio: não é simplesmente o saqueio conhecido desde os tempos anteriores aos romanos antigos, que aliás continua ocorrendo (petróleo, trigo, plutônio, papoula… seguem sendo confiscados nas áreas invadidas hoje), mas é uma guerra de saqueio cujo principal saqueio vem dos custos dela, fomentado pela carne moída de humanos sendo feita de combustível para alimentar o keynesianismo militar do complexo industrial militar estadunidense (e britânico: que não está nada atrás neste modelo econômico militarista). O objetivo é o financiamento público dos custos militares em escala sempre crescente, cujos efeitos em cadeia alimentam a economia capitalista monopolista dos EUA. Logo, discussões honestas sobre “segurança” e “pacificação” tornam-se belas palavras para encher papeis esvaziados de respostas para essa esfinge histórica que sombreia o mundo em direção a uma endless war planetária.

Por isso o estranhamento do presente artigo com a relativa desconsideração deste fato nas análises do professor Jeffrey Sachs: há ótimas análises críticas dele da situação, que culminam na conclusão, aparentemente lógica, de que a política e a diplomacia seriam o melhor caminho para reparar a Paz. Mas a paz não é o objetivo de uma estrutura política que, como já havia alertado Eisenhower, realmente mostra-se sequestrada “by the owners of the means of mass destruction over the owners of the means of mass production”.[iv]

Da República ao Império

O governo dos EUA é o que mais invadiu outros países do mundo ao longo da história mundial. Para fundamentar tal fato divulga-se aqui um relatório oficial do Congresso dos EUA, de 2022, elencando os países invadidos pelos EUA entre 1798 e 2022[v]. E tal marcha necrófila disparou no século XXI numa lista que desafia a lógica securitária, pois obviamente não foram guerras feitas em busca de maior segurança do país agressor:

(i) Iraque (invadido em 2003 por armas de destruição em massa que este país não tinha…); (ii) Afeganistão; (iii) Líbia (2011 o governo Obama mata o histórico presidente laico da Líbia, Muammar Gaddafi, jogando o país no caos, o que fez o país africano que tinha o maior IDH até então voltar a ter mercado de escravos, daí ocorrendo a explosão de uma crise emigratória no Mediterrâneo); (iv) Guerra por procuração na Síria desde 2011; (v) Palestina sob ocupação colonial desde 1948; (vi) Guerra civil no Sudão/ ataque ao Iêmen… E tal lista poderia seguir…

Há nessa cruzada macabra sem fim, nessa endless war, um determinismo econômico (it’s the economy, stupid!), que escapa a qualquer mínima lógica política: pois, como já afirmado, não há busca pela paz ou estabilidade nas áreas em conflito, mas há uma regressão pré-Estado, com a pletora de forças milicianas de exércitos privados e a regressão de grupos fundamentalistas religiosos (talebanização islâmica/judaica/evangélica…). Guerra gerando guerras…

Ao contrário da piada idiota que o humorista da Rede Globo, Renato Aragão, fazia nos anos 1980, eivada de auto ódio contra o Brasil, de que “a solução para o Brasil seria fazer uma guerra contra os EUA, pois assim eles depois de ganharem nos reconstruiriam, e ficaríamos ricos como a Alemanha ou o Japão…” O que a história nos confirma é que o “plano Marshall” foi uma exceção absoluta: apenas países com a possibilidade de virarem comunistas é que receberam espaço no sistema capitalista para se desenvolverem: Coréia do Sul, Japão, Taiwan (beirando a comunista China); Alemanha ocidental, bem como demais países da Europa ocidental (beirando os países do Pacto de Varsóvia).

Como bem demonstrou Getúlio Vargas, que cobrou dos EUA um “plano Marshall” para a América latina, após a II Guerra, na qual o Brasil colaborou no esforço de guerra, o Brasil teria que lutar só pelo seu “plano Marshall”, pois tal agenda desenvolvimentista era absurdamente restrita no horizonte histórico do centro do sistema capitalista: o desenvolvimento seria para poucos.

Mas essa ilusão da guerra como uma fase (e não como algo estrutural), como um caminho para uma “reconstrução”, segue no paradigma mental da maioria dos adultos infantilizados da atualidade: um exército de adultos idiotizados que seguem repetindo a ilusão boçal do humorista Renato Aragão, não importa o quanto os fatos confirmem que quando um país cai atacado pelos EUA, pela OTAN, ele provavelmente não encontrará mais a paz por algumas gerações. E muito menos qualquer desenvolvimento…

O objetivo da guerra é causar mais guerras, e impedir o desenvolvimento das áreas sob ataque. A lista de guerras sem fim, concentradas no Oriente médio norte da África, na Ucrânia, segue aumentando de forma perigosíssima, e o alarme político do professor Sachs é mais do que justificado, mas defende-se aqui que falta um maior foco no nível de importância absurda não só do complexo industrial militar, mas de toda a centralidade deste complexo como alavanca contra a estagnação de toda a economia dos EUA. Como a mídia corporativa dos EUA, sem maiores argumentos de fato securitários para defender tais guerras, já não disfarça mais que defende tais guerras para melhorar “a economia interna” dos EUA.[vi]

E toda a economia gravita impulsionada pela alavanca militarista, mesmo as Big Tech são tributárias e filhas do complexo industrial militar, não havendo área de vanguarda nos EUA que não esteja submetida a uma agenda política que busca guerras por necessidades econômicas.

Todas as tradições e linhas intelectuais em ciências políticas e relações internacionais: o realismo, o liberalismo, e até partes do marxismo, mostram-se negligentes com a centralidade da guerra como eixo econômico dos EUA contra a estagnação do capitalismo monopolista. É contra tal negligência que o presente artigo se levanta. Até que ponto o bloqueio dialógico dos EUA contra a Rússia não é uma máscara de um interesse econômico estruturante, que tomou dimensões Minotáuricas? Não há um real debate intelectual hoje, tratando das projeções históricas da atualidade, tendo como centro de análise o sequestro da política pelo interesse econômico do complexo industrial militar.

O já citado historiador marxista britânico E. Hobsbawm, na sua mesma referida obra, destaca o quanto a guerra foi central na primeira parte do que ele chamou de curto séc. XX, e o quanto ela desapareceu do centro do sistema após Hiroshima. Defende ele que as armas nucleares expulsou a guerra para o chamado Terceiro Mundo após 1945. Pois é essa “paz armada da dissuasão nuclear” que está esquentando e sendo hoje derretida pela cada vez maior agressividade ativa dos EUA.

Jeffrey Sachs tem razão em se alarmar com a desfaçatez com que a Casa Branca, desde o presidente Clinton em 1997, avançou na expansão da OTAN sobre os outrora países do Pacto de Varsóvia: tal avanço, além de ser uma quebra de palavra do ocidente com a Rússia (que com o fim de tal Pacto ouviu a “garantia” oral de que a “OTAN não iria para leste”, porém os russos não pegaram tal compromisso por escrito: falha imperdoável!), também é tal expansão da OTAN uma crescente causa de instabilidade, desequilíbrio e insegurança militar para todo o planeta, começando pela própria Europa.

O professor Jeffrey Sachs tem razão em apelar para a política, mas para acordar os povos, e as elites mais esclarecidas, para uma retomada popular sobre os Estados é preciso botar mais luz sobre as forças que nos EUA sequestraram a República: por isso a centralidade da guerra na economia estadunidense e o controle do complexo industrial militar sobre o Estado precisa ser mais entendido e estudado: só assim a Política popular poderá renascer com o necessário vigor e eficácia.

Porém a crescente alienação ticktoquiana das massas, o crescente analfabetismo estrutural, e a regressão intelectual dos jovens, cada vez mais binários neste Brave New World digital, desestimula maiores esperanças numa retomada Política das massas. O aumento da complexidade dos problemas, somado a regressão intelectual geral para entendê-los, incluída aí as elites, projetam um futuro, no mínimo, problemático. O abandono da herança Iluminista, em busca de um estudo sistemático e cumulativo, é um fenômeno de massas, com reações irracionalistas de ódio ao saber por todos os lados, é um fenômeno de massas, presente em todas as classes. O irracionalismo anti-Iluminista, que Hobsbawm acusava ser estruturante no fascismo, está cada vez mais espraiado por todo lado.

Mas uma concreta esperança contra o irracionalismo crescente é que o gigantismo da atual onda de guerras pode despertar, por pressão emocional (não intelectual) nos Povos, uma reação pacifista planetária. A ver…

Crise de transição e guerra sistêmica

Nesta campanha política pela defesa do pacifismo, a velha Europa é a porta de falência da política sob o envenenamento da OTAN: cada vez mais o “projeto europeu” tem sido sabotado pela sua estrutura militar: a OTAN. Vale lembrar que De Gaulle retirou a França da OTAN, além de ter vetado a entrada da Inglaterra (a “Plataforma 1 da Oceania”: como George Orwell denominou a Inglaterra no 1984) na União Europeia. A sapiência, nacionalismo popular, e pensamento estratégico do gaullismo estão proibidos numa Europa que hoje é sequestrada mentalmente, e caminha para se tornar um quintal colonial da “Oceania” orwelliana”, ou do que chamam de Five Eyes (EUA, Reino Unido, Canadá, Austrália, Nova Zelândia).

Tal falência civilizatória da Europa é um sinal muito perigoso do colapso da governança global: a submissão colonial/voluntária na qual se coloca a Europa, abre o caminho para a cegueira da guerra total. Mesmo com um gasoduto para abastecer com gás russo a economia alemã sendo explodido (o que configura uma ato de guerra contra a Europa e sua segurança energética), a opinião pública europeia segue idiotizada em direção a defender uma guerra que lhe destrói toda segurança energética e lhe desabastece de energia barata: em vez de trazer gás russo em dutos, os “ecológicos” europeus estão pagando muito mais caro para trazer gás líquido de navios dos EUA e Canadá, num sistema insustentável tanto logisticamente, quanto economicamente e mesmo ecologicamente!

Realmente, deveríamos estudar a Europa como um continente ocupado. Até o fim da URSS tal situação era escamoteada numa construção política em que EUA temiam a influência do outro lado, desde 1991 desenha-se um quadro de ocupação aberta do velho continente, em que as máscaras caíram, e os governos europeus trabalham para servir a economia dos EUA e CONTRA os povos da Europa.

A guerra na Ucrânia causada pela obsessão em expandir a OTAN para Kiev empurrou a Europa no precipício da guerra, do desabastecimento energético, na inflação pelo absurdo encarecimento da energia. Não é necessário seguir elencando como a guerra da Ucrânia é uma catástrofe para a Europa, o que é necessário é achar onde se encontram no velho continente as forças do pacifismo e da defesa do interesse da Europa. Os emigrantes mulçumanos, árabes e de outras partes, seguramente, mostram-se uma forte base para essa luta pela Paz mundial, uma vez que se originam, em grande parte, da região planetária mais violada pelo militarismo imperialista.

Na Europa, continente no qual a causa do pacifismo, do antimilitarismo, deveria estar muito mais dominante no debate público do que está hoje, a onda de refugiados tem sido usada pela crescente extrema direita, mas uma real campanha anti-guerra não alcançou ainda a dimensão necessária. A Itália, que fala muito “contra” os refugiados, está com o governo da Giorgia Meloni apoiando Israel na guerra de extermínio em Gaza. Ou seja, a causa maior dos refugiados, que são as guerras, não é atacada pelo governo que se diz muito preocupado com o crescimento dos refugiados. E assim ele busca combater as vítimas (os refugiados) e não a maior causa do problema (as guerras).

Tal negacionismo da realidade é geral e a opinião pública precisa, desesperadamente, recuperar a pressão da pauta política contra o sequestro econômico da política feito pelo complexo industrial militar. A estatização de tal complexo, em todos os países, era um primeiro passo vital, para o qual uma campanha mundial é urgente!

Este artigo defende iluminar a desproporção da força do complexo industrial militar no atual momento crítico planetário e como o foco neste ponto é necessário para a compreensão da real gravidade da situação e assim, tentar-se um maior chamamento público para a pauta da Paz. A guerra na Ucrânia caminha para uma “solução coreana”, em que a paz ocorra num clima de longo cessar-fogo, pois a Rússia já alcançou seus objetivos. Mas a endless war de Israel contra o ocupado povo palestino caminha para uma solução final macabra por parte do estado sionista.

E isso com um alastramento da guerra para: Líbano, Síria, Iraque, Iêmen e até Irã… Tanto Israel como EUA e britânicos buscam tal conflagração total no oriente médio. Caso tal catástrofe ocorra, as consequências são incalculáveis, sendo possível que a guerra de extermínio começada em Gaza vire sim uma “nova Saravejo” e o mundo desabe numa terceira guerra mundial.

As transições entre lideranças de ciclos sistêmicos do capitalismo histórico, como ensinou Giovanni Arrighi, sempre se fazem por décadas de guerras: de genoveses para holandeses (guerras dos 30 anos 1618-1648); de holandeses para ingleses (guerras napoleônicas 1792-1815); dos ingleses para americanos (I e II Guerras mundiais: 1914-1918/1939-1945)… Logo, não poderíamos esperar que a ascensão chinesa fosse recebida de forma distinta: a ascensão da China como potência econômica é um desafio para o qual os EUA não esperarão pacificamente o andamento econômico do quadro, e contra o qual lutarão de todas as formas. O que não se sabia, mas parece ficar cada vez mais evidente, é que topam levar tal crise de transição para uma guerra total.

Cada vez mais militares e senadores comentam uma “possível guerra em Taiwan” em 2026[vii]… O que mais assusta os pacifistas do centro, como o professor Sachs, neste mundo muito similar ao pré 1914, é que a escalada da guerra (algo que parece mesmo ser inevitável…) entre potências nuclearizadas encontrará algum epílogo fora do apocalipse nuclear. Pois as guerras na periferia, como sempre ocorreram, seguem em crescente explosão, e caminham a passos largos para o centro.

A Ucrânia foi um ensaio do que deverá ocorrer em Taiwan em breve: pois os analistas militares americanos defendem que os próximos 10 anos é a última janela histórica em que uma guerra contra a China, no mar (obviamente: pois a China é ininvadível pelo seu volume demográfico) seria possível aos EUA. A guerra convencional se aproxima dos países nuclearizados: como garantir que tais armas não sejam usadas???

Realmente, a alegria pacifista da queda do muro de Berlim, com a celebração do pacifismo dissuasório, foi uma primavera de alguns anos, antes do inverno confrontacionista que se configura que será o século XXI. Apenas lembremos que que no séc. XIX enquanto a Inglaterra era a potência hegemônica que se financeirizava, Alemanha e EUA eram as forças industriais ascendentes. Os EUA no século XIX foi uma força de um capitalismo industrial progressista,[viii] análogo ao produtivismo industrialista que a China representa hoje.

Por mais que tenha ocorrido duas guerras da Inglaterra com a Alemanha no séc. XX, também houve uma composição desta mesma Inglaterra com os EUA. A história não está escrita nas estrelas, nem é determinada pelo passado: o passado nos guia e soluções diversas são possíveis. Como alguma composição entre a força industrial emergente com a força hegemônica tradicional. Nesta atual transição a relação EUA/China pode se assimilar mais a relação Reino Unido/EUA no séc. XX, do que a relação Reino Unido/Alemanha.

Veremos como tais forças se recompõem, mas uma ampla campanha pela Paz, pelo pacifismo, é vital para essa recomposição dos caminhos humanos, sobretudo com os Povos entendendo devidamente o peso econômico e a força da indústria da morte neste caminho político.

*Cristiano Addario de Abreu é doutor em história econômica pela USP.

Notas


[i] Hobsbawm, Eric. Era dos extremos: o breve século XX. Editora Companhia das Letras, 1995. p. 144

[ii] Baran P, Sweezy PM. Capitalismo monopolista: ensaio sobre a ordem econômica e social americana. Zahar Editores, Rio de Janeiro. 1978.

[iii] https://www.youtube.com/watch?v=mHDgsh6WPyc

[iv] Jayati Ghosh, economic professor at Jawaharlal Nehru University, New Delhi, & University of Massachusetts Amherst, USA.

[v] Informing the legislative debate since 1914. Instances of Use of United States Armed Forces Abroad, 1798-2022. Updated March 8, 2022, p. 2. Library of Congress, Congressional Research SVC, 2022. Congressional Research Service. Disponível em: https://sgp.fas.org/crs/natsec/R42738.pdf

[vi] https://www.theguardian.com/us-news/2023/sep/15/biden-economy-bidenomics-poll-republicans-democrats-independents https://www.nytimes.com/2023/09/02/us/politics/biden-economy-inflation-voters.html

[vii] https://www.usni.org/magazines/proceedings/2023/december/war-2026-phase-iii-scenario https://www.theguardian.com/world/2023/feb/02/us-general-gut-feeling-war-china-sparks-alarm-predictions

[viii] https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8137/tde-11082023-125212/pt-br.php


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