O dia do patriota

Imagem: Joel dos Santos
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por FLAVIO AGUIAR*

Câmara de vereadores suja a história de Porto Alegre

A decisão da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, proclamando o 8 de janeiro como “O dia do patriota”, em comemoração à tentativa de golpe de Estado naquele dia nefasto e nefando deste 2023, decididamente suja, emporcalha e avacalha (com perdão dos bichos concernidos) a história da cidade. Esta é a pior Câmara de Vereadores que a cidade já teve. Para completar, o pior prefeito que a cidade já teve, este que aí está, lavou as mãos no emporcalhamento: nem assinou, nem vetou, deixou rolar, na melhor tradição de Pôncio Pilatos.

Porto Alegre tem história. Fez história. Nela cresceu o caldo de cultura libertário que fez parte da Revolução Farroupilha, com o padre Chagas, Pedro Boticário e tantos outros naquele momento em que ideias progressistas cruzavam as ruas do então modesto burgo. Retomada pelos imperiais, foi palco de uma repressão brutal e implacável.

Bem mais tarde, foi cenário de um movimento inusitado. Quando do golpe da proclamação da república, os partidários da nova ordem saíram pela cidade, rebatizando logradouros: assim a cidade se cobriu de nomes como “Rua da República” e “Praça Marechal Deodoro”, embora esta continue guardando o simpático e popular nome de “Praça da Matriz”, por sobre os conflitos políticos.

Em Porto Alegre, para o bem e para o mal, começou a Revolução de 30, introduzindo o Brasil nos espaços da modernidade do século XX, a despeito da resistência da burguesia de outros estados, como a de São Paulo, que, no fundo, não desejava que o Brasil se industrializasse de verdade nem que desfrutasse de uma classe trabalhadora urbana e ativa.

Porto Alegre teve prefeitos conservadores ilustrados, como Loureiro da Silva, e progressistas, como Leonel Brizola. Este, quando governador do estado, desenhou a primeira reforma agrária efetiva do país.

Foi palco da primeira resistência bem sucedida a um golpe militar e reacionário, com a formação da Rede da Legalidade, em 1961, com a liderança do mesmo Leonel Brizola.

Foi a última capital da resistência a cair sob o tacão do golpe de 1964. Foi a capital de estado onde nasceram os movimentos ecológicos no Brasil, em 1972, com a defesa das árvores da avenida João Pessoa, em frente à Faculdade de Direito.

Posteriormente, foi sede de prefeituras progressistas que introduziram o Orçamento Participativo no contexto político brasileiro, receberaram reconhecimento e prêmios internacionais, e abriram o espaço da cidade para a criação do Fórum Social Mundial, quando recebeu o título informal de “capital do século XXI”.

Há mais para citar. Mas isto basta para mostrar no quanto de história esta decisão idiota da Câmara de vereadores e a omissão pôncio-pilática do atual prefeito estão cuspindo, consagrando a transformação em 8/1/23 da Praça dos Três Poderes em Brasília na latrina dos movimentos da extrema direita golpista, anti-democrática, estúpida, violenta e quantos outros adjetivos se possa imaginar.

Antigamente a gente dizia: “não passarão”. Hoje, seguindo a lição de Mario Quintana, dizemos: “eles passarão. Nós, passarinho”.

*Flávio Aguiar, jornalista e escritor, é professor aposentado de literatura brasileira na USP. Autor, entre outros livros, de Crônicas do mundo ao revés (Boitempo).


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • A colonização da filosofiamar estacas 14/11/2024 Por ÉRICO ANDRADE: A filosofia que não reconhece o terreno onde pisa corrobora o alcance colonial dos seus conceitos
  • O entretenimento como religiãomóveis antigos máquina de escrever televisão 18/11/2024 Por EUGÊNIO BUCCI: Quando fala a língua do rádio, da TV ou da Internet, uma agremiação mística se converte à cosmogonia barata do rádio, da televisão e da internet
  • Antonio Candido, anotações subliminaresantonio candido 16/11/2024 Por VINÍCIUS MADUREIRA MAIA: Comentários sobre os mais de setenta cadernos de notas feitos por Antonio Candido
  • Os concursos na USPMúsica Arquitetura 17/11/2024 Por LINCOLN SECCO: A judicialização de concursos públicos de docentes na USP não é uma novidade, mas tende a crescer por uma série de razões que deveriam preocupar a comunidade universitária
  • A execução extrajudicial de Sílvio Almeidaqueima de livros 11/11/2024 Por MÁRIO MAESTRI: A denúncia foi patrocinada por uma ONG de raiz estadunidense, o que é paradoxal, devido à autoridade e status oficial e público da ministra da Igualdade Racial
  • O veto à Venezuela nos BRICSMÁQUINAS FOTOGRÁFICAS 19/11/2024 Por GIOVANNI MESQUITA: Qual seria o maior desaforo ao imperialismo, colocar a Venezuela nos BRICS ou criar os BRICS?
  • Balanço da esquerda no final de 2024Renato Janine Ribeiro 19/11/2024 Por RENATO JANINE RIBEIRO: A realidade impõe desde já entender que o campo da esquerda, especialmente o PT, não tem alternativa a não ser o nome de Luiz Inácio Lula da Silva para 2026
  • A falácia das “metodologias ativas”sala de aula 23/10/2024 Por MÁRCIO ALESSANDRO DE OLIVEIRA: A pedagogia moderna, que é totalitária, não questiona nada, e trata com desdém e crueldade quem a questiona. Por isso mesmo deve ser combatida
  • Notas sobre a disputa em São Paulogilberto maringoni 18/11/2024 Por GILBERTO MARINGONI: É preciso recuperar a rebeldia da esquerda. Se alguém chegasse de Marte e fosse acompanhar um debate de TV, seria difícil dizer quem seria o candidato de esquerda, ou de oposição
  • O perde-ganha eleitoralJean-Marc-von-der-Weid3 17/11/2024 Por JEAN MARC VON DER WEID: Quem acreditou numa vitória da esquerda nas eleições de 2024 estava vivendo no mundo das fadas e dos elfos

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES