Quem não te conhece, que te compre!

Imagem: Cottonbro
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por MANUEL DOMINGOS NETO*

A longa história de golpes dos militares brasileiros

Não confio em ti, general. Proclamastes a República em nome do povo e deixastes o povo fora das urnas. Não aceitastes que mulher votasse. Excluístes os analfabetos, ou seja, quase todo mundo. Não bastasse, continuastes açoitando negros nos quarteis.

Falas em nome do povo, mas morres de medo do voto popular. Na República Velha, inventastes de salvar estados cujos governantes eleitos não te agradavam.

Depois, defendestes o voto secreto dizendo que todos os males advinham do sistema eleitoral. Derrubastes o presidente eleito, mudastes o sistema político e, por pressão, aceitastes o voto da mulher. Mas persististes deixando o povo longe das urnas.

Achando pouco, inventastes mentira deslavada para impor uma ditadura e negar a manifestação da vontade coletiva. Empurrastes goela abaixo da sociedade uma Constituição copiada da Polônia fascista.

Quando não conseguistes mais manter a ditadura, destes duas opções ao povo: eleger um de farda de azul ou outro, verde-oliva. E te espantastes com a votação dos que queriam mudança social. Impusestes a clandestinidade aos que levantavam bandeiras populares.

Depois quisestes destituir um velho caudilho transformado em ídolo do povo. O homem queria um país com ciência, tecnologia, indústria e direitos sociais. Com teus aliados de sempre, atazanastes de tal forma o velho que ele se matou. Tirou de tua boca o gostinho de vê-lo injustamente preso como ladrão.

Em seguida, mais uma vez, repudiastes o veredito das urnas. Só o contragolpe de um colega sensato asseguraria posse ao eleito.

Renitente é tua sanha contra o voto. Derrubastes de novo o presidente da República e impusestes 21 anos sem eleições livres. Distribuístes porrada sem piedade! Os que te contestavam, mandavas matar ou mofar na cadeia.

Quando fostes obrigado a acatar eleições, mesmo indiretas, quebrastes a cara, teu candidato dançou.

Engolistes a seco a decisão do Constituinte de 1988 que garantiu o voto do analfabeto. Que fajutice este regime republicano que proclamastes: os mais humildes esperaram cem anos para ter direito de votar. Como tens medo de urna, general!

Os brasileiros começaram se acostumar a votar e, à sorrelfa, tramastes contra as eleições. Em conluio com malandros de paletó e juízes pequenos, articulastes a derrubada de uma mulher honesta e a prisão de um líder popular.

Exibistes tua força usando um celular. Admirável! Nem precisastes deixar a tropa de prontidão.

Finalmente, arranjastes um bufão para a cadeira presidencial. Avalizastes seu governo. E que ao babaca fossem imputados os teus desígnios, hein? Muitos imaginam candidamente que os males provêm de tua marionete atrabiliária. Mais sandices ele diga, melhor para desvincular as imagens de seu fabricante. És bom em manobras que chamas de “psicossociais”.

Mas, com esta patuscada de contestar urna eletrônica, te arriscas a estragar o resto de consideração que ainda deténs diante de alguns incautos.

O que pretendes? Arruaça, baderna? Programas a comoção social para atacares de mantenedor da lei e da ordem? Queres o país em chamas para justificar a saída da tropa às ruas? Que palhaçada! Que vontade incontida de mando!

Finges nada ter a ver com a tragédia anunciada. Há quem diga que não quebrarás a institucionalidade. Quem não te conhece, que te compre. Abandonarás o vício de vida inteira?

Segura tua alergia à vontade do povo. Contenha teu medo das urnas. Pare de bancar o falso salvador da pátria.

Cuida de tua obrigação. Prepara-te para matar estrangeiro cobiçoso e deixa o povo brasileiro, que te sustenta, escolher seu rumo!

*Manuel Domingos Neto é professor aposentado da UFC/UFF, ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED) e ex-vice-presidente do CNPq.

 

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • Um estudo do caso Ailton Krenak1974__Identidade ignorada 21/07/2024 Por MARIA SILVIA CINTRA MARTINS: Prefiro sonhar com Krenak o parentesco com a natureza e com as pedras do que embarcar na naturalização do genocídio
  • Clarice Lispector no cinemacultura a paixão segundo g.h. 22/07/2024 Por LUCIANA MOLINA: Comentário sobre três adaptações cinematográficas da obra de Clarice Lispector
  • O princípio de autodestruiçãoLeonardo Boff 25/07/2024 Por LEONARDO BOFF: Qual ciência é boa para a transformação mundial?
  • Filosofia da práxis como poiésiscultura lenora de barros 24/07/2024 Por GENILDO FERREIRA DA SILVA & JOSÉ CRISÓSTOMO DE SOUZA: Fazer filosofia é, para o Poética, fazer filosofia contemporânea, crítica e temática
  • Que horas são no relógio de guerra da OTAN?José Luís Fiori 17/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: Os ponteiros do “relógio da guerra mundial” estão se movendo de forma cada vez mais acelerada
  • Apagão digitalSergio Amadeu da Silveira 22/07/2024 Por SÉRGIO AMADEU DA SILVEIRA: A catástrofe algorítmica e a nuvem do “apagão”
  • A disputa de Taiwan e a inovação tecnológica na ChinaChina Flag 20/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: A China já é hoje a líder mundial em 37 das 44 tecnologias consideradas mais importantes para o desenvolvimento econômico e militar do futuro
  • A produção ensaística de Ailton Krenakcultura gotas transp 11/07/2024 Por FILIPE DE FREITAS GONÇALVES: Ao radicalizar sua crítica ao capitalismo, Krenak esquece de que o que está levando o mundo a seu fim é o sistema econômico e social em que vivemos e não nossa separação da natureza
  • A radicalidade da vida estéticacultura 04 20/07/2024 Por AMANDA DE ALMEIDA ROMÃO: O sentido da vida para Contardo Calligaris
  • A questão agrária no Brasil — segundo Octávio IanniJose-Raimundo-Trindade2 19/07/2024 Por JOSÉ RAIMUNDO TRINDADE: As contribuições de Ianni podem auxiliar a reformular o debate agrário brasileiro, sendo que as obras do autor nos apontam os eixos para se repensar a estrutura fundiária brasileira

PESQUISAR

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES