Por LUÍS FERNANDO VITAGLIANO*
Alguns sinais já indicam que o PT segue na fórmula de esgotamento
Normalmente, no Brasil, os partidos políticos, tal qual produtos, tem um “ciclo de vida” espelhado na noção biológica das pessoas: nascem, crescem, estagnam, envelhecem e morrem. Alguns deixam frutos, outros não fazem questão. Para o caso dos partidos políticos em específico, o “ciclo” pode ocorrer em um tempo geracional. Nas Repúblicas latino-americanas, às vezes os partidos duram 50, 60 ou 70 anos a depender do contexto político.
Mas são diferentes os casos dos europeus, onde a longevidade é secular. O Labour Party inglês foi criado no final do século XIX. Nos EUA, outro exemplo, os partidos republicano e democrata datam do século XVIII e XIX. Enfim, na origem os partidos entrelaçam-se de forma concatenada com a democracia dos países ocidentais. Já como característica do sistema político brasileiro, os partidos são ferramentas que sequer sustentam a democracia; grosso modo: aqui, os partidos servem aos políticos, lá os políticos devem servir ao sistema democrático que coloca os partidos em posição de centralidade.
Alguns dos partidos da Nova República buscaram sem sucesso fugir ao “ciclo de vida” que assola o sistema político brasileiro. Para ganhar tempo e rejuvenescer, tentaram mudar de nome ou fizeram fusões, como o PMDB, o PSDB, o PFL ou o PDS, mas não saíram incólume das armadilhas da história. A suposta exceção a essas regularidades históricas latinas foi o PT no Brasil. Suposta porque havia uma expectativa que o partido fugisse à regra de derrocada ao surgir no cenário político como ferramenta de um ideal de transformação.
Forjado da classe trabalhadora, do novo sindicalismo, do grito dos oprimidos e do retorno do exílio de intelectuais, juntos formaram uma base que reascendeu a esperança por uma política renovada, vocacionada e pela necessidade de mudança. Expectativas se firmaram antes, em alguma medida com o PMDB, mas o PT não tinha vinculo institucional ou com representantes de mandatos vindos da ditadura. Significou algo novo e se diferenciava como partido com vinculo com movimentos sociais e sindicatos e a preocupação com representação direta e a política participativa. Então, cabe-nos problematizar claramente se o PT conseguirá fugir a essa sina de derrocada?
Alguns sinais já indicam que o PT segue na fórmula de esgotamento, concretamente apresentando sinais de rusgas, mesmo depois de sua suis generis ascensão política. Por exemplo: é típico dos partidos que consigam, enquanto novidade, uma representação forte em cidades grandes, geralmente em capitais. Os principais partidos brasileiros passaram a exercer mais poder depois que conseguiram governar as principais cidades do país. Isso os permitiu governar estados populosos e eleger grande número de parlamentares. Como diferenças mais ou menos significativas, aconteceu com PFL, com o PMDB, com o PSDB e, por último, com o PT.
Todos partidos que se nacionalizaram e ganharam espaço para governar o país. Porém, depois de alguns insucessos, perderam representatividade, passaram a governar cidade menores, primeiro de médio porte e depois conseguiram se manter governando cidades pequenas com representação apagada ou cedendo a sigla a aventureiros que não tinham trajetória política, mas chances grandes de se eleger.
O PT venceu e governou grandes cidades. Elegeu bancadas robustas. Em Minas Gerais, por exemplo, veja: governou cidades importantes no Vale do Aço, depois chegou a capital Belo Horizonte e, finalmente fez o governador. Com isso veio uma grande bancada. Deputados estaduais e federais. Mas, começou a queda. Saiu do governo, reduziu a bancada, foi incapaz de manter as grandes cidades e agora amarga o governo de cidades menores com uma exceção em Juiz de Fora e outra em Contagem; sem a menor perspectiva de em curto prazo voltar a governar a capital ou o estado. De forma assíncrona, o que se observa em termos subnacionais ocorre também no âmbito nacional.
Importante observar que faz parte da trajetória dos grandes partidos e revela certo esgotamento que tendemos a perceber como regularidade sociológica do sistema partidário brasileiro e age tanto por dentro do processo como por pressões externas. A provocação deste artigo esta em discutir se o PT segue o esgotamento e a autofagia d os partidos ou se haverá espaço para aprimoramento?
Antes, porém, de trabalhar o impasse, é preciso rever dois mitos correntes a respeito do PT que merecem debate:
Em primeiro lugar, corre na imprensa inquieta e fomenta parte do senso comum a suposição de que o PT é um partido com defeitos insolúveis, vícios incorrigíveis e incapaz de autocrítica. Se fosse assim, seria fácil dizer o que PT está com seus dias contados. Mas, não é possível apontar isso ao partido mais vencedor e organizado da história da sociedade brasileira e o que mais contribui para o período mais longevo da nossa democracia sem que o contra argumento esteja escancarado.
Vencer cinco eleições presidenciais nos últimos 35 anos e ficar em segundo lugar em outras quatro coloca o PT como sujeito histórico relevante, assim como protagonista da Nova República e desabilita qualquer interlocutor em apontar falhas capitais. Se o critério a respeito do sucesso é vitória, fez mais coisas certas que erradas, pois esteve no segundo turno em todas as eleições em que houve essa rodada (sete, de nove ultimas eleições), venceu cinco dessas e nas duas eleições em que não houve segundo turno esteve em segundo lugar nos dois casos. Só um partido forte, com comunicação pujante e capacidade de organização pode apresentar esse desempenho. Mesmo com todo o debate interno e externo, os resultados são inequívocos de sucesso.
E, sim! A função primordial de um partido político é a conquista do poder político. É para isso que nascem e esta é sua função. Em democracias liberais isso passa por vencer eleições e fornecer sustentação politica para seus quadros governarem. Vencer as eleições e formar governo não é o único, mas é o melhor indicador de que o Partido tem exercido seu papel.
Em segundo lugar, é preciso descartar que o PT não está imune a defeitos característicos da sociedade brasileira – a despeito do que muitos militantes teimam em negar. O fato de haver reflexão sobre vícios sociais e até esforços de projetos e políticas públicas para enfrenta-los, não significa que há êxito interno e externo no combate a algumas barbaridades que nos assola. Enquanto partido, o PT tem que enfrentar racismo, machismo, clientelismo, nepotismo (só para ficar em algumas questões relevantes) também internamente.
E tem insucessos escandalosos. Características que fazem da sociedade brasileira de difícil trato e estão enraizadas na nossa cultura política invadem por todos os poros de qualquer instituição. O PT tem influência direta na sociedade brasileira e precisa reconhecer também que a sociedade brasileira perpassa suas práticas e é a base na qual se forma; isso tem como consequência direta e inevitável vícios inerentes que afetam sua pratica cotidiana como a burocratização clientelista.
Max Weber falava da “jaula de ferro” que a racionalização característica da modernidade provocava e gera a burocratização de uma sociedade. A burocratização é elemento externo que captura o sistema político pelos partidos profissionais como parte de processo mais amplo. O PT não está imune a esse diagnóstico. Pelo contrário, está embebedado por uma burocracia forte ala brasileira que aprisiona parte de suas estruturas engole cargos estratégicos e distancia da representatividade espontânea das massas sociais. Não há duvidas de que a burocracia partidária do petismo se impõe cotidianamente a militância espontânea e causa distorções.
Todas essas análises são importantes apenas se no PT houver aprendizado. Ele existe, mas não é organizado nem sistemático. Ocorre, mas principalmente nas derrotas. É fato que o PT aprendeu e se adaptou com as derrotas, e também é evidente que tem dificuldades de aprendizado com as vitórias. Recentemente, minha preocupação é que, nem mesmo as derrotas parecem ter sido pedagógicas. Isso significa que o partido tem repetido vícios que o fazem encolher, com decisões mesquinhas; fruto de uma constelação de causas que certamente inclui a burocratização das estruturas.
O processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff e os fatos que sucederam esse evento histórico foram mal digeridos pelo partido. A vitimização (mas não só) impediu que problemas fossem expostos e que erros fossem avaliados. É compreensível que isso aconteça, mas com custos muito altos. Em geral, quando um processo como foi o golpe de 2016 acontece, independente de estar certo ou errado, o partido é punido pelos eleitores com por 15 ou 20 anos de rejeição – que na contagem eleitoral é de 3 ou 4 ciclos. Mas, então, veio Jair Bolsonaro com sua inábil formar de agir, que permitiu a Lula reassumir o comando e recolocar o PT no governo.
Enfim, quer queiram, quer não seus críticos, a história deu ao PT deu uma segunda chance – o que geralmente não ocorre. E isso abre possibilidades: o acidente histórico pode impedir a derrocada anunciada do partido e evitar que o “ciclo de vida” caraterístico do sistema partidário brasileiro o atinja; ou, numa segunda hipótese: vai apenas adiar o inevitável e a manutenção da presidência pelo tempo que durar não vai impedir, mas apenas amenizar a trajetória de queda do partido em termos de representação.
Qual caminho a história seguirá? Há de considerar muitas variáveis para responder essa pergunta de forma razoável. Mas uma variável fundamental para essa conta é o próprio PT: vai depender da forma com que o partido absorve os acontecimentos, aprende com acertos e erros e reage ao processo na sua estrutura de tomada de decisão. Se o PT mantiver seu processo decisório, seus mecanismos internos e uma burocracia envelhecida à frente, vai também manter decisões que o levaram as derrotas recentes. Mas, se institucionalizar o processo de aprendizado institucional, talvez tenha capacidade de se reconectar com o sistema de representação social.
Muitas instituições públicas e privadas têm desenvolvido um sistema de aprendizado organizacional. Isso já não é novidade no mundo das organizações. A percepção de que empresas, negócios, governos enfrentam um “ciclo de vida” e acabam é antiga. Depois de estudos que demonstraram que a média de “vida” de grandes empresas é menor que um século e que elas não conseguiam se mantiver no topo por muito tempo, veio uma série de inovações no processo organizacional que permitiu mudar a forma com que essas empresas funcionavam e isso afetou a realidade. Departamentos de aprendizado organizacional alinhados a analises sofisticadas de cenários e planejamento são desenvolvidas para que executivos tomem decisões mais racionais com objetivos de dar longevidade a sua organização.
Finalmente, é preciso lembrar que, ao contrário do que enxergam os desavisados, em vários momentos da sua história o PT também fez mudanças típicas do aprendizado organizacional, quando reviu ações que levaram a erros e reformulou suas posições, foi capaz de superar armadilhas, mas isso ocorreu de modo espontâneo e alçado por voluntarismos de muitos dos seus quadros que eram maiores que a burocracia, por sua relevância histórica.
Porém, hoje o PT encontra-se em um período crítico e a burocracia exerce liderança maior que quadros em potencial e, para que o aprendizado organizacional ocorra, será preciso incorporar a ação ao processo decisório partidário e enfrentar o engessamento dos quadros, o que não é absurdamente nada fácil.
Além disso, ao fornecer quadros ao governo, fica ainda mais vulnerável. Mas se o governo está diretamente ligado ao partido e os desafios que o partido vai enfrentar passam por sua própria articulador política e sustentação da governabilidade. Como sabemos, o PT já fez isso algumas vezes, mas se continuar sem aprender, deve ter cada vez menos chances.
A necessidade de ampliar o quadro de governo incorporando aliados, ou supostos aliados. Parte deles quer apenas se beneficiar dos laços de poder. Foi assim no inicio do século com a vitória do primeiro governo Lula: surgiu o fenômeno do neopetismo ou neopetista: um movimento de novos filiados que incluía autoridades como prefeitos e deputados e até candidatos a ministro do STF, como também profissionais e militantes à caça de cargos e recursos.
Foram tempos turvos, uma onda que era difícil de entender. Porem, só se percebeu que foi dado espaço demais a oportunistas e sabotadores anos depois. Muitos não eram aliados, amigos ou próximos, mas apenas aproveitadores de plantão. Foi um diagnóstico tardio e já inócuo. Mas esse diagnóstico e o aprendizado com a experiência são importantes para hoje, para não repetir erros. No Lula III o neopestista volta com a alcunha da “frente ampla”.
Nessa salada tem novidades boas e armadilhas baratas, com a experiência passada é importante distinguir o joio do trigo. Sem grandes filtros que determinam e dialogam sobre qual espaço cada aliado novo e de ocasião vai ocupar o governo padece. A partir da preocupação com o aprendizado, depois do primeiro tombo se faz um plano de contingência que coloca tapetes emborrachos em caminho com casca de banana.
Outro elo frágil da nossa governabilidade é a economia. No segundo governo Dilma, a presença de extraterrestres contracionistas e reformas que sufocavam as classes populares levaram ao descontentamento social crescente e rápido. A fórmula de apertar o cerco no início do governo para soltar depois é típica do século XX, onde a TV era um veículo que regulava expectativas. Os especialistas em marketing político falavam na gordura de popularidade acumulada com o início do governo que permitia ser queimada com ações impopulares mas necessárias. Hoje, dois twitters mal redigidos e uma gafe que tenha consequências no bolso do trabalhador faz muito barulho nas redes sociais e tira capital político numa velocidade irreconhecível, podendo levar ao ponto de não mais retorno de apoio ao governo e criar uma crise política irreversível.
Em política, a gestão do tempo é o recurso mais importante que se pode fazer uso. Apertar no tempo errado ou corrigir depois que o prejuízo já foi dado já derrubou mais governos que a baioneta. E os tempos mudam: o tempo dos mecanismos analógicos não é o tempo da comunicação digital.
Por ultimo é preciso falar das reformas. Houve sempre por parte do PT um compromisso por não reformar as reformas. Coisa muito brasileira. Não vamos reformar a reforma trabalhista, nem a reforma da educação ou as privatizações de elementos estratégicos do desenvolvimento. Ao recuperar programas que foram importantes há 20 anos o Partido e o governo dão sinais de ausência de aprendizado organizacional, de que as análises e, portanto, a instituição partidária carece de preparo e escopo. É sinal de que as engrenagens estão travadas e isso revela que as estruturas de tomada de decisão mais importante estão sequestradas pela burocracia estéril que impedem o desenvolvimento de novas práticas.
Não é aconselhável subestimar o PT. Mas, os indícios correm em desagravo. Existem fatos consistentes que subsidiam a hipótese de que o partido, ao não incorporar o aprendizado organizacional de forma sistemática, pode ser sugado pelo processo de falecimento. O resultado será demonstrado através do envelhecimento das estruturas petistas sem condições de dar respostas satisfatórias aos desafios contemporâneos, num continuo de derrotas eleitorais em praças relevantes.
Seguirá assim a trilha dos partidos políticos no Brasil através da curva da derrocada no trajeto para a irrelevância. O PT tem tempo e oportunidade renovada, mas o tempo corre como menino e o partido se move com demência. Se conseguir reverter o quadro inércia, será uma inédita surpresa.
*Luís Fernando Vitagliano é cientista político e professor universitário.
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