Talvez o homem confinado possa descobrir, nos dias de hoje, que sair da lógica produtiva, patriarcal e machista gera mudanças importantes e positivas em sua vida e nas pessoas à sua volta
Por Paola Ruiz-Huerta*
O que acontecerá com os homens durante este período de clausura e confinamento? Como viverão 24 horas por dia no espaço doméstico, aquele espaço privado e feminino, tão insultado pelo patriarcado e tão ameaçador à sua masculinidade? Como se sentirão ao se saberem menos produtivos? Como se sentirão aqueles que perderam o atributo de identidade que é seu trabalho? Como vão gerenciar suas emoções: medo, incerteza, frustração, raiva …?
Como afetarão a sua identidade os dias de confinamento em que é tão difícil ser ativo, racional e autônomo, os principais mandatos que determinam a masculinidade, segundo o sociólogo Antonio García? É possível que essa situação favoreça que alguns adotem posições mais dominantes e aumentem sua agressividade e violência para se sentirem mais masculinos e recuperarem o que Dona Haraway chama de mais-valia de gênero?
Penso nas mulheres, e no que isso significa para elas e para a família, a presença do homem o dia todo em casa. Penso nas mulheres que acompanho como psicóloga há muito tempo, para as quais a casa não é um lar e o risco que essa convivência possa implicar para elas. Penso nas mulheres que convivem com seus agressores: casais dominantes, controladores e violentos, homens que atacam em silêncio, que forçam suas parceiras a ter relações sexuais, pais ou parentes que as abusam sexualmente, que as humilham e faz com que elas se sintam como um trapo, bem como a seus filhos. O confinamento é um terreno fértil para a violência machista e, para muitas mulheres e crianças, o perigo aumenta nos dias de hoje.
Ontem, em Castellón, um homem assassinou uma mulher. É o trigésimo homem que assassina uma mulher até agora neste ano, de acordo com a atualização mais recente da plataforma Feminicidio.net. Outro, em Sevilha, ontem tentou cortar o pescoço de sua parceira quando esta disse que o deixaria.
A construção da subjetividade masculina é baseada na dominação, na crueldade e na falta de empatia. A subordinação, a complacência e o agrado são atributos determinantes do “feminino”. E é sobre essa ordem mental em ambos os gêneros que devemos refletir, a fim de desconstruí-la.
Por esse motivo, também quero pensar em como o desconforto que esse confinamento produz para o gênero masculino pode ser uma oportunidade para os homens refletirem, se envolverem com o feminismo e fazerem um processo de transformação de suas vidas e das relações de gênero, que tenha consequente impacto social.
O feminismo é essencial e positivo para todas as pessoas: também para os homens. Liberta-os dessa rígida fragilidade e do fardo que supõe ter que liderar, competir e dominar o tempo todo. Embora, sem perder de vista que os homens do Patriarcado têm a posição privilegiada e dominante: o patriarcado oprime os homens, mas sufoca e mata as mulheres.
A partir da ideia de Elisabeth Badinter de que a masculinidade é construída em oposição a três grupos (mulheres, crianças e homossexuais), agora é a hora de mudar o paradigma masculino e fazê-lo operar de outra maneira. Para desenvolver, na privacidade da casa, habilidades que lhe permita ser o homem que quiser ser, se estiver disposto a perder privilégios. Ou para ser, talvez, “menos homem”.
Estas são algumas propostas que me parecem imprescindíveis para uma mudança radical nas relações de gênero e no sistema patriarcal. E que neste período de confinamento obrigatório os homens podem exercitar:
–Tomar parte nos cuidados. É hora de ver a quantidade de coisas que precisam ser feitas em uma casa e entender que o cuidado é responsabilidade de todos. Cuidados doméstico e emocional. Dê a eles o valor que merecem e a necessidade de colocá-los no centro da vida. Preste atenção nas pessoas com quem você mora. Também cuide dos pais, irmãos, amigos. Diga que sente falta deles. Que você os quer.
–Desenvolva a escuta. A empatia. Coloque-se no lugar da outra pessoa tentando realmente entender o que ela quer dizer. Ouça em silêncio, tentando não dar conselhos nem “resolver vidas”. Além disso, ouvir sem nenhum interesse sexual ou de qualquer outra índole, e sem interditar, a priori, a possibilidade de aprender com outra pessoa.
–Responsabilize-se por emoções e necessidades. Nestes dias, muitas emoções vão surgir e você tem que aceitar qualquer sentimento sem lutar contra. Conecte-se com sua própria vulnerabilidade, reconheça o sofrimento e cuide dele. Pode ser um bom momento para ligar para um amigo e compartilhar a ansiedade e a fragilidade.
–Descubra a ternura: outra sexualidade é possível. Desconstruir a sexualidade patriarcal, a erotização da dominação e da violência e erotizar a empatia, o cuidado e a gentileza. Talvez seja a hora de experimentar outras formas de prazer, de explorar, sem pressa, novas maneiras de se relacionar com seu próprio corpo e o de sua parceira ou parceiro. Rompa com a hierarquia de prazeres que nos ensina que existem alguns superiores, como a relação sexual e o orgasmo, e outros inferiores. Gaste mais tempo com carícias, ternura e ousadia para experimentar novas sensações. Vamos ver o que acontece.
Talvez o homem confinado possa descobrir, nos dias correntes, que sair da lógica produtiva, patriarcal e machista gera mudanças importantes e positivas em sua vida e nas pessoas à sua volta. Mudar o pequeno mundo de cada um é a única forma de mudar o mundo. E somente através da conscientização, do questionamento, da responsabilidade e da renúncia aos privilégios que esse sistema concede aos homens, pelo fato de nascerem homens, é que podemos acabar com esse vírus que é patriarcado.
*Paola Ruiz-Huerta é Psicóloga, sexóloga, especialista em género e ativista feminista espanhola
Traduzido por Ricardo Kobayaski
Publicado originalmente em Eldiario.es (https://www.eldiario.es/tribunaabierta/hombre-confinado_6_1008659143.html)