O clima e a natureza no Rio de Janeiro

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Por CHARLES DARWIN*

Trechos do livro recém-lançado “Darwin no Brasil”, organizado por Pedro Alencastro

Nuvens sobre o Corcovado

Todo mundo já ouviu falar da beleza na paisagem de Botafogo. A casa onde morei ficava logo abaixo do famoso morro do Corcovado. Dizem, com razão, que estas colinas abruptamente cônicas são características das formações que Humboldt chama de granito-gnaisse. E nada pode ser mais impressionante do que o efeito dessas enormes massas redondas de rocha nua emergindo de uma vegetação luxuriante.

Eu costumava observar as nuvens que vinham do mar e formavam um manto logo abaixo do topo do Corcovado. Esta montanha, como tantas outras quando parcialmente cobertas, parecia muito mais imponente do que sua altura real, de 700 metros. Em seus ensaios meteorológicos, John Daniell, químico e meteorologista britânico, observou que uma nuvem por vezes parece se fixar no cume de uma montanha, ainda que o vento continue a soprar sobre ela.

Aqui o mesmo fenômeno acontece, mas com aspecto um pouco diferente. Nesse caso, a nuvem claramente se enredou e passou depressa pelo topo, sem diminuir nem aumentar de tamanho. O sol estava caindo, e uma brisa suave do sul, batendo neste lado da rocha, se misturou ao ar mais frio acima. E assim o vapor se condensou. Porém, à medida que as leves grinaldas de nuvens passavam pela encosta, agora sob influência do ar mais quente no declive ao norte, elas imediatamente tornaram a se dissolver.

Chuva torrencial e rãs musicais

O clima nos meses de maio, junho e no começo do inverno era delicioso. A temperatura média, anotada às 9 horas da manhã e da noite, era de apenas 22°C. Geralmente chovia bastante, mas os ventos secos do sul logo deixavam os passeios agradáveis. Certa manhã, caíram quatro centímetros de chuva em seis horas. Com o desabar da tempestade nas matas que cercam o Corcovado, o barulho das gotas batendo nas incontáveis folhas era tão alto que se ouvia a 400 metros de distância, tal qual o estrondo de uma grande massa de água.

Ao fim dos dias de calor, era prazeroso se sentar tranquilamente no jardim e ver a tarde cair. A natureza nestes climas escolhe um coro de cantores mais humildes que os da Europa. Uma pequena rã se acomoda numa folha de grama, poucos centímetros acima da água, e entoa seu alegre coaxar. Quando várias se reúnem, elas cantam harmonicamente em diferentes notas. Tive dificuldade em apanhar um espécime dessa rã. O gênero possui pequenas ventosas na ponta dos dedos e descobri que este animal consegue subir por uma vidraça em sentido vertical.

Inúmeros pernilongos e grilos também produziam, simultaneamente, um estridente ruído ininterrupto, que, suavizado pela distância, não era de todo desagradável. Todas as noites, logo depois de anoitecer, começava este grande concerto, que tantas vezes me sentei para ouvir, até minha atenção ser desviada por algum inseto curioso que passava.

Insetos fosforescentes

Quando anoitece, os vaga-lumes surgem voando de um arbusto para outro. Numa noite escura, a luz deles pode ser vista a cerca de 200 passos de distância. É notável como em todos os diferentes tipos de insetos luminosos que observei, elaterídeos brilhantes e também animais marinhos (crustáceos, medusas, nereidas e coralinas), que a luz seja sempre de um verde bem acentuado. Todos os vaga-lumes que coletei aqui pertencem aos Lampyridae (família que inclui o vaga-lume inglês), e a maior parte dos espécimes é de Lampyris.

Descobri que esse inseto emite clarões mais brilhantes quando é irritado e, nos intervalos, seus anéis abdominais escurecem. O flash era quase simultâneo nos dois anéis, mas a princípio perceptível apenas no anel anterior. A substância luminosa é fluida e bastante grudenta. Onde a pele havia sido rasgada, pequenos pontos continuavam brilhando com ligeira cintilação enquanto as partes intactas ficavam escuras.

Ao decapitar o inseto, os anéis permaneceram com brilho interrupto, mas não tão brilhantes quanto antes, e o estímulo local com uma agulha sempre aumentava a intensidade da luz. Os anéis, numa ocasião, mantiveram suas propriedades luminosas quase 24 horas depois da morte do inseto. Diante disso, parece provável que o animal consiga apenas ocultar ou extinguir a luz por curtos intervalos e que, noutras situações, a emissão seja involuntária.

Nos caminhos de cascalho lamacento e úmido encontrei grande número de larvas desse Lampyris, que em geral se parecem com as fêmeas dos vaga-lumes ingleses. Essas larvas possuem fraco poder luminoso. Diferentemente de seus pais, ao menor toque elas se fingiam de mortas e paravam de brilhar, e nenhum estímulo conseguia produzir novas emissões de luz.

Mantive várias delas vivas por um tempo. Suas caudas são bastante singulares, pois funcionam como ventosas ou órgãos de fixação, e também como reservatórios de saliva e demais fluidos. Alimentei as larvas repetidas vezes com carne crua, e invariavelmente notei que, de tempo em tempo, a extremidade da cauda era direcionada para a boca, expelindo uma gota de fluido sobre a carne ao ser consumida. A cauda, apesar desse movimento assíduo, parece não encontrar o caminho até a boca, já que o pescoço era sempre tocado primeiro, aparentemente como um guia.

*Charles Darwin (1809-1882) foi naturalista, geólogo e biólogo. Autor entre outros livros, de A origem das espécies (Edipro).

Referência


Pedro Alencastro (org.). Darwin no Brasil. A viagem de Charles Darwin ao Brasil e suas contribuições para a teoria da evolução. Porto Alegre, Duas Aspas, 2023, 272 págs. [https://amzn.to/3VwL6F4]


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