Rosa Luxemburgo e a Revolução

Clara Figueiredo, sem título, ensaio Filmes Vencidos_Fotografia analogica digitalizada, Moscou, 2016
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Por OSVALDO COGGIOLA*

Rosa Luxemburgo ainda está viva na memória de milhões, e na atenção cada vez maior das vanguardas culturais e políticas do mundo todo

Rosa Luxemburgo, em polonês Róża Luksemburg, nasceu a 5 de março de 1871 num vilarejo de Zamość, perto de Lublin, na Polônia. Desde muito jovem possuía um espírito livre e intelectualmente brilhante. Aos 13 anos entrou na escola secundária para mulheres em Varsóvia, onde concluiu seus estudos e iniciou sua militância política socialista. Em 1889, com 18 anos de idade, fugiu para a Suíça, evitando uma detenção iminente. Permaneceu ali por nove anos e frequentou a Universidade de Zurique juntamente com outros militantes socialistas como o russo Anatoli Lunacharsky e Leo Jogiches (seu futuro marido, por mais de quinze anos). Em 1892 se formou na Polônia o Partido Socialdemocrata da Polônia Russa e de Lituânia (PSP), com Leo Jogiches,[i] e Adolf Warski como principais dirigentes. Em 1893, Rosa Luxemburgo representou o partido no Congresso de Zurique da Segunda Internacional, mas, dois anos depois, rompeu com o PSP e, com Leo Jogiches e Julian Marchlewski fundou a “Socialdemocracia do Reino da Polônia” criticando o nacionalismo do partido, dirigido por Józef Pilsudski. Rosa defendia que a independência da Polônia só seria possível através de uma revolução nos impérios da Alemanha, Áustria e Rússia, e que o combate ao capitalismo era prioritário em relação à independência nacional.

Rosa casou-se, em abril de 1897, com Gustav Lueck, filho de um amigo alemão, a fim de conquistar a cidadania alemã e poder permanecer nesse país. O falso casamento durou cinco anos, tempo mínimo estabelecido pela legislação. Após fixar-se em Berlim, Rosa tornou-se uma figura-chave entre os socialistas europeus, militando no Partido Socialdemocrata Alemão (SPD). Escreveu obras polêmicas e defendeu uma posição voltada para a defesa da espontaneidade revolucionária do proletariado, que se manifestava, segundo ela, através das greves de massas, bem como dos conselhos operários, e tentando fixar o papel do partido revolucionário, em polêmica com a burocracia sindical e política socialdemocrata.

Em 1914 Rosa Luxemburgo criou, dentro do Partido Socialdemocrata Alemão, junto com Karl Liebknecht, Franz Mehring, Rosa Luxemburgo, Paul Levi, Ernest Meyer, Franz Mehring, Clara Zetkin, Leo Jogiches e outros, a Spartakusbund (Liga Spartacus), orientado por “Princípios Diretores” redigidos por Rosa. Devido à posição contra a Primeira Guerra Mundial do Spartakusbund, Rosa Luxemburgo, Liebknecht e outros espartacistas foram detidos até o final da guerra, quando o governo de Max von Baden outorgou uma anistia política. A Liga convergiu com uma fração do Partido Socialdemocrata Independente (USPD) na criação do KPD (Partido Comunista da Alemanha). O governo do socialdemocrata Friedrich Ebert, em janeiro de 1919, passou a perseguir, deter e eliminar os espartacistas, nessa altura já organizados no KPD. Rosa foi assassinada pelos Corpos Francos (Freikorps) do exército, a mando do ministro socialdemocrata Noske, em janeiro de 1919.Leo Jogiches foi assassinado na prisão em 10 de março de 1919, um mês após o assassinato de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, que ele investigou e denunciou publicamente como obra do conluio entre a socialdemocracia e o Estado Maior do exército alemão.

Militante 100% internacionalista, a atividade política de Rosa se desenvolveu principalmente na Alemanha e na Polônia, mas, desde bem cedo, teve também a Rússia no centro de suas preocupações (a Polônia, por outro lado, era parte do Império dos czares) e se vinculou profundamente aos revolucionários russos no marco da Internacional Socialista, inclusive de modo crítico: “Coube à socialdemocracia russa uma tarefa singular e sem precedentes na história do socialismo: criar, num Estado absolutista, uma tática socialdemocrata baseada na luta de classes proletária”.

Rosa tornou-se politicamente notória no âmbito socialista internacional com sua polêmica contra o revisionismo, no último lustro do século XIX. Na Internacional Socialista, a partir de 1896 ganhou corpo a partir da Alemanha a corrente liderada por Eduard Bernstein, que propunha uma revisão dos pontos básicos do marxismo. Bernstein (1850-1932) foi o primeiro revisionista da teoria marxista, pondo em causa diversas teses: a doutrina do materialismo histórico, ao considerar que haveria outros fatores, além dos materiais/econômicos, que determinariam os fenômenos sociais; atacou a dialética por não conseguir explicar as mudanças em organismos complexos, como as sociedades humanas; a teoria do valor, ao considerar que aquele vem da utilidade das mercadorias, teoria defendida pelos economistas neoclássicos. Pôs também em causa a inevitabilidade da concentração capitalista e o empobrecimento crescente do proletariado. Portanto, atacou a ideia da inevitabilidade histórica do socialismo por motivos econômicos: o socialismo chegaria mais tarde ou mais cedo, mas por motivos morais, por ser o sistema político mais justo e solidário. E atacou a ideia da existência de apenas duas classes sociais, uma opressora e uma oprimida, reivindicando a existência de várias classes intermediárias interligadas e de um interesse nacional superior a todas elas. Em alternativa às teses que criticava, Bernstein defendia a melhora gradual e constante das condições de vida dos trabalhadores (dar-lhes os meios para ascender até a classe média), tinha dúvidas quanto à necessidade de nacionalizações de empresas e recusava a violência revolucionária.

Defendendo uma “volta a Kant”, Bernstein afirmou, sobre o método dialético: “Constitui o que há de traidor na doutrina marxista, a cilada que se coloca à frente de toda observação consequente das coisas”. Segundo Bernstein, o avanço do capitalismo não estava levando a um aprofundamento das diferenças entre as classes; o sistema capitalista não iria entrar nas crises sucessivas que o destruiriam e abririam caminho ao socialismo, previstas por Marx; a democracia política permitiria que os partidos operários conseguissem todas as reformas necessárias para assegurar o bem-estar dos trabalhadores, sem necessidade de uma ditadura do proletariado. A conquista de uma legislação social avançada para a época, e de um nível considerável de liberdades políticas, fizeram progredir no SPD os chamados “revisionistas”, que argumentavam que os operários se haviam tornado cidadãos plenos: através do voto eles conquistariam a maioria do parlamento, e através de uma nova legislação reformariam e superariam, gradual e pacificamente, o capitalismo.

As opiniões de Bernstein, apresentadas com detalhamento em Socialismo Teórico e Socialismo Prático,[ii] porém, não iam muito além da constatação da melhora da situação econômica da classe operária metropolitana e do caráter mais complexo da dominação política burguesa através de métodos democráticos. Essas ideias eram fortes no interior do partido, sobretudo entre as lideranças sindicais. Em Reforma ou Revolução Social, publicado em 1900, Rosa Luxemburgo constatou: “Se as diversas correntes do oportunismo prático são um fenômeno naturalíssimo, explicável pelas condições da nossa luta e pelo crescimento do nosso movimento, a teoria de Bernstein é, por outro lado, uma tentativa não menos natural para reunir essas correntes numa expressão teórica que lhe seja própria e entre em guerra com o socialismo científico”.[iii]

A resposta “ortodoxa” de Kautsky a Bernstein explorou suas fraquezas mais evidentes. Rosa Luxemburgo, em Reforma ou Revolução Social?, fez uma crítica bem mais contundente, explorando a pobreza intelectual e o espírito pequeno burguês e burocrático do revisionismo, dando expressão a uma indignação moral diante da autossuficiência intelectual bernsteiniana. Bernstein lançara seus golpes contra a “ortodoxia marxista” em uma série de artigos publicados na revista teórica do Partido, Die Neue Zeit, entre 1896 e 1897. Embora estes artigos causassem indignação na ala esquerda do Partido, não houve nenhuma réplica séria e Kautsky, o “esquerdista” que editava Neue Zeit, chegou a agradecer a Bernstein por sua “contribuição” ao debate. A ala direita ficou encorajada e uma tendência revisionista foi organizada em torno do jornal Sozialistische Monatshefte (lançado em janeiro de 1897).

O Partido Socialdemocrata Alemão servia de modelo para os Países Baixos, Finlândia, os países escandinavos, Áustria, e tinha um modelo organizador bastante dinâmico; também se impunha pela disciplina e pelo progresso eleitoral; era capaz de aceitar no seu quadro a corrente reformista de Bernstein e a revolucionária de Rosa Luxemburgo, impondo a mesma disciplina ao seu quadro de militantes; o partido emergiu da ilegalidade com uns 100-150 mil membros e cresceu constantemente através dos anos 1890 tanto em filiações quanto em votos. O rápido crescimento também trouxe novos problemas na forma de crescentes pressões da sociedade burguesa. Embora, em nível nacional, eles estivessem excluídos de toda participação no governo, em nível estadual, particularmente no Sul, o partido foi convidado a apoiar os liberais no governo. Esta foi uma tentativa deliberada para fazer o SPD assumir responsabilidades pelo funcionamento da sociedade capitalista, para incorporar o partido no regime depois do fracasso da repressão contra ele. Em 1905, o SPD tinha 385 mil membros e 27% do eleitorado. A imprensa do partido tinha um público enorme, com 90 jornais e revistas com uma circulação de 1,4 milhões de exemplares em 1913. O partido e sua imprensa tinham cerca de 3,5 mil funcionários em tempo integral, aos quais devem ser adicionados mais de três mil funcionários sindicais.

Na Rússia, a atividade socialista se desenvolvia na ilegalidade e em condições fortemente repressivas. Em Que Fazer?, texto de 1902, Lênin expunha a situação do movimento operário e socialista russo (a tendência revolucionária e combativa do proletariado, a dispersão dos núcleos socialistas) e propunha a criação de uma organização de revolucionários profissionais, conspirativa e centralizada, que fosse ao mesmo tempo uma organização operária, com ampla margem para o debate interno, mas com plena unidade de ação, uma organização baseada no centralismo democrático. Em 1904, Rosa Luxemburgo criticou o “ultracentralismo” leninista afirmando: “Não é partindo da disciplina nele inculcada pelo Estado capitalista, com a mera transferência da batuta da mão da burguesia para a de um Comitê Central socialdemocrata, mas pela quebra, pela extinção desse espírito de disciplina servil, que o proletariado pode ser educado para a nova disciplina, a autodisciplina voluntária da socialdemocracia”. Acrescentando que “o ultra centralismo preconizado por Lênin parece-nos, em toda a sua essência, ser portador, não de um espírito positivo e criador, mas do espírito estéril do guarda noturno. Sua preocupação consiste, sobretudo, em controlar a atividade partidária e não em fecundá-la, em restringir o movimento e não em desenvolvê-lo, em importuná-lo e não em unificá-lo.

“O livro do camarada Lênin, um dos mais destacados dirigentes e militantes da Iskra, na sua campanha preparatória antes do congresso russo, é a exposição sistemática do ponto de vista da tendência ultracentralista do partido russo. A concepção que aqui se expressa de maneira penetrante e exaustiva é a de um implacável centralismo. O princípio vital deste centralismo consiste, por um lado, em salientar fortemente a separação entre os grupos organizados de revolucionários declarados, ativos, e o meio desorganizado – ainda que revolucionário e ativo – que os cerca. Por outro lado, consiste na rigorosa disciplina e na interferência direta, decisiva e determinante das autoridades centrais em todas as manifestações vitais das organizações locais do partido. Basta observar que, segundo esta concepção, o Comitê Central tem, por exemplo, o direito de organizar todos os comitês parciais do partido e, por conseguinte, também o de determinar a composição pessoal de cada uma das organizações locais russas”.[iv] Lênin respondeu às críticas,[v] afirmando que “o que o artigo de Rosa Luxemburgo, publicado em Die Neue Zeit, dá a conhecer ao leitor, não é meu livro, mas outra coisa distinta”, e dizendo: “O que defendo ao longo de todo o livro, desde a primeira página até a última, são os princípios elementares de qualquer organização de partido que se possa imaginar; (não) um sistema de organização contra qualquer outro”.[vi]À acusação de Trotsky de defender uma espécie de “jacobinismo” Lênin respondeu: “O jacobino ligado indissoluvelmente à organização do proletariado que tem consciência dos seus interesses de classe, é justamente o socialdemocrata revolucionário”. Na concepção de Rosa Luxemburgo, ao contrário, “a socialdemocracia não está ligada à organização da classe operária: ela é o próprio movimento da classe operária”.[vii]

Essas considerações são pouco levadas em contar por diversos autores, para os que existiu uma vinculação direta entre o Que Fazer? e o ulterior “sectarismo” ou “burocratismo” bolcheviques: “O sectarismo potencial que Rosa Luxemburgo havia notado nas concepções de Lênin, manifestou-se claramente desde a revolução de 1905”.[viii] Para Ernest Mandel “é evidente que Lênin subestimou no decurso do debate de 1902-1903 os perigos para o movimento operário que podiam surgir do fato de se constituir uma burocracia no seu seio”.[ix] Exemplos de análises semelhantes poderiam se multiplicar. O conceito leninista da organização e da disciplina do partido era valioso, principalmente, na tarefa de disciplinar os comitês socialistas clandestinos, cujo número aumentava rapidamente na Rússia, à direção do POSDR. Era um conceito, não um fetiche estatutário: Lênin aceitou, no congresso de reunificação socialista de 1906, a redação de Martov do artigo 1o dos estatutos do partido. Não faltaram, porém, os que contrapuseram o “espontaneísmo democrático” de Rosa Luxemburgo ao “blanquismo ditatorial” de Lênin, com sua defesa do partido centralizado e profissional.[x]

O outro grande debate de inícios do século XX, não limitado em absoluto ao âmbito socialista, a questão do imperialismo e seu vínculo com as leis e tendências do movimento do capital, teve em Rosa Luxemburgo uma protagonista central. Para Rosa, o imperialismo era uma necessidade inelutável do capital, de qualquer capital e não necessariamente do capital monopolista ou financeiro, não sendo específico de uma fase diferenciada do desenvolvimento capitalista; era a forma concreta que adotava o capital para poder continuar sua expansão, iniciada nos seus países de origem e levada, por sua própria dinâmica, ao plano internacional, no qual se criavam as bases de seu próprio desmoronamento: “Deste modo o capital prepara duplamente sua derrubada: por um lado, ao estender-se à custa das formas de produção não capitalistas, aproxima-se o momento em que toda a humanidade se comporá efetivamente de operários e capitalistas, situação em que a expansão ulterior e, portanto, a acumulação, se farão impossíveis. Por outro lado, na medida em que avança, exaspera os antagonismos de classe e a anarquia econômica e política internacional a tal ponto que provocará uma rebelião do proletariado mundial contra seu domínio muito antes que a evolução econômica tenha chegado até suas últimas consequências: a dominação absoluta e exclusiva do capitalismo no mundo”.[xi]

Rosa Luxemburgo postulava que a acumulação de capital, na medida em que saturava os mercados capitalistas, exigia a conquista periódica e constante de espaços de expansão não capitalistas: na medida em que estes se esgotassem, a acumulação capitalista tornar-se-ia impossível, uma análise que foi objeto de críticas de todo tipo, algumas singularmente agudas: “Se os partidários da teoria de Rosa Luxemburgo querem reforçar essa teoria mediante a alusão à crescente importância dos mercados coloniais; se eles se remetem ao fato de que a participação colonial no valor global das exportações da Inglaterra representava em 1904 pouco mais de um terço, enquanto que em 1913 esta participação se aproximava de 40%, então a argumentação que sustentam a favor daquela concepção carece de valor, e, mais do que isto, com ela conseguem o contrário do que pretendem obter. Pois estes territórios coloniais têm realmente cada vez mais importância como áreas de colocação, mas só na medida em que se industrializam; ou seja, na medida em que abandonam o seu caráter não capitalista”.[xii] Rosa, com outros pressupostos, chegava à conclusão de uma tendência incontornável para a uniformização econômica do mundo capitalista. Ficavam em segundo plano as diferenças nacionais no interior do sistema capitalista mundial, que exprimiam seu desenvolvimento desigual e combinado; países inteiros foram forçados a se integrar ao capitalismo de maneira dependente e associada, outros se impuseram como dominantes e expropriadores de nações.[xiii]

Não só a Rússia, mas Europa toda e o mundo, foram sacudidos pela revolução russa de 1905. Uma nova era histórica se perfilava no horizonte: Karl Kautsky podia constatar que “quando Marx e Engels escreviam o Manifesto Comunista, o teatro da revolução proletária se limitava para eles à Europa ocidental. Hoje abarca o mundo inteiro”.[xiv]A revolução na Rússia czarista reacendeu o debate sobre reformismo e revolução no movimento socialista internacional. A revolução russa de 1905 foi o sinal de que a era do desenvolvimento pacífico do capitalismo estava chegando ao fim e se fazia necessário preparar o proletariado para os novos tempos – que exigiam uma nova tática. Começou a se constituir lentamente uma ala esquerda da Internacional Socialista, encabeçada pelos bolcheviques e pela esquerda da socialdemocracia alemã. O ambiente histórico e as fases políticas haviam caracterizado as fases políticas da Segunda Internacional: 1) De 1889 até 1895, período de crescimento da burguesia europeia, com a consequente ampliação numérica e organizativa do operariado, dominava a ideia de que a mudança gradativa, “natural”, da sociedade, levaria à extinção do regime social da burguesia; 2) A crise de 1893 já estava superada em 1895, a prosperidade econômica e a alta dos preços faziam pensar que a classe burguesa teria condições de sobreviver durante muito tempo; foi o momento em que Bernstein formulou a teoria revisionista; 3) A revolução russa de 1905 anunciou uma nova fase revolucionária, com lideranças radicais na Alemanha (Karl Liebknecht, Rosa Luxemburgo), na Holanda (Anton Pannekoek), na Rússia (Vladimir Lênin e Leon Trotsky) e os anarco-sindicalistas na França e Itália.

Depois da revolução de 1905, que sacodiu também à Polônia, Jogiches e Rosa Luxemburgo, em relação marital, mudaram-se para Varsóvia, onde foram detidos, sendo obrigados a viver novamente na Alemanha. Opunham-se a Lênin, que apoiava a fração da socialdemocracia polonesa dirigida por Karl Radek. A situação da Internacional Socialista, seu precário equilíbrio interno entre reformistas, centristas e revolucionários, ficou “difícil de sustentar, e passou a sofrer cada vez mais ataques da ‘direita’ reformista dentro do partido [socialdemocrata], que promovia agitação para que se abandonasse completamente a revolução, e também de uma esquerda radical, que acreditava que a socialdemocracia estava sofrendo um debilitante processo de aburguesamento. A partir da década de 1890, embora o marxismo parecesse estar no auge de seu poder na Europa Ocidental, mostrava-se cada vez mais dividido, tanto entre a elite do partido como entre a massa de seus membros… O equilíbrio entre a esquerda e a direita ficou muito difícil de ser mantido”.[xv] Em agosto de 1907, reuniu-se o congresso de Stuttgart da Internacional Socialista, no qual a frágil maioria interna antirreformista e antirrevisionista começou a se desfazer. O problema da guerra começou a tomar o centro da agenda do movimento operário e socialista.

No mesmo ano de 1907, a Conferência de Paz de Haia, organizada por diversos governos europeus, havia fracassado por completo. O governo imperial alemão havia recusado as propostas de limitação da produção de armamentos feitas pela “democrática” Inglaterra. O imperialismo inglês, dominante no mundo, defendia através dessas propostas o statu quo ante: o “pacifismo” burguês era a arma dos exploradores do mundo para manter sua dominação. O fracasso de Haia desatou furiosas campanhas na Inglaterra em favor da construção de navios de guerra, que não tardou em ser levada adiante. Rússia, depois de sua derrota para o Japão, estava fora de combate, mas França e Inglaterra apoiaram Rússia, com meios financeiros, para facilitar o programa de reformas econômicas do ministro Stolypin; se configurava uma antecipação do futuro enfrentamento entre a Tríplice Aliança e a Tríplice Entente.

No Congresso de Stuttgart da Internacional Socialista o debate sobre a questão colonial foi revelador. Um setor da socialdemocracia alemã não vacilava em designar-se como “social-imperialista”. O pensamento dessa corrente se refletiu na intervenção do dirigente holandês Van Kol, quem afirmou que o anticolonialismo dos congressos socialistas precedentes não havia servido para nada, que os socialdemocratas deveriam reconhecer a existência indiscutível dos impérios coloniais e apresentar propostas concretas para melhorar o tratamento aos indígenas, o desenvolvimento de seus recursos naturais e seu aproveitamento em benefício de toda a raça humana. Perguntou aos opositores ao colonialismo se seus países estavam realmente preparados para prescindir dos recursos das colônias. Recordou que Bebel havia dito que nada era “mau” no desenvolvimento colonial como tal, e se referiu aos sucessos dos socialistas holandeses ao conseguirem melhoras nas condições dos indígenas das colônias de sua metrópole.

A comissão do Congresso encarregada da questão colonial apresentou a seguinte posição: “O Congresso não rechaça por princípio em toda ocasião uma política colonial, que sob um regime socialista possa oferecer uma influência civilizadora”. Lênin qualificou de “monstruosa” a posição e, com Rosa Luxemburgo, apresentou uma moção anticolonialista. O resultado da votação foi uma amostra da divisão existente: a posição colonialista foi rejeitada por 128 votos contra 108: “Neste caso marcou-se a presença de traço negativo do movimento operário europeu, traço que pode ocasionar não poucos danos à causa do proletariado. A vasta política colonial levou, em parte, ao proletariado europeu a uma situação pela qual não é seu trabalho o que mantém toda a sociedade, mas o trabalho dos indígenas quase totalmente subjugados das colônias. A burguesia inglesa, por exemplo, obtém mais ingressos da exploração de centenas de milhões de habitantes da Índia e de outras colônias, do que dos operários ingleses. Tais condições criam em certos países uma base material, uma base econômica, para contaminar o chauvinismo colonial ao proletariado desses países”.[xvi]

As divergências manifestadas na Internacional Socialista faziam parte dos motivos que levaram seus partidos mais importantes a adotar uma posição social-patriótica (de fato pró-imperialista) em 1914.As divergências sobre a questão colonial eram um aspecto do desacordo mais geral sobre a atitude que deveria adotar-se perante uma guerra entre as potências: “A guerra, quando estalasse, devia ser utilizada como uma oportunidade para a destruição total do capitalismo por meio da revolução mundial. Esta insistência correspondia ao que se havia estabelecido no conhecido parágrafo final da resolução de Stuttgart adotada em 1907 pela Segunda Internacional, ante a insistência de Lênin e Rosa Luxemburgo, e contra a oposição inicial dos socialdemocratas alemães, que somente haviam-na aceito sob pressão. Mas a política aceita nominalmente nunca havia sido, na realidade, a política dos partidos constituintes da Internacional, e o deslanche da Internacional em 1914 lhe poria fim, efetivamente, no que se refere às maiorias dos principais partidos dos países beligerantes”.[xvii]

Até 1914 o SPD crescera enormemente, tanto em influência e número de filiados como no plano eleitoral: nas eleições de 1912, alcançou cerca de 4,3 milhões de votos, 34,8% do total – 49,3% nas grandes cidades -, e elegeu a bancada mais numerosa no parlamento (110 deputados). Às vésperas da guerra, o SPD tinha pouco mais de um milhão de filiados, trinta mil quadros profissionalizados, dez mil funcionários, 203 jornais com 1,5 milhão de assinantes, dezenas de associações esportivas e culturais, movimentos de juventude e a principal central sindical. A confederação geral dos trabalhadores alemães, sob a sua direção, tinha três milhões de filiados. Mas esta força impressionante não foi posta na balança política para evitar a guerra mundial, contrariando as decisões prévias da Internacional Socialista. Para a campeã da luta contra o belicismo na socialdemocracia, Rosa Luxemburgo, “as guerras entre Estados capitalistas são em geral consequências de sua concorrência sobre o mercado mundial, pois cada Estado não tende unicamente a assegurar mercados, mas a adquirir novos, principalmente pela servidão dos povos estrangeiros e a conquista de suas terras. As guerras são favorecidas pelos preconceitos nacionalistas, que se cultivam sistematicamente no interesse das classes dominantes, a fim de afastar a massa proletária de seus deveres de solidariedade internacional. Elas são, pois, da essência do capitalismo, e não cessarão senão pela supressão do sistema capitalista”.

Diante da iminência da guerra, o congresso da Internacional Socialista foi adiado para agosto de 1914, e na prática nunca se realizou: em 31 de julho, o líder socialista francês Jean Jaurès foi assassinado por um nacionalista; em 3 de agosto estourou a guerra. No dia 4 de agosto, para surpresa de muitos socialistas, inclusive de Lênin, os deputados socialistas alemães do Reichstag votaram a favor da liberação dos créditos de guerra. Karl Liebknecht,[xviii] foi o único a votar contra, na nova votação do dia 3 de dezembro de 1914. Otto Rühle também votou contra, juntando-se a Liebknecht, na votação do dia 20 de março de 1915.

Quando Lênin leu em Vorwärts, jornal da socialdemocracia alemã, que os membros do SDP no Reichstag tinham votado pelos créditos de guerra, de início ele se recusou a acreditar, alegando que devia ser uma falsificação lançada pelo Estado-Maior alemão para desacreditar o socialismo (a reação de Trotsky foi idêntica). A maioria dos socialistas alemães punha uma pedra sobre seu passado internacionalista. Em 1914, a socialdemocracia alemã era poderosa. Com um orçamento de dois milhões de marcos, contava com mais de um milhão de filiados, depois de se recuperar da forte repressão do regime imperial alemão. Era a vitória do pragmatismo socialista de direita e do oportunismo, quer tinha se manifestando nos anos precedentes: “Desde 4 de agosto – afirmou Rosa Luxemburgo – a socialdemocracia alemã é um cadáver putrefato”. E completou afirmando que a bandeira da Internacional falida devia ser: “Proletários do mundo, uni-vos em tempos de paz, e assassinai-vos em tempos de guerra”.

Com a explosão das hostilidades, mostrando a dimensão do inimigo, Rosa Luxemburgo sublinhara o caráter “popular” da guerra mundial: os líderes políticos mobilizaram as massas através da demagogia nacionalista e da demonização de seus inimigos. Lênin, depois da capitulação dos principais partidos da Internacional Socialista, e diante da explosão da guerra em agosto de 1914, proclamou desde finais desse ano a luta por uma nova Internacional Operária.[xix] Diante da carnificina generalizada, só uma minoria socialista não se curvou ao nacionalismo e manteve erguida, apesar da repressão, a bandeira do internacionalismo proletário: na França, um punhado de militantes sindicalistas em torno de Alfred Rosmer; uns poucos na Alemanha, com o deputado Karl Liebknecht defendendo a palavra de ordem: “O inimigo está dentro do nosso país”. A submissão de cada partido ao governo de sua própria burguesia acarretara o desaparecimento na prática da Internacional Socialista.

Em 1915, na prisão real da Prússia onde estava presa por suas atividades antimilitaristas (“no meio das trevas, sorrio à vida, como se conhecesse a fórmula mágica que transforma o mal e a tristeza em claridade e em felicidade. Então, procuro uma razão para esta alegria, não a acho e não posso deixar de rir de mim mesma. Creio que a própria vida é o único segredo”), Rosa Luxemburgo estigmatizou a capitulação do socialismo alemão ao votar os créditos de guerra, em seu panfleto A Crise da Socialdemocracia: “Os interesses nacionais não passam de uma mistificação que tem por objetivo colocar as massas populares e trabalhadoras a serviço de seu inimigo mortal: o imperialismo. A paz mundial não pode ser preservada por planos utópicos ou francamente reacionários, tais como tribunais internacionais de diplomatas capitalistas, por convenções diplomáticas sobre “desarmamento”, “liberdade marítima”, supressão do direito de captura marítima, por “alianças políticas europeias”, por “uniões aduaneiras na Europa Central”, por Estados-tampões nacionais, etc. O proletariado socialista não pode renunciar à luta de classe e à solidariedade internacional, nem em tempos de paz, nem em tempos de guerra: isso equivaleria a um suicídio. (…) O objetivo final do socialismo só será atingido pelo proletariado internacional se este enfrentar em toda a linha o imperialismo, e fizer da palavra de ordem “guerra à guerra” a regra de conduta de sua prática política, empenhando aí toda a sua energia e toda a sua coragem”.[xx]

No entanto, o movimento operário estava de fato atrasado em relação aos prazos históricos. Lênin, retomando o grito de Karl Liebknecht – “o inimigo está dentro do nosso país” – pronunciou-se pela derrota do próprio governo na guerra imperialista. A reação internacionalista não se fez esperar. O primeiro acontecimento foi com a ala esquerda da organização das mulheres socialdemocratas. Em nome do jornal das mulheres bolcheviques, Rabotnitsa, Inessa Armand e Alexandra Kollontai escreveram à dirigente socialdemocrata alemã Clara Zetkin com uma proposta de organizar uma conferência internacionalista de mulheres. A conferência foi realizada em Berna, Suíça, em março de 1915. O comparecimento foi pequeno (29 delegados da Alemanha, França, Grã-Bretanha, Itália, Holanda, Polônia e Rússia).A cisão no campo socialista internacional foi se perfilando nas conferências de Zimmerwald e de Kienthal, cidades situadas na Suíça neutral. Em setembro de 1915, socialistas russos (Lênin, Trotsky, Zinoviev, Radek), alemães (Ledebour, Hoffmann), franceses (Blanc, Brizon, Loriot), italianos (Modigliani), búlgaros como Christian Rakovsky, assim como os representantes do movimento socialista de alguns países neutros, reuniram-se, denunciaram energicamente o caráter imperialista da guerra mundial, a traição dos “socialistas de guerra”, e exigiram a aplicação prática das decisões dos congressos internacionais da II Internacional. Eram 38 delegados de doze países, incluídos os das nações beligerantes. Lenin disse: “Pode-se alojar todos os internacionalistas do mundo em quatro diligências”.Rosa já estava na prisão.

Os sofrimentos provocados pela guerra levaram ao descontentamento crescente, à revolta e, finalmente, à revolução, na Rússia. A rebelião transformada em revolução na Rússia, a queda do Káiser e a proclamação largamente improvisada da República da Alemanha, se impuseram sobre a razão diplomática tradicional, suscitando reações contraditórias nos políticos, nos chefes militares e nos simples combatentes. O chefe da delegação alemã que assinou o armistício com a Entente, Mathias Erzberger, foi assassinado pouco tempo depois por militares nacionalistas. Assim concluía o conflito em que setenta milhões de militares, incluindo sessenta milhões de europeus, haviam sido mobilizados, mais de nove milhões de combatentes foram mortos, em grande parte por causa de avanços tecnológicos que determinaram um crescimento enorme na letalidade de armas, mas sem melhorias correspondentes em proteção ou mobilidade dos exércitos ou da população civil.

Com a tomada do poder pelos sovietes dirigidos pelos bolcheviques, a Revolução de Outubro dirigiu-se, em primeiro lugar, a desmantelar as bases agrárias e nacionais do sistema opressivo montado ao longo de séculos pelo absolutismo czarista. A 15 de novembro de 1917, duas semanas depois de empossado, o Conselho dos Comissários do Povo estabeleceu o direito de autodeterminação nacional dos povos da Rússia. A resolução soviética da questão nacional provocou o protesto de Rosa Luxemburgo: “Enquanto Lênin e seus companheiros esperavam manifestamente, como defensores da liberdade das nações ‘até à separação enquanto Estado’, fazer da Finlândia, da Ucrânia, da Polônia, da Lituânia, dos países bálticos, das populações do Cáucaso, aliados fiéis da Revolução Russa, nós assistimos ao espetáculo inverso: uma após outra, essas ‘nações’ utilizaram a liberdade recentemente oferecida para se aliarem, como inimigas mortais da Revolução Russa, ao imperialismo alemão e para levarem, sob sua proteção, a bandeira da contrarrevolução para a própria Rússia”, criticou – “o ilustre ‘direito das nações à autodeterminação’ não passa de oca fraseologia pequeno-burguesa, de disparate…”.[xxi]

Para o bolchevismo tratava-se de fazer do movimento nacional um elo com a luta socialista mundial da classe operária: a política posta em prática pela revolução (a independência das nacionalidades oprimidas pelo Império Russo) não era mero recurso tático (nocivo, segundo Rosa, aos interesses da revolução) mas baseada em razões estratégicas. O princípio da nacionalidade, que até a Primeira Guerra Mundial e com outro conteúdo (não “étnico”) era usado contra os impérios e as dinastias, passava a ser usado, com seu conteúdo radicalmente transformado, contra o bolchevismo e a perspectiva da revolução socialista mundial.

A guerra civil russa foi diretamente responsável pelo fim do “pluripartidarismo soviético”, que Lênin caracterizara (e almejara) como a “via mais rica” para o desenvolvimento da ditadura proletária, e do pluripartidarismo político em geral. Em novembro de 1917, a Pravda ainda proclamava: “Estávamos de acordo e continuamos a estar de acordo em partilhar o poder com a minoria dos sovietes, com a condição de uma obrigação leal e honesta desta minoria em se subordinar à maioria e em realizar o programa aprovado por todo o Segundo Congresso dos Sovietes de toda a Rússia, o que consiste em dar passos paulatinos, mas firmes e constantes, rumo ao socialismo”.[xxii] E Lênin insistia na “honestidade” da coligação com os representantes do Partido Socialista Revolucionário de esquerda, integrado ao governo soviético. A guerra civil transformou os bolcheviques em “partido único do Estado”, depois de um fracassado atentado de seus iniciais aliados SRs de esquerda contra a vida de Lênin (embora Fanny Kaplan, sua autora, insistisse em que tinha agido por conta própria: foi sumariamente executada) e os assassinatos de Uritsky e do popular orador bolchevique Volodarsky. O “terror vermelho”, segundo Pierre Broué, incluiu “represálias cegas, tomadas e execuções de reféns, às vezes massacres nas prisões… uma violência que era uma resposta ao terror branco, seu correlato. Uma orgia de sangue, certamente. Mas as vítimas foram incomparavelmente menos numerosas do que as da guerra civil”.[xxiii] Até março de 1920, o número de vítimas foi oficialmente fixado em 8.620 pessoas; um observador contemporâneo aos fatos o avaliou em pouco mais de dez mil vítimas.[xxiv]

A crítica de Rosa Luxemburgo à revolução russa, escrita na prisão em 1918, tem uma história única. A obra foi publicada pela primeira vez em 1922, por Paul Levi, que “decidiu publicar um texto explosivo não publicado, cujo manuscrito preservou com prudência desde setembro de 1918”. Levi, discípulo de Rosa, foi um dos principais dirigentes nos primeiros anos do PC alemão e da própria Internacional Comunista. Em abril de 1921, foi excluído de ambos por quebrar a disciplina, devido à publicação de um panfleto crítico da “ação de março” (tentativa insurrecional malsucedida do PC alemão, em março de 1921). O motivo da exclusão não foi o conteúdo da crítica (cujos termos foram retomados pelo próprio Lênin em seu panfleto Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo), mas o fato de ter sido publicado quebrando a solidariedade partidária. Expulso, Levi se voltou para a socialdemocracia. Foi nesse quadro político que publicou o manuscrito de Rosa.

Na fase mais recente, o texto de Rosa Luxemburgo foi usado como argumento a favor da tese de que o stalinismo já estava contido na própria revolução: “Os bolcheviques diziam que a Assembleia Constituinte, eleita antes de outubro, não representava mais o povo. Mas se isso fosse verdade, por que não convocar eleições para uma nova Assembleia Constituinte? Eles não. E o que resultou, isto é, a supressão da democracia representativa e o esvaziamento da democracia direta. Rosa Luxemburgo criticou tudo isso no devido tempo”.[xxv]Rosa Luxemburgo não criticou nada disso, pela simples razão de que a Assembleia Constituinte foi eleita após outubro de 1917 (em novembro). O que não impediu que outro autor citasse “a polêmica entre Rosa Luxemburgo, de um lado, e Lênin e Trotsky, de outro, sobre a preservação de certas instituições democráticas sob o governo dos trabalhadores”.[xxvi] Tal “polêmica” existe apenas no imaginário do autor, uma vez que o escrito crítico de Rosa só foi publicado três anos após sua morte.

As limitações da revolução russa, derivadas de seu isolamento, de seu atraso econômico e das destruições provocadas pela guerra mundial, foram visíveis desde seu início, e motivaram a reflexão de Rosa Luxemburgo: “Não há dúvida de que as cabeças pensantes da revolução russa, Lênin e Trotsky, deram muitos passos decisivos em seu caminho espinhoso, semeado de armadilhas de todo tipo, dominados por grandes dúvidas e pelas mais violentas hesitações interiores; nada poderia estar mais longe deles que ver a Internacional aceitar o que fizeram ou deixaram de fazer sob uma dura coerção, sob a pressão, no tumulto e na fermentação dos acontecimentos, como um modelo sublime de política socialista, digno da admiração beata e da imitação fervorosa”.[xxvii]

Com relação à questão mais urgente, a questão agrária, a terra foi nacionalizada de imediato; os camponeses foram chamados a ocupar as grandes propriedades e a tomar posse delas, o que provocou o protesto de Rosa Luxemburgo, ainda na prisão alemã: “A tomada das terras pelos camponeses, após a sumária e lapidar palavra de ordem de Lênin e de seus amigos – ide e tomai as terras! – conduziu simplesmente para uma passagem brusca e caótica da grande propriedade fundiária à propriedade fundiária camponesa. Não se criou uma propriedade social, mas uma nova propriedade privada: dividiu-se a grande propriedade em médias e pequenas propriedades, a grande exploração relativamente avançada em pequenas explorações primitivas que, no plano técnico, trabalham com os meios da época dos faraós.

“Mas não é tudo: esta medida e a maneira caótica, puramente arbitrária como foi aplicada, não eliminaram as diferenças de propriedades no campo, mas, ao contrário, agravaram-nas. Ainda que os bolcheviques tenham recomendado ao campesinato formar comitês de camponeses, para fazer da apropriação das terras da nobreza uma espécie de ação coletiva, é claro que esse conselho de ordem geral nada podia mudar no que se referia à prática real e às relações de forças reais no campo. Com ou sem comitês, os camponeses ricos e os usurários, que formavam a burguesia rural e que detêm o poder local em todas as aldeias russas, foram certamente os principais beneficiários dessa revolução agrária. Mesmo sem verificar, é evidente para qualquer um que ao fim dessa partilha das terras as desigualdades econômicas e sociais no seio do campesinato não foram eliminadas, mas exacerbadas, assim como os antagonismos de classe foram agravados”.[xxviii]Os acontecimentos posteriores corroboraram a maioria dessas preocupações.

As eleições para a Assembleia Constituinte, que motivaram a primeira crise interna e externa do poder soviético, tinham sido uma iniciativa do Governo Provisório, referendada pelo governo soviético. O governo bolchevique, constituído em outubro de 1917, permitiu que se realizassem. A Constituinte foi eleita e se reuniu a 5 de janeiro de 1918. Desde a sua primeira reunião, se opôs ao governo bolchevique que, por isso, resolveu dissolvê-la a 6 de janeiro, com o argumento de que a composição de forças da Assembleia não se correspondia com aquelas existentes na Rússia revolucionária. A Constituinte fora convocada logo depois da tomada do poder, mas sobre a base das “listas” (chapas) existentes antes de outubro (que não levavam em conta, por exemplo, a divisão dos SR em direita e esquerda, esta última solidária com os bolcheviques no governo soviético). Adiadas diversas vezes, as eleições constituíam, para os partidos que haviam sustentado o Governo Provisório, um meio para acabar com o “duplo poder”, através da supressão do poder soviético. A insurreição de outubro cortou esses planos.

A convocação da Constituinte foi mantida como um meio para conferir “legitimidade democrática” ao poder soviético, o que exigia como condição que ela reconhecesse esse poder. Em Terrorismo e Comunismo, trabalho redigido durante a guerra civil em polêmica contra Kautsky, Trotsky sublinhou que essa fora a função da Duma de Petrogrado no ano revolucionário: “Em Petersburgo, em 1917, nós também elegemos uma Comuna (a Duma municipal), na base do mesmo sufrágio ‘democrático’, sem restrições para a burguesia. Essas eleições, logo a seguir do boicote dos partidos burgueses, nos deram uma esmagadora maioria. A Duma, eleita democraticamente, submeteu-se voluntariamente ao Soviete de Petersburgo, isto é, colocou o fato da ditadura do proletariado por cima do ‘princípio’ do sufrágio universal; algum tempo após, ela dissolvia-se, por sua própria iniciativa, em favor de uma das seções do soviete de Petersburgo. Dessa maneira, o Soviete de Petersburgo – esse verdadeiro pai do poder soviético – teve por ele a graça divina, uma auréola formalmente democrática”.

Nas eleições para a Assembleia Constituinte, realizadas em janeiro de 1918 em âmbito nacional, os bolcheviques ficaram em minoria no cômputo geral, embora obtivessem maioria nos distritos industriais (424 mil votos em Petrogrado, contra 245 mil do partido burguês “cadete”, e 17 mil para os mencheviques) e, sobretudo, ficaram em minoria na eleição geral os partidários do poder soviético, o que criava, objetivamente, um “duplo poder” entre os sovietes e a Constituinte. Em A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky, Lênin insistiu na superioridade da “democracia soviética” sobre a democracia burguesa, para justificar a dissolução da Constituinte (logo depois que ela recusasse reconhecer o governo soviético).

Depois da tomada do poder pelos sovietes, “durante a primeira semana de dezembro de 1917 se realizaram algumas manifestações a favor da Assembleia Constituinte, isto é, contra o poder dos sovietes. Guardas vermelhos irresponsáveis atiraram então contra um dos cortejos e fizeram alguns mortos. A reação perante esta violência estúpida foi imediata: em doze horas, foi modificada a constituição do Soviete de Petrogrado; mais de uma dúzia de deputados bolcheviques foram demitidos e substituídos por mencheviques… Apesar disso, foram precisas três semanas para acalmar o ressentimento público e permitir a reintegração dos bolcheviques”.[xxix]Foi um erro político dos bolcheviques manter a convocação da Constituinte, nas condições descritas no decreto? Em nenhum texto eles admitiram isso. A dissolução da Assembleia Constituinte teve importantes consequências políticas internas e, sobretudo, externas. A dissolução teve o apoio dos bolcheviques, dos socialistas revolucionários de esquerda e dos anarquistas. O prejuízo político para o governo soviético, especialmente internacional, foi grande: a dissolução da Assembleia Constituinte foi o grande argumento da direita burguesa e da socialdemocracia europeia contra o comunismo.

Mas as críticas não vieram só da direita e da socialdemocracia reformista; também Rosa Luxemburgo criticou a dissolução da Assembleia Constituinte e as restrições às liberdades democráticas em geral: “No lugar dos organismos representativos saídos de eleições populares gerais, Lênin e Trotsky puseram os sovietes como a única representação verdadeira das massas operárias. Mas, abafando a vida política em todo o país, a paralisia atinge também, cada vez mais, a vida nos sovietes. Sem eleições gerais, sem liberdade ilimitada de imprensa e de reunião, sem livre enfrentamento de opiniões, a vida se estiola em qualquer instituição pública, torna-se uma vida aparente na qual a burocracia subsiste como o único elemento ativo. A vida pública adormece progressivamente, algumas dúzias de chefes, partidários de uma inesgotável energia e de um idealismo sem limites, dirigem e governam; entre eles, a direção é assegurada, na realidade, por uma dúzia de espíritos superiores, e a elite do operariado é convocada de tempos em tempos para reuniões, com o fim de aplaudir os discursos dos chefes e de votar unanimemente as resoluções propostas: é pois, no fundo, uma clique que governa – trata-se de uma ditadura, é verdade, não a ditadura do proletariado, mas a ditadura de um punhado de políticos, isto é, uma ditadura no sentido puramente burguês, no sentido da dominação jacobina (periodicidade dos Congressos dos sovietes adiada de três para seis meses!). E ainda mais: tal estado de coisas engendra inevitavelmente um recrudescimento da selvageria na vida pública: atentados, execução de reféns etc. É uma lei objetiva, todo-poderosa, a que nenhum partido pode fugir”.[xxx]

Rosa Luxemburgo modificou seu ponto de vista ao constatar que, livrada à sua própria sorte, a Constituinte demonstrou carecer de poder de mobilização popular significativo contra o poder soviético; ela “não teria podido governar diante das desordens da época, dominada pelos mesmos partidos que tinham sido incapazes de governar em 1917, privada de todo apoio militar e administrativo; ela não tinha programa nem nenhum eleitorado disposto a lutar pelo seu direito a governar”;[xxxi] motivos que explicam “a indiferença fundamental do povo russo em relação ao destino da Assembleia Constituinte”.[xxxii] Rosa criticou a dissolução da Assembleia Constituinte, não como uma defesa de princípios desse instituto, mas como uma demonstração da falta de confiança dos bolcheviques nas massas, capazes, através da sua pressão, (como acontecera nas revoluções francesa e inglesa) de mudar o rumo e o conteúdo dessa Assembleia (“Os sovietes, como coluna vertebral, mais a Constituinte e o sufrágio universal”, era a fórmula de Rosa Luxemburgo).

Para o então “comunista de esquerda” Gyorg Lukács, “Rosa não realça que essas mudanças de orientação [nas revoluções francesa e inglesa] se pareciam diabolicamente, na sua essência, com a dissolução da Constituinte. As organizações revolucionárias dos elementos mais nitidamente progressistas da revolução (os conselhos de soldados do exército inglês, as seções parisienses) baniram sempre pela violência os elementos retrógrados, transformando esses corpos parlamentares em conformidade com o nível da revolução. Na revolução russa dá-se a passagem desses reforços quantitativos à mudança qualitativa. Os sovietes, organizações dos elementos mais progressistas da revolução, não se contentaram em depurar a Constituinte de todos os elementos para lá dos bolcheviques e dos SR de esquerda, substituíram-nos. Os órgãos proletários (e semiproletários) de controle e de consecução da revolução burguesa tornaram-se órgãos de luta e governo do proletariado vitorioso. É isso que Rosa ignora na sua crítica da substituição da Constituinte pelos sovietes: vê a revolução proletária sob as formas estruturais das revoluções burguesas”.[xxxiii]

Segundo Lukács, os sovietes tinham uma função que ultrapassava em muito, e qualitativamente, a circunstância política imediata da Revolução de Outubro, pois permitiam superar a noção abstrata de “indivíduo”, de “coletivo” e de “interesse geral” da democracia burguesa, que camuflava o fato decisivo de que cada um dos sujeitos em sociedade ocupa um lugar determinado na esfera da produção material, inserindo-se em um local específico na configuração classista: “A democracia pura da sociedade burguesa anula a mediação: ela liga imediatamente o indivíduo puro e simples, o indivíduo abstrato, com a totalidade do Estado, que, nesse contexto, aparece de modo igualmente abstrato. Já por meio desse caráter formal essencial à democracia pura, a sociedade burguesa é pulverizada politicamente. O que não significa uma mera vantagem para a burguesia, mas o pressuposto decisivo de sua dominação de classe. Tal dominação por parte de uma minoria é socialmente organizada de forma tal que a classe dominante é concentrada e prepara-se para a ação unitária e articulada, ao mesmo tempo em que as classes dominadas são desorganizadas e fragmentadas. A consciência de que os conselhos (dos trabalhadores e dos camponeses e dos soldados) são o poder estatal do proletariado significa a tentativa do proletariado – como classe dirigente da revolução –de reagir a esse processo de desorganização”.[xxxiv]

As linhas essenciais do manuscrito de Rosa haviam sido previamente esboçadas em dois artigos que Rosa Luxemburgo escrevera para a imprensa espartacista, dos quais só o primeiro foi publicado: quanto ao segundo, quem convenceu Rosa a não publicar foi… Paul Levi. No primeiro artigo, Rosa atacava o direito à autodeterminação das nacionalidades oprimidas pelo Império czarista, concedida pelo governo bolchevique (no que continuava a polêmica que, a esse respeito, tinha-a oposto a Lênin antes da Primeira Guerra Mundial) e, sobretudo, a paz de Brest-Litovsk entre o governo soviético e o Estado Maior alemão: “A paz de Brest é uma capitulação do proletariado revolucionário russo perante o imperialismo alemão. Lênin e seus amigos não se enganam sobre os fatos, assim como não pretendem enganar os outros: eles reconheceram a capitulação. Mas se iludiram na esperança de fugir realmente da guerra mundial através de uma paz separada. Não perceberam que a capitulação russa teria por resultado o fortalecimento da política imperialista germânica, debilitando as chances de uma sublevação revolucionária na Alemanha”. Rosa não via nisto a consequência de um erro bolchevique, mas da situação objetiva: “Eis a falsa lógica da situação objetiva: todo partido socialista que chegue ao poder na Rússia estará condenado a adotar uma tática errada enquanto lhe falte o auxílio do exército proletário internacional, do qual faz parte”[xxxv].

Rosa Luxemburgo não propunha nenhuma alternativa à política bolchevique, mas o levantamento revolucionário alemão. Enquanto este inexistisse, o bolchevismo estaria diante de um impasse. Rosa escreveu sua crítica da revolução russa depois desses artigos e, segundo Paul Levi, ciente de sua não publicação: “Escrevo esta brochura para você, e se consigo convencê-lo, o trabalho não terá sido em vão”. O escrito é, em primeiro lugar, uma defesa apaixonada da revolução russa, do bolchevismo e da revolução em geral, contra a maioria da socialdemocracia alemã: “A revolução na Rússia – fruto do desenvolvimento internacional e da questão agrária- não pode ter solução nos limites da sociedade burguesa (…) A guerra e a revolução demonstraram, não a imaturidade da Rússia, mas a imaturidade do proletariado alemão para cumprir sua missão histórica (…) Contando com a revolução mundial do proletariado, os bolcheviques deram precisamente a prova mais brilhante da sua perspicácia política, da sua fidelidade aos princípios, da audácia da sua política”.[xxxvi]

A respeito das críticas ao bolchevismo por Rosa Luxemburgo, Luciano Amodio sustentou que “é verdade que Rosa opõe os conselhos (sovietes) à Constituinte. Mas até que ponto pode-se admitir que é ela quem fala, e não o espartacismo, seus amigos reencontrados no meio de uma efervescência pró-russa e pró-soviética? (…) Foi a saída da prisão, sob a pressão dos fatos, que a levaram a se retratar em poucas semanas, que ela começou a compreender que algo novo tinha aparecido, uma espécie de nova lógica e de nova ideia sobre a revolução, nada melhor, centrada sobre o partido e não sobre as massas”.[xxxvii] Rosa Luxemburgo teria virado uma “socialista autoritária” sob o efeito da “revolução bolchevique”? Trotsky se referiu, uma década depois, ao “manuscrito (de Rosa) sobre a revolução soviética, muito fraco do ponto de vista teórico, escrito na prisão, que ela nunca publicou”.[xxxviii]Gyorg Lukács afirmou que “Rosa modificou posteriormente seus pontos de vista, alteração constatada pelos camaradas Warski e (Clara) Zetkin”.[xxxix]

Trotsky sustentou que, após a revolução de novembro de 1918 (na Alemanha), “Rosa aproximava-se dia a dia das ideias de Lênin sobre a direção consciente e a espontaneidade: foi certamente essa circunstância que a impediu de publicar o seu trabalho, do qual mais tarde fez-se uso vergonhosamente abusivo contra a política bolchevista”. Segundo outro autor: “O ensaio de Rosa sobre a revolução russa, celebrado hoje como uma acusação profética contra os bolcheviques (é mais) uma exposição da revolução ideal, redigido – como acontecia frequentemente com Rosa – sob a forma de diálogo crítico, na ocasião com a Revolução de Outubro. Os que procuraram nela uma crítica dos fundamentos da revolução bolchevique devem buscar em outro lado”.[xl]De fato, polemizando contra a ala esquerdista do PC alemão, que estava a favor do boicote às eleições para a Assembleia Constituinte alemã (Rosa defendia a participação), Rosa defendeu implicitamente a dissolução da Assembleia Constituinte russa: “Esquecem que algo diferente aconteceu antes da dissolução da Assembleia Nacional, o poder do proletariado revolucionário? Você já tem hoje, por acaso, um governo revolucionário, um governo Lênin-Trotsky? A Rússia já teve uma longa história revolucionária antes que a Alemanha não tem”.[xli]

As críticas de Rosa às medidas do governo soviético se centravam em: 1) A questão da paz; 2) A política agrária, (“a terra aos camponeses”), “tática excelente para consolidar o governo, mas que cria dificuldades insuperáveis para a ulterior transformação socialista da agricultura”; 3) A questão nacional: o direito das nações à autodeterminação não seria senão uma frase vazia no quadro da sociedade burguesa. Na prática, Finlândia, Ucrânia, Polônia, Lituânia, os países bálticos e do Cáucaso, usaram esse direito para aliar-se ao imperialismo alemão. O proletariado não era impermeável às ideias nacionalistas. Rosa recusava todo compromisso que, em nome das necessidades imediatas, bloqueasse o pleno desenvolvimento da vida e da ação política das massas; daí que fosse possível afirmar que quando Rosa “afirma que a liberdade é sempre apenas a liberdade de quem pensa de modo diferente, sua asserção não é um retorno ao liberalismo, mas um elemento, uma parte constitutiva vital de uma opinião pública proletária, que não pode se limitar a reproduzir e a aclamar decisões, programas dados, orientações de pensamento estabelecidas”.[xlii]

A rusga política de Rosa Luxemburgo com o bolchevismo tinha fortes raízes no passado dos debates na Internacional Socialista. Por outro lado, não parece circunstancial, mas estratégica, a conclusão com que Rosa encerrou seu ensaio: “O essencial e duradouro na política dos bolcheviques (…) o que permanece, seu mérito histórico imperecível, é que conquistando o poder político e colocando o problema prático da realização do socialismo abriram o caminho ao proletariado internacional e fizeram progredir consideravelmente o conflito entre capital e trabalho no mundo inteiro. Na Rússia, o problema só podia ser posto, não podia ser resolvido, pois só pode ser resolvido em escala internacional. E, nesse sentido, o futuro pertence em toda parte ao bolchevismo“.[xliii]

A saída de Rosa da prisão coincidiu com o início da revolução alemã. Em finais de 1917, na Alemanha, já tinham acontecido greves em solidariedade com a revolução russa. Em 1918, o proletariado na Rússia punha suas esperanças na revolução na Alemanha, perspectiva apoiada pelas greves massivas estourando nas grandes cidades alemãs: parecia o prelúdio da revolução. Os soldados estavam cansados da guerra, muitos desertavam enquanto a população na retaguarda sofria de fome. A revolução russa espalhara a ideia dos conselhos operários, no interior das fábricas ou com funções especificamente políticas. A derrota bélica alemã significou o final do império dos Hohenzollern, no qual o governo não devia responder ao parlamento. Quando, a 5 de outubro de 1918, se anunciou que a Alemanha pedia um armistício, o movimento pela paz cresceu com a velocidade de uma avalanche, houve demonstrações contra a guerra; a 3 de novembro, insurgiram-se os marinheiros de Kiel; a 9 de novembro, os operários berlinenses desceram às ruas e, junto com os soldados revolucionários, apossaram-se da cidade: cerca de dez mil conselhos operários e de soldados foram criados em todo o país. Em novembro de 1918, o motim dos marinheiros de Kiel coincidiu com a decisão do Estado Maior do Kaiser de pedir o armistício. O Kaiser foi derrubado pela revolução dos räte, conselhos operários, que eram, de fato, senhores da situação nas cidades. Em geral não tinham sido eleitos, mas formados com base num acordo entre os órgãos dirigentes dos dois partidos socialdemocratas, o “oficial” e o “independente” (USPD), criado durante a guerra, em 1917.

Na Alemanha central, em Berlim, na bacia do Rühr, os conselhos controlavam, nos primeiros meses de pós-guerra, a produção, e limitaram fortemente o poder dos capitalistas nas empresas. Um Congresso Nacional dos Conselhos de Trabalhadores e Soldados (Reichskongress der Arbeiterund Soldatenräte), realizado de 16 a 21 de dezembro de 1918, foi dissolvido depois que o líder do Partido Socialdemocrata, Friedrich Ebert, o convenceu de entregar o poder a um governo provisório burguês, ironicamente chamado de Conselho dos Comissários do Povo (Rat der Volksbeauftragten), e ao qual também pertencia, até 29 de dezembro de 1918, o Partido Social Democrata Independente da Alemanha (Unabhängige Sozialdemokratische Partei Deutschlands, USPD), cisão centrista e pacifista do SPD criada em abril de 1917, que originalmente incluía a Liga Espártaco.

A questão da direção revolucionária apresentava-se, assim, mais complexa do que na Rússia revolucionária de 1917.Isto tinha antecedentes: em 1915, em plena guerra e durante a vigência da onda patriótica, formara-se o Gruppe Internationale, com posições internacionalistas, mais tarde chamado de Spartakusbund, mas sua líder, Rosa Luxemburgo, não rompeu então com o SPD. Seu slogan era: “Não abandone o partido, mude o rumo do partido”. Em 1915, os espartacistas rejeitaram o chamado de Lênin em favor de uma nova Internacional na Conferência de Zimmerwald. Quando surgiu o USPD, fundado por deputados do SPD que foram expulsos do partido por se recusarem a votar por novos créditos para a guerra, Rosa Luxemburgo e a Liga Espártaco uniram-se a essa organização “centrista” como fração. Fizeram isso apesar do fato de que entre os líderes mais proeminentes do USPD estavam Karl Kautsky, opositor declarado à revolução soviética, e Eduard Bernstein, o líder do “revisionismo”. Rosa Luxemburgo justificou isso em um artigo, declarando que a Liga Espártaco não se unira ao USPD para dissolver-se em uma oposição enfraquecida: “Ela se uniu ao novo partido – confiante no agravamento cada vez maior da situação social e trabalhando por isso – para impulsionar o partido adiante, para ser sua consciência encorajadora… e para tomar a liderança do partido”.[xliv]

Rosa Luxemburgo atacou severamente a “Esquerda de Bremen”, comunista — liderada por Karl Radek e Paul Frölich — que se recusou a entrar para a USPD e qualificou o ingresso dos espartacistas como uma perda de tempo. Ela denunciou sua defesa de um partido comunista independente como um Kleinküchensystem [“sistema de pequenas cozinhas”, no sentido da fragmentação] e escreveu: “É uma pena que esse sistema de pequenas cozinhas se esqueceu do principal, as condições objetivas, que, em última análise, são decisivas e serão decisivas para a ação das massas… Não é suficiente que um punhado de pessoas tenha a melhor receita em seus bolsos e saibam como conduzir as massas. O pensamento das massas deve ser libertado das tradições dos últimos 50 anos. Isso só é possível com um grande processo de continua autocrítica interna do movimento como um todo”.

A revolução não estourou em Berlim, a capital alemã, mas no litoral, em Wilhelmshaven. A 4 de novembro 1918, uma parte dos marinheiros da frota se sublevou. Os marujos rebeldes foram levados para Kiel, onde a execução pelos oficiais os esperava, mas foi impedido esse fim trágico. A solidariedade se expressou, sendo estimulada por outra parte dos marinheiros. Passaram três dias em discussão, com os operários e os estivadores, sobre o que fazer. No terceiro dia, milhares de operários se juntaram a eles numa grande passeata de demonstração de força. Era o início da revolução cujo destino devia ser decidido em Berlim. Já chegavam à capital as tropas do front que tinham sido utilizadas com êxito para massacrar a revolução finlandesa.

Na capital alemã, Berlim, a 9 de novembro de 1918, mais de cem mil operários saíram das fábricas na madrugada, dirigindo-se para o centro da cidade. Fizeram paradas no caminho para arrastar outros operários, e diante dos quartéis. A determinação era grande para tentar convencer os soldados. Havia cartazes dizendo “Irmãos, não atirem!”. A tensão aumentava; os soldados abriram os quartéis, ajudaram a erguer a bandeira vermelha e acompanharam às massas sublevadas. A guerra mundial estava de fato encerrada, e tinha início a revolução alemã. Com a revolução, e sem nenhuma resistência, imperador e príncipes abandonaram seus tronos. Ninguém levantou a voz em defesa da monarquia. A 9 de novembro, o príncipe Von Baden transferiu os seus poderes legais a Friedrich Ebert, líder do SPD. Esperava-se que esse ato bastaria para acalmar as massas. No dia seguinte, instaurou-se um governo revolucionário sob o nome de Rat der Volksbeauftragten, “Conselho dos Comissários do Povo”, formado por três membros do SPD e três do Partido Socialdemocrata Independente, liderado por Hugo Haase. Esse conselho governaria a Alemanha entre novembro de 1918 e janeiro de 1919.

Foi somente em dezembro de 1918, um mês depois que três líderes do USPD se uniram ao governo provisório, liderado pela direita do SPD, com Ebert e Philipp Scheidemann, que os espartacistas romperam com o USPD, que não era mais necessário. No final do ano, em dezembro, o KPD (Kommunistische Partei Deutschlands, Partido Comunista da Alemanha) foi finalmente fundado pela Liga Espártaco, pela “Esquerda de Bremen” e outras organizações de esquerda. O Congresso fundador do Partido Comunista, realizado após a cisão da Liga Espartacista do USPD, foi realizado de 30 de dezembro de 1918 a 1º de janeiro de 1919. Neste congresso, à instância de Rosa Luxemburgo, Paul Levi fez um discurso defendendo a participação do KPD(S) nas eleições para a Assembleia Nacional Constituinte que redigiria a Constituição de Weimar – não por abrigar ilusões parlamentares, mas para alcançar os trabalhadores com uma mensagem que rompesse com o consenso contrarrevolucionário em torno de uma república democrática burguesa como alternativa ao movimento dos conselhos operários. O congresso rejeitou essa posição, condenando-se ao isolamento político.

Ebert assinava um acordo secreto com o alto comando militar. Era o final da dominação imperial na Alemanha, mas a batalha real entre o proletariado e o capital estava ainda à frente. Apesar da revolução do dia 9 de novembro ter sido liderada pelos operários, Rosa Luxemburgo chamou essa primeira fase de “revolução dos soldados”, pois a principal preocupação de seus principais protagonistas (soldados e marinheiros) tinha sido a paz. Uma vez a guerra acabada, a revolução tinha de enfrentar as ilusões dos soldados e operários na velha socialdemocracia. Richard Müller, delegado de fábrica, eleito presidente do conselho geral dos operários e soldados, confirmou que, nas reuniões do conselho, muitos soldados queriam linchar qualquer revolucionário que qualificasse a socialdemocracia como contrarrevolucionária. No entanto, a própria existência desses órgãos, apesar de serem dominados pela socialdemocracia reformista, constituía objetivamente uma situação de duplo poder frente ao Estado. Apesar do fim da guerra, os problemas não deixavam de exigir uma solução urgente: a fome, a inflação, as reduções de salário, a aceleração do desemprego, se faziam angustiantes. O novo chanceler do Reich, Friedrich Ebert,[xlv] foi nomeado também presidente do “Conselho dos Comissários do Povo”, no qual estavam representados os dois partidos socialistas: o “oficial” (SPD) e o “independente” (USPD).A onda revolucionária se generalizava. A partir desse momento (novembro de 1918), parecia rompido o isolamento da revolução russa.

O SPD, majoritário nos conselhos operários e sustentado pela Entente e a burguesia alemã, estava vinculado em segredo à chefia das forças armadas. Fazendo concessões, como a jornada de trabalho de oito horas, o governo “socialista” de Ebert afastou momentaneamente o perigo do armamento do proletariado, e conseguiu isolar os comunistas. Convocada a Assembleia Constituinte, ela foi denunciada pelos comunistas como uma tentativa de desviar a revolução: “Assim soa o segundo ponto da ordem do dia da Assembleia dos Conselhos de Trabalhadores e Soldados do Império e, assim, está colocada, na realidade, a questão cardeal da revolução, no presente momento. Eis aí o dilema: ou Assembleia Nacional ou todo o poder aos Conselhos de Trabalhadores e Soldados; ou renúncia ao socialismo ou a mais aguçada luta de classes, com todo o aparelhamento do proletariado contra a burguesia. Trata-se de um plano idílico: o de concretizar o socialismo por via parlamentar, através de resolução, tomada por maioria simples! É pena que essa fantasia azul da cor do céu, saída do ninhozinho do cuco lá nas nuvens, não leve sequer em consideração a experiência histórica da revolução burguesa, quanto menos a singularidade da revolução proletária”, sentenciou Rosa Luxemburgo.[xlvi]

O primeiro congresso nacional dos conselhos dos operários e dos soldados, que se reuniu de 16 a 21 de dezembro de 1918, decidiu confiar ao governo o poder legislativo e o executivo até a convocação de uma Assembleia Nacional. A revolução, no entanto, tomava conta do país: as reivindicações econômicas tinham jogado um papel secundário durante a revolução de novembro. Uma segunda fase combinaria as reivindicações econômicas e as políticas; a contrarrevolução, entretanto, não estava de braços cruzados, mas ocupada em preparar o esmagamento da revolução através de provocações. A socialdemocracia era o cérebro dessas manobras, que se apoiavam sobre as ilusões de muitos operários sobre esse partido, que consideravam ainda como próprio. O estado de dissolução do exército dificultava sua utilização como instrumento do “terror branco”. Foi com o objetivo de assumir essa tarefa que foram fundados os Corpos-Francos (Freikorps) que, mais tarde, constituiriam uma coluna vertebral do nazismo.

A socialdemocracia justificava o terror branco na luta contra os “espartacistas assassinos”. Ao mesmo tempo, o principal jornal socialdemocrata, Vorwärts, instigava abertamente o assassinato de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo. A 6 de dezembro a sede do jornal espartacista Rote Fahne (Bandeira Vermelha) foi atacada; e logo depois uma manifestação do Spartakusbund foi atacada de surpresa perto do centro da cidade; houve uma tentativa de deter e assassinar Liebknecht. Em reação, houve manifestações em solidariedade em Berlim e greves na indústria pesada na Alta-Silésia e no Rühr. A segunda ofensiva da contrarrevolução foi o assalto da divisão de marinheiros armados que ocupavam o arsenal em Berlim. Esses marinheiros tinham trazido a revolução do litoral para a capital. A grande imprensa acusou os marinheiros de serem assassinos, ladrões e “espartacistas”. Assim que os marinheiros foram atacados, numerosos operários, e suas mulheres e filhos, despertados pelo barulho, chegaram espontaneamente para apoiá-los. Muitos entre eles, sem nenhuma arma, ficaram entre os soldados e seus alvos, os marinheiros. Sua coragem e persuasão fizeram com que os soldados baixassem suas armas e tomassem as de seus oficiais.

No dia seguinte, em Berlim, houve a manifestação mais massiva desde o início da revolução, desta vez contra o SPD. O SPD e as elites militares perceberam que os ataques diretos contra símbolos da revolução, como Karl Liebknecht ou a divisão de marinheiros, só faziam fortalecê-los, pois resultavam em reações de solidariedade e de protesto. É a razão pela qual o alvo da seguinte ofensiva, em janeiro de 1919, foi o chefe de polícia (prefeito) de Berlim, Emil Eichhorn, membro da esquerda da USPD, a fração “centrista” da socialdemocracia. A contrarrevolução esperava pouca solidariedade dos operários com Eichhorn, e uma reação limitada do proletariado em Berlim poderia ser esmagada antes dela receber o apoio da província. Eichhorn desafiou a decisão do governo de removê-lo, recusando obedecer às ordens do ministro do Interior, e afirmando que sua autoridade só podia ser questionada pelo conselho de operários e soldados.

A direção do USPD de Berlim apoiou essa decisão e resolveu resistir, convocando as massas às ruas para uma manifestação de protesto. Os espartacistas apoiaram a ação de rua, mas defendendo a greve geral e, mais importante, que as tropas do exército deveriam ser desarmadas, e os trabalhadores, armados. Os operários entenderam que o ataque ao prefeito era um ataque à revolução: 500 mil operários manifestaram em Berlim contra sua demissão: Karl Liebknecht chamou nesse momento a formar de imediato um governo revolucionário (ao que Rosa Luxemburgo foi contrária). Rote Fahne, o órgão espartacista, agora órgão do KPD, apoiava a necessidade de novas eleições nos conselhos, dominados pelo SPD e pelo USPD, para que se refletisse neles a evolução dos operários para as posições da esquerda.

Além disso, o jornal conclamava para o armamento dos operários sem deixar de evidenciar que a hora da tomada do poder não tinha chegado ainda, pois o resto do país não estava tão avançado como Berlim. Os acontecimentos se precipitaram a partir de janeiro de 1919: na região do Vale do Rühr, os Freikorps esmagaram as milícias operárias que tentavam fazer valer a decisão da conferência regional dos conselhos de expropriar as minas. Mineiros da região declarariam uma greve geral no final de março, sendo igualmente reprimidos vinte dias depois. Uma república de conselhos proclamada na cidade de Bremen, em 6 de janeiro, foi desbaratada após menos de um mês. Pouco depois, um movimento grevista na Alemanha central (Halle e Leipzig) foi derrotado no começo de março. Os chefes revolucionários se reuniram para dar objetivos à massa de operários que ocupava as ruas de Berlim. Participaram da reunião setenta delegados de fábrica (da esquerda do USPD e próximos ao KPD), Karl Liebknecht e Wilhelm Pieck pelo KPD e, mais tarde, alguns chefes da USPD. Tinham recebido relatórios informando que algumas guarnições militares expressavam vontade em participar da insurreição armada.

Os chefes revolucionários estavam indecisos. Chegaram outras informações dizendo que os grandes jornais, e em particular o Vorwärts, tinham sido ocupados pelos operários. Karl Liebknecht se posicionou a favor da tomada imediata do poder, sendo criticado por Rosa Luxemburgo. A greve geral foi votada e houve uma grande maioria a favor de derrubar o governo e manter a ocupação dos jornais. Além disso, fundaram um comitê provisório de iniciativa revolucionária. Logo foi comprovado que os relatórios recebidos eram falsos. A direção do KPD ficou consternada quando soube da insurreição proposta, considerada como uma aventura. As advertências de Rosa Luxemburgo contra uma insurreição prematura não foram entendidas ou escutadas. Diante de uma insurreição prematura, julgou-se que se devia, no entanto, apoiar à classe operária. Só a tomada do poder em Berlim podia impedir um derramamento de sangue. Apesar dos operários terem evoluído para a esquerda desde 1918 e desconfiarem cada vez mais da socialdemocracia, isso não significava que a liderança política dos conselhos operários estivesse nas mãos do KPD.

Essa liderança estava principalmente nas mãos da USPD, a socialdemocracia “de esquerda”. Sua política de oscilações confundia os operários, especialmente quando o “comitê provisório” (do qual os membros do KPD tinham saído) iniciou negociações com o SPD em lugar de combatê-lo. Chegou então o momento esperado pela reação. O terror branco atacou com força através da artilharia, de assassinatos, atos de violência contra os operários e soldados, maltratando mulheres e crianças, e da caçada sistemática contra Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, desta vez sob uma cobertura “socialista”. Num jornal do SPD da época, lia-se: “Faz-se o seguinte apelo: “Cidadão, trabalhador! A pátria está à beira do caos. Salvemo-la! A ameaça não vem do exterior, mas do interior, do grupo Spartacus! Mata o seu dirigente! Mata Liebknecht!””.

A 13 de janeiro de 1919 escrevia Artur Zickler no jornal do SPD, Vorwärts: “Centenas de mortos numa fila… mas Karl, Rosa e Radek não se encontram lá”. O ministro de guerra do governo do SPD, o socialdemocrata Gustav Noske, convocou a Berlim os Corpos Francos. Berlim encontrava-se em estado de sítio desde 9 de janeiro de 1919. Diante da inflação crescente, das demissões, do desemprego massivo, as greves se estenderam no país inteiro, particularmente na Alta-Silesia, na Renânia, em Westfalia e na Alemanha central. A região do Rühr, especificamente, era muito combativa, com milhões de mineiros e operários siderúrgicos implicados nas greves e outras ações. Enquanto as greves se expandiam, a Berlim revolucionária lutava literalmente pela sua sobrevivência. Rosa e Liebknecht, perseguidos, sabiam que já não havia mais para onde fugir. Mudavam constantemente de esconderijo; empresários de extrema-direita ofereciam recompensas para quem denunciasse seu paradeiro. Finalmente, os Corpos Francos, treinados no combate de rua, restabeleceram a “ordem”.

Num dos seus últimos textos, Rosa Luxemburgo constatava: “A ordem reina em Berlim! proclama triunfalmente a imprensa burguesa entre nós, bem como os ministros Ebert e Noske e os oficiais das tropas vitoriosas, para quem a gentalha pequeno-burguesa de Berlim agita os lenços e emite os seus hurras. A glória e a honra das armas alemãs estão a salvo perante a história mundial. Os que combateram miseravelmente em Flandres e Argonne podem agora restabelecer o seu nome mediante a brilhante vitória atingida sobre trezentos espartacistas que lhes resistiram no prédio do Vorwaerts. As primeiras e gloriosas irrupções das tropas inimigas na Bélgica e os tempos do general Von Emmich, o imortal vencedor de Liège, se tornaram pálidos se comparadas com as façanhas dos Reinhardt e os seus “camaradas” nas ruas de Berlim. Os delegados dos sitiados no Vorwaerts, enviados como parlamentares para tratarem da sua rendição, foram destroçados a pancadas de garrote pela soldadesca governamental, e isto aconteceu até tal ponto que não foi possível reconhecer os seus cadáveres. Quanto aos prisioneiros, foram pendurados dos muros e assassinados de tal maneira que muitos deles tinham o cérebro fora do seu crânio. Quem acha ainda, depois destes fatos, algum mistério nas vergonhosas derrotas impingidas pelos franceses, os ingleses e os americanos aos alemães? Spartakus é o inimigo, e Berlim o campo de batalha em que somente sabem vencer os nossos oficiais. Noske, “o operário”, é o general que sabe organizar a vitória ali onde Luddendorf fracassara”.[xlvii]

No dia 15 de janeiro de 1919, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht foram detidos e brutalmente assassinados pelos Freikorps, sob ordens do ministro socialdemocrata GustavNoske (o corpo de Rosa Luxemburgo foi decapitado e esquartejado, só vindo a ser localizado semanas depois, embora pairem até o presente dúvidas e polêmicas acerca de sua identificação). Rosa, Karl Liebknecht e Wilhelm Pieck haviam sido presos e levados para interrogatório no Adlon Hotel em Berlim: os paramilitares do Freikorps levaram-nos do hotel. Pieck conseguiu fugir; Rosa e Liebknecht receberam coronhadas na cabeça e foram colocados dentro de um carro. Durante o percurso, os dois foram baleados na cabeça, o corpo mutilado de Rosa foi atirado no curso d’água conhecido como Canal do Exército Territorial (Landwehrkanal). A grande imprensa, incluindo o Vorwärts do SPD, informou que Liebknecht havia sido morto ao tentar escapar, e que Rosa Luxemburgo havia sido linchada pela multidão quando saía do Hotel Eden, onde estava presa. A socialdemocracia havia percorrido todo o caminho em direção à contrarrevolução, pavimentando-o com sangue. Rosa tinha apenas 47 anos de idade.

O comandante Pabst admitiu ter dado as ordens de execução de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, mas insistiu até o fim que não se tratou de assassinatos, mas de execuções de acordo com a lei marcial, e que os Freikorpsteriam agido com apoio total de Noske.[xlviii] A 25 de janeiro de 1919 Karl Liebknechtfoi enterrado no cemitério Friederichsfelde, conhecido como “cemitério socialista de Berlim”, juntamente com mais 31 revolucionários assassinados pela soldadesca do ministro socialdemocrata. O túmulo destinado a Rosa Luxemburgo ficou aberto porque as forças policiais tinham feito desaparecer seu corpo. Outras 42 vítimas do terror policial de 1919-1920foram sepultadas no mesmo cemitério. Franz Mehring sobreviveu a esses assassinatos apenas por algumas semanas.

“Rosa militou durante 20 anos na socialdemocracia da Polônia (SDKPiL) e na socialdemocracia da Alemanha; polemizou toda a vida com Lênin; participou ativamente da revolução russa de 1905; foi a única mulher a ser professora de Economia Política na Escola do SPD (Partido Socialdemocrata Alemão); junto com seus pares da ala esquerda do SPD, fundou a Liga Spartakus –nome em homenagem ao gladiador de origem trácia que liderou uma revolta de massas na Roma antiga; passou toda a guerra na prisão, onde escreveu cartas de tom lírico a seus amigos e amores; saiu da prisão em novembro de 1918 e se converteu em líder da revolução alemã; em fins de dezembro de 1918 tornou-se uma das fundadoras do KPD (Partido Comunista da Alemanha); foi assassinada em 15 de janeiro de 1919 por tropas paramilitares, os Freikorps, precursores dos nazistas. Seus assassinos tiveram penas leves e viveram tranquilamente na Alemanha nazista”, resumiu Isabel Loureiro.[xlix]

Logo depois do assassinato dos líderes comunistas, a 25 de janeiro Gustav Noske proclamou o estado de guerra em Berlim, sem ter medo das reações do proletariado. O SPD instalou de fato uma ditadura militar na cidade. A luta pelo prosseguimento imediato da revolução foi derrotada. Diante da repressão na Renânia e Westfalia, a greve retomou vigor em todo país; até guarnições militares nas cidades de Erfurt e Merseburg deram explicitamente seu apoio aos operários revolucionários. Nesse instante, a greve tinha alcançado seu auge. A única possibilidade de passar para uma etapa superior era que os operários de Berlim se juntassem a greve. No dia 25 de fevereiro a greve geral era total e o governo tinha fugido para a pequena cidade de Weimar. Depois de ter assistido aos atos sangrentos do SPD em Berlim e em outros locais, os operários não acreditavam mais nos seus apelos pela paz. O SPD tentou impedir a greve em Berlim por todos os meios. O conselho geral do soviete berlinense hesitava. A decisão foi finalmente tomada pelos próprios operários, que enviaram delegados das grandes fábricas para informar ao conselho que todas as fábricas já tinham votado a greve. A greve geral se expandiu na cidade inteira. Diante desta situação, os delegados do SPD no conselho operário e de soldados votaram a favor da revolução, contra a linha política de seu partido.

O proletariado de Berlim se levantou, porém, tarde demais. A greve na Alemanha central, que tinha esperado tanto por um sinal de Berlim, estava acabando. O trauma de janeiro de 1919 tinha sido fatal. Era o que temia Rosa Luxemburgo: “É possível esperar uma vitória definitiva do proletariado revolucionário, na sua luta com os Ebert-Scheidemann, para aceder a uma ditadura socialista? Decerto que não, sobretudo se se considerarem devidamente todos os fatores chamados a decidir sobre a questão. O ponto vulnerável da causa revolucionária neste momento é a imaturidade política da grande massa de soldados que ainda permitem aos seus oficiais que os mandem contra os seus próprios irmãos de classe. De resto, a não madurez do trabalhador-soldado não é mais do que um sintoma da imaturidade geral em que ainda se acha a revolução alemã. O campo, que é de onde procede a maioria dos soldados, fica tanto depois como antes fora do campo de influência da revolução. Berlim é até o presente, face ao resto do país, algo assim como um ilhéu. Os centros revolucionários da província (os de Renânia, Wasserkant, Brunschwitz, Saxe e Wurtemberg nomeadamente) estão de corpo e alma do lado do proletariado berlinês, mas no momento falta uma concordância direta na ação, que é a única que pode proporcionar uma incomparável eficácia ao arranque e a combatividade dos operários de Berlim. Além disso, a luta econômica (que é origem de verdadeiras fontes vulcânicas em que se alimenta a revolução) acha-se ainda numa fase claramente inicial. Disso tudo pode deduzir-se claramente que não é razoável contar pelo momento com uma vitória de tipo decisivo”.[l]

A hora da contrarrevolução tinha chegado. O terror branco foi desencadeado no país inteiro, particularmente em Berlim. Milhares de operários revolucionários foram caçados e assassinados (entre eles, Leo Jogiches, dirigente do KPD e ex marido de Rosa Luxemburgo). A revolução proletária alemã foi confrontada com um inimigo muito mais forte do que na Rússia. O SPD contribuiu em muito para dar força política ao Estado, pois soube aproveitar-se da confiança que ainda gozava no seio da classe operária para combater a revolução. Nas eleições de janeiro de 1919, dois meses depois da “revolução de novembro”, o SPD obteve mais de onze milhões de votos, o USPD, dois milhões, enquanto o KPD, perseguido e descabeçado, não participava. O governo dos “comissários do povo” da socialdemocracia foi a ponta de lança da “coalizão de Weimar”, que recebeu 76% dos votos: o SPD 37,9%, e os partidos dos representantes diretos do grande capital, o partido do centro e o partido democrata, 19,7% e 18,5%, respectivamente. A socialdemocracia havia se tornado o eixo em torno do qual girava a frente de toda a burguesia, incluindo o partido nacional-alemão, antirrepublicano e antissemita.

As posições políticas defendidas por Rosa Luxemburgo antes de seu assassinato tiveram sequência no congresso de fundação da Internacional Comunista (IC), realizado pouco depois de sua morte, sob sua presidência de honra e a de Karl Liebknecht. O discurso inaugural do congresso, realizado em março de 1919, esteve a cargo de Lênin: “Por encargo do Comitê Central do Partido Comunista de Rússia declaro inaugurado o primeiro Congresso Comunista Internacional. Antes de tudo, rogo a todos os pressentes a honrar a memória dos melhores representantes da III Internacional, de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, fiquemos de pé”. Os debates acerca da necessidade de uma nova Internacional já eram internacionais antes da Revolução de Outubro.[li]Rosa tinha se oposto, no congresso fundacional do KPD, à fundação da nova Internacional, isto é, à ruptura imediata com a Internacional Socialista. No congresso fundacional da IC, os “socialistas independentes” da Alemanha retomaram a questão da Assembleia Constituinte na Rússia, propondo a unificação desta com os sovietes, chegando a declarar que estes não poderiam nem deveriam ser órgãos de governo (a proposta foi qualificada de “estúpida” por Lênin), posição que foi derrotada.

A decisão de fundar a nova Internacional tampouco foi pacífica, pois os delegados alemães se opunham a ela; a discussão a respeito contou com várias intervenções (só dois russos: Zinoviev e Angélica Balabanova); a moção favorável à fundação foi apresentada por Rakovsky, Gruber, Grimlund e Rudnyanszky, nenhum deles russo. Na votação a respeito, os votos foram divididos entre “decisórios” e consultivos”; a votação favorável teve cinco abstenções, as dos delegados alemães (que eram “decisórios”), os quais manifestaram, no debate e depois dele, através de seu porta-voz “Albert” (Hugo Eberlein) que, embora considerassem precipitada a fundação de uma nova Internacional (e não votassem em favor dela, respeitando o mandato de seu partido) iriam defendê-la ao seu retorno ao país, informando seu partido que ele se podia considerar como membro pleno da nova Internacional. A decisão foi acolhida com entusiasmo pelos presentes.

O texto de Rosa, escrito na prisão, sobre a Revolução de Outubro, teve uma história tão polêmica quanto sua autora. Foi publicado pela primeira vez em 1922 por Paul Levi, dirigente do Partido Comunista Alemão, que havia sido expulso do KPD por ter criticado publicamente a “ação de março” de 1921, tentativa insurrecional fracassada levada a cabo pela nova liderança do KPD, pressionada pela Internacional Comunista (IC).Lênin, discordando do caráter público da crítica de Levi à “ofensiva revolucionária” preconizada pela IC, embora não com seu conteúdo (do qual se apropriou para defender a política da “Frente Única”) denunciou em Levi o “trânsfuga que, igual a uma galinha em meio a montes de lixo, vaga pelo pátio traseiro do movimento operário”. Contra Levi, a galinha, Lênin evocou a fábula russa de Krilov: “É dado às águias descer mais baixo que as galinhas, mas nunca as galinhas poderão subir tão alto quanto as águias”. Seguiu-se uma lista de cinco erros cometidos por Rosa Luxemburgo, o último presente no texto: “Enganou-se nos seus escritos da prisão de 1918 (aliás, ela mesma, ao sair da prisão no fim de 1918 e no início de 1919, corrigiu uma grande parte de seus erros)”.

Segundo Isabel Loureiro, num prefácio à reedição brasileira desses escritos: “A avaliação de Lênin, que não tinha lido o texto de Rosa nem o prefácio de Levi, deu origem à tendência no interior do KPD de usá-la como arma contra o campo adversário, sem investigar o que de fato ela tinha dito e feito. Lênin preparou assim o terreno para aquilo que, depois de nova tentativa fracassada de insurreição por parte do KPD, em outubro de 1923, foi chamado de ‘luxemburguismo’ – um amálgama de erros que derivavam basicamente de duas ideias atribuídas a Rosa Luxemburgo: ela teria desenvolvido n’A Acumulação do Capital uma teoria mecanicista do colapso do capitalismo; e teria criado uma teoria da espontaneidade das massas, negando assim a necessidade da organização política na luta pelo socialismo”. Isabel qualificou de “maldosa” a insinuação de Lênin de que, eventualmente, Rosa podia descer tão baixo quanto uma galinha. Lênin, no entanto, reclamou (de modo veemente e crítico) que os comunistas alemães publicassem a integralidade da obra de Rosa Luxemburgo (e de Karl Liebknecht).

Essa obra ainda não foi publicada. E já demora muito. A parte mais conhecida e polêmica (seus textos sobre a acumulação de capital e o imperialismo, sobre as revoluções russa e alemã – sem esquecer sua tese sobre o desenvolvimento do capitalismo na Polônia),[lii] longe de mofar, suscita debates cada vez maiores. Em 1968, foi com retratos de Rosa Luxemburgo que os estudantes alemães ganharam as ruas e enfrentaram a repressão, novamente socialdemocrata, em passeatas multitudinárias contra a guerra do Vietnã e contra a presença de tropas do imperialismo na Alemanha e na Europa. Margarethe Von Trotta fez um filme sobre Rosa Luxemburgo, com Barbara Sukowa, no papel principal, em 1985, obtendo um sucesso internacional inusitado para um filme abertamente político e de esquerda. A 13 de janeiro de 2019, cem anos depois de seu assassinato, e trinta depois da queda do Muro de Berlim, uma passeata com setenta mil pessoas dirigiu-se ao cemitério de Friedrichsfelde, em Berlim, para homenagear Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo. Dizer, portanto, que Rosa Luxemburgo ainda está viva na memória de milhões, e na atenção cada vez maior das vanguardas culturais e políticas do mundo todo, está muito longe de ser uma afirmação demagógica ou exagerada.

*Osvaldo Coggiola é professor titular no Departamento de História da USP. Autor, entre outros livros, de Questões de história contemporânea (Oficina de livros).

Notas


[i] Leo Jogiches (1867-1919), chamado de Tychko, ou de Leon Tyszka, foi um dos fundadores da socialdemocracia polaca e lituana. Filho de rico comerciante, nasceu em Vilna. Em 1890, mudou-se para Suíça, onde encontrou Rosa Luxemburgo, Alexandra Kollontaï, GeorgiPlekhánov e Karl Kautsky. Em 1892 fundou o Partido Socialdemocrata da Polônia, publicando o jornal Sprawa Robotnicza (A Causa Operária) em Paris, devido à ilegalidade do partido em seu país.

[ii] Eduard Bernstein. Socialismo Evolucionário. Rio de Janeiro, Zahar, 1964.

[iii] Rosa Luxemburgo. Reforma ou Revolução Social. São Paulo, Expressão Popular, 2003.

[iv]Rosa Luxemburgo. Cuestiones de organización de la socialdemocracia. Obras Escogidas. Bogotá, Pluma, 1979.

[v] Em artigo enviado a Kautsky para ser publicado no Die Neue Zeit, órgão da socialdemocracia alemã, sendo recusado, e só dado a conhecer em 1930 na URSS.

[vi] V. I. Lênin e Rosa Luxemburgo. Partido de Massas ou Partido de Vanguarda? São Paulo, Ched, 1980.Escrevendoem 1907 um prefácio à reedição de seus trabalhos, Lênin criticou os exegetas do Que Fazer? que “separam completamente esse trabalho de seu contexto em uma situação histórica definida – um período definido e há muito tempo ultrapassado pelo desenvolvimento do partido”, precisando que “nenhuma outra organização senão aquela liderada pela Iskra podia, nas circunstâncias históricas da Rússia de 1900-1905, ter criado um partido operário social democrata tal como aquele que foi criado… Que Fazer? é um resumo da tática e da política de organização do grupo da Iskra em 1901 e 1902. Nada mais que um resumo, nada mais e nada menos”. Essa “tática” e essa “política”, por outro lado, não se consideravam originais, mas uma aplicação, nas condições russas, dos princípios organizativos da II Internacional, em especial do SPD alemão, do qual já dizia em 1883 o chefe da polícia alemã, que “os partidos socialistas do estrangeiro o consideram como o exemplo que deve ser imitado em todos os seus aspectos” (Georges Haupt. Parti-guide: le rayonnement de la social démocratie allemande. L’Historien et le Mouvement Social. Paris, François Maspéro, 1980).

[vii] Rosa Luxemburgo. Cuestiones…, cit. Lênin respondeu a esse argumento quando afirmou que “Trotsky esqueceu que o partido deve ser apenas um destacamento da vanguarda, o dirigente da imensa massa da classe operária, que no seu conjunto (ou quase) trabalha ‘sob o controle e sob a direção’ das organizações do Partido, mas que não entra inteiramente, e nem deve, no ‘Partido’”. Partido, vanguarda e classe operária estavam diferenciados no pensamento de Lênin. Sobre o “jacobinismo” leninista, ver: Jean P. Joubert. Lénine et le jacobinisme. Cahiers Leon Trotsky no 30, Saint Martin d’Hères, junho de 1987.

[viii]Paul Le Blanc. Lénine et Rosa Luxemburg sur l’organisation révolutionnaire. Cahiers d’Étude et de Recherche no 14, Paris, 1990.

[ix] Ernest Mandel. A Teoria Leninista da Organização. São Paulo, Aparte, 1984.

[x]Daniel Guérin. Rosa Luxemburgo e a Espontaneidade Revolucionária. São Paulo, Perspectiva, 1974.

[xi]Rosa Luxemburgo. La Acumulación del Capital. Havana, Ciencias Sociales, 1968.

[xii] Henryk Grossman. Las Leyes de la Acumulación y el Derrumbe del Sistema Capitalista. México, Siglo XXI, 1977.

[xiii] Cf. para análises muito mais detalhadas: Eduardo Barros Mariutti. Rosa Luxemburgo: imperialismo, sobreacumulação e crise do capitalismo. Crítica Marxista nº 40, São Paulo, abril de 2015; Manuel Quiroga e Daniel Gaido. Debates sobre La Acumulación del Capital de Rosa Luxemburg. In: Velia Luparello, Manuel Quiroga e Daniel Gaido (eds.).Historiadel Socialismo Internacional. Ensayos marxistas, Santiago de Chile, Ariadna Ediciones, 2020.

[xiv] Karl Kautsky. O Caminho do Poder. São Paulo, Hucitec, 1979.

[xv] David Priestland. A Bandeira Vermelha. A história do comunismo. São Paulo, Leya, 2012.

[xvi]V. I. Lênin. Los Socialistas y la Guerra. México, Editorial América, 1939.

[xvii]G. D. H. Cole. Historia del Pensamiento Socialista. México, Fondo de Cultura Económica, 1976, vol. VII.

[xviii]Karl Liebknecht (1871-1919), filho de Wilhelm Liebknecht, companheiro de lutas e amigo pessoal de Marx e Engels, estudou direito nas Universidades de Leipzig e Berlim, concluindo seu doutorado na Universidade de Würzburg, em 1897. Abriu um escritório de advocacia e passou a defender causas trabalhistas. Em 1900 aderiu ao Partido Socialdemocrata da Alemanha. Passou a ter intensa militância política e fundou em 1915, juntamente com Rosa Luxemburgo e outros militantes internacionalistas, a Liga Spártacus, sendo expulso do SPD em 1916. A Liga, junto com uma fração socialista de esquerda, acabou fundando o Partido Comunista da Alemanha em 1918. Em 15 de janeiro de 1919, após o governo socialdemocrata alemão ter colocado as cabeças dos “extremistas da esquerda” a prêmio, Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo foram assassinados em Berlim por Freikorps de oficiais desmobilizados e enquadrados pela extrema direita, mas sob as ordens do ministro socialista Gustav Noske.

[xix] Georges Haupt. Lénine, les bolchéviques et la IIè Internationale. L’Historien et le Mouvement Social, cit.

[xx] Rosa Luxembourg. La Crise de la Social démocratie. Bruxelas, La Taupe, 1970.

[xxi] O texto citado não estava destinado à publicação, daí provavelmente a desenvoltura com que sua autora qualificou o nacionalismo ucraniano “na Rússia completamente diferente do tcheco, do polonês ou do finlandês, nada mais que um simples capricho, uma frivolidade de algumas dúzias de intelectuais pequeno-burgueses, sem raízes na situação econômica, política ou intelectual do país, sem qualquer tradição histórica, pois a Ucrânia nunca constituiu um Estado ou uma nação, não tem nenhuma cultura nacional (sic), exceto os poemas romântico-reacionários de Chevtchenko” (Rosa Luxemburgo. A Revolução Russa. Petrópolis, Vozes, 1991).

[xxii] In: F. Petrénko. Socialismo: Unipartidarismo e Pluripartidarismo. Moscou, Progresso, 1981.

[xxiii]Pierre Broué. União Soviética. Da revolução ao colapso. Porto Alegre, UFRGS, 1996.

[xxiv] Albert Morizet. Chez Lénine et Trotsky. Paris, Renaissance du Livre, 1922.

[xxv]Francisco C. Weffort. Por Que Democracia? São Paulo, Brasiliense, 1984. Para uma crítica: Aldo Ramírez [Osvaldo Coggiola] e Rui C. Pimenta. Democracia e Revolução Proletária. São Paulo, Outubro, 1985.

[xxvi]Carlos N. Coutinho. A Democracia como Valor Universal. São Paulo, Ciências Humanas, 1980.

[xxvii] Rosa Luxemburgo. A Revolução Russa, cit.

[xxviii] Rosa Luxemburgo. A Revolução Russa, cit. Poderia se constatar nessa crítica uma antecipação do futuro conflito do poder soviético com os kulaki (camponeses abastados): o problema não era ignorado pelos bolcheviques, que viam na medida adotada a única garantia possível do apoio camponês à revolução.

[xxix]John Reed. Dez Dias que Abalaram o Mundo. Porto Alegre, L&PM Pocket, 2002.

[xxx] Rosa Luxemburgo. A Revolução Russa, cit.

[xxxi]Martin Malia. Comprendre la Révolution Russe. Paris, Seuil, 1980.

[xxxii]Alexander Rabinowitch. Les Bolchéviks Prennent le Pouvoir. La révolution de 1917 à Petrograd. Paris, La Fabrique, 2016.

[xxxiii]Gyorg Lukács. Historia y Conciencia de Clase. México, Grijalbo, 1970.

[xxxiv]Gyorg Lukács. Lênin. Um estudo sobre a unidade de seu pensamento. São Paulo, Boitempo, 2012.

[xxxv] Rosa Luxemburgo. Oeuvres. Vol. II, Paris, François Maspéro, 1969.

[xxxvi] Rosa Luxemburgo. A Revolução Russa, cit.

[xxxvii]Luciano Amodio. La révolution bolchevique: l’interprétation de Rosa Luxembourg. Histoire du Marxisme Contemporain, vol. 2, Paris, UGE, 1976.

[xxxviii]Leon Trotsky. Rosa Luxemburgo y la IV Internacional. Escritos. Tomo VII, vol. 1, Bogotá, Pluma.

[xxxix]Gyorg Lukács. Op. Cit.

[xl]John Peter Nettl. Vie et Oeuvre de Rosa Luxembourg. Paris, François Maspéro, 1972.

[xli] Rosa Luxemburgo. Écrits Politiques 1917-1918. Paris, François Maspéro, 1978.

[xlii] Oskar Negt. Rosa Luxemburgo e a renovação do marxismo.In: Eric J. Hobsbawm (ed.), História do Marxismo, vol. 3, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1984.

[xliii] Rosa Luxemburgo. A Revolução Russa, cit.

[xliv] Paul Frölich. Rosa Luxemburg: her Life and Work.Londres, Victor Gollancz, 1940.

[xlv] Friedrich Ebert (1871-1925), um dos principais dirigentes socialdemocratas da Alemanha, se envolveu em política, ainda jovem, como sindicalista, e se tornou Secretário Geral do Partido Socialdemocrata Alemão em 1905. Depois da Primeira Guerra Mundial e da queda do Kaiser, ocupou os cargos de Reichskanzler(Chanceler do Império Alemão) de 9 de novembro de 1918 até 11 de fevereiro de 1919, e de Reichspräsident (Presidente da Alemanha) de fevereiro de 1919 até fevereiro de 1925. Foi um dos líderes da “República de Weimar”. No dia 4 de março de 1925, o Partido Socialdemocrata da Alemanha criou a Fundação Friedrich Ebert, batizada com o nome do presidente alemão falecido poucos dias antes. Desde 2000, sua sede se encontra em Berlim e conta com parceiros em 76 países.

[xlvi] Rosa Luxemburgo. Assembleia Nacional ou governo dos conselhos dos trabalhadores e soldados. In: http://www.scientific-socialism.de/Luxemburgo.

[xlvii] Rosa Luxemburgo. A Ordem Reina em Berlim [escrito em janeiro de 1919].www. marxists.org/portugues/luxemburgo/1919/01/ordem.htm

[xlviii] Gustav Noske (1868-1946) foi um dos dirigentes do Partido Socialdemocrata da Alemanha, social-chauvinista durante a Primeira Guerra Mundial. Entre fevereiro de 1919 e março de 1920 foi ministro da Guerra. Foi um dos principais organizadores do terror branco em janeiro-março de 1919, chamado de a “Era de Noske”. Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht foram assassinados por soldados comandados por Waldemar Pabst. Este, falecido em 1970, se tornou ideólogo do nazismo e negociante de armas com Taiwan e a Espanha franquista; escreveu nas suas memórias: «É evidente que para me proteger a mim e aos meus soldados nunca poderia ter conduzido a ação sem o consentimento de Noske. Só muito poucas pessoas se aperceberam porque é que nunca fui interrogado nem acusado. Eu retribuí o comportamento do SPD a meu respeito como um cavalheiro, com cinquenta anos de silêncio». Noske, antes de morrer em 1946, ainda escreveu: «Naquela altura limpei e varri com a rapidez que me foi possível».

[xlix] Isabel Loureiro. Mensagem de Rosa Luxemburgo ao século 21. Outras Palavras, São Paulo, 9 de outubro de 2017.

[l] Rosa Luxemburgo. Écrits Politiques, cit.

[li] Cf. por exemplo: Charles Dumas e Christian Rakovski. Les Socialistes et la Guerre. Discussion entre socialistes français et socialistes roumains. Bucaresti, Cercul de Editura Socialista, 1915.

[lii] Rosa Luxemburgo. El Desarrollo Industrial de Polonia. Y otros escritos sobre el problema nacional. México, Pasado y Presente, 1979.

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