Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*
Quem tem conhecimento a respeito do controle estrangeiro, institucional e familiar do mercado de ações brasileiro, evita a participação minoritária como acionista Pessoa Física
Ana Carolina Rodrigues demonstra a magnitude do problema no Brasil de os acionistas controladores de Sociedades Anônimas utilizarem seu poder para obter vantagens pessoais em detrimento dos acionistas minoritários.[1] Uma pesquisa analisou operações de venda de controle em diversos países e revelou no país os benefícios privados do controle atingiam 65% do equity value. Esse valor patrimonial, o mais alto entre todos os países analisados, indicou o controle acionário aqui estar associado à possibilidade de extração de benefícios privados.
Entre alguns exemplos desses benefícios encontram-se as transações com partes relacionadas. Realizam negócios com empresas ou pessoas ligadas aos próprios controladores, em condições vantajosas, desviando recursos da companhia.
Controladores concedem a si mesmos e a seus aliados salários, bônus e outros benefícios desproporcionais aos seus papéis na empresa. Utilizam recursos da empresa, como imóveis, carros e outros bens, em benefício próprio.
A alta concentração de capital acionário no Brasil facilita a extração desses benefícios privados. Desse modo, a fiscalização e o controle sobre as atuações dos controladores são mais difíceis.
Em 1996, em média, 74% do capital votante de 203 das 325 companhias analisadas estavam concentrados nas mãos de um único acionista. Nas 122 companhias nas quais o controle não era detido por um único acionista, o maior acionista detinha, em média, 32% do capital votante.
Considerando o total da amostra, o maior acionista detinha, em média, 58% do capital votante; os três maiores acionistas detinham 78% do capital votante; e os cinco maiores acionistas, detinham 82% das ações com direito de voto.
Ademais, apenas 11% da amostra, 35 companhias, não adotavam a prática de vender ações sem direito de voto. De acordo com essa pesquisa, o capital das companhias analisadas era composto, em média, de 54% de ações ordinárias com direito de voto e 46% de ações preferenciais sem direito de voto. Estas ações funcionavam, em regra, como um mecanismo para separar controle e propriedade.
A permanência dessa situação contribui para a desconfiança dos investidores minoritários e sua baixa participação no mercado de ações brasileiro. A percepção de o controle acionário ser utilizado para beneficiar os controladores, em detrimento dos minoritários, inibe o investimento e perpetua a concentração de capital.
A criação dos segmentos de listagem diferenciados na BM&FBovespa, especialmente o Novo Mercado, exigiu a adoção de práticas de governança corporativa para diminuir os problemas relacionados à extração de benefícios privados. A mudança na cultura empresarial e a conscientização dos acionistas sobre a importância da ética e da transparência são essenciais para garantir a proteção dos acionistas minoritários e o desenvolvimento de um mercado de capitais mais adequado à sua massificação, tal como nos EUA.
A partir da criação dos segmentos especiais de listagem da BM&FBovespa ganhou mais relevo um movimento de pulverização da estrutura de capital das companhias. Ocorreu nas companhias listadas no Novo Mercado.
Conforme os dados de pesquisa citada por Rodrigues (2012), 65 das 92 (aproximadamente 71%) dessas companhias listadas não apresentavam controle majoritário, entendido como aquele acionista, ou grupo de acionistas alinhados por meio de acordo de acionistas, detentor(es) de mais de 50% das ações com direito de voto. Nessas 65 empresas, os maiores acionistas detinham, em média, 26% das ações; os três maiores, cerca de 47% das ações; e os 5 maiores, 55% das ações. Esse cenário de relativa dispersão acionária, no entanto, não predominava nos demais segmentos de listagem da BM&FBovespa.
Diante desses dados, surgiram duas tendências: a concentração de Ofertas Públicas Iniciais (IPOs) no Novo Mercado e os maiores níveis de pulverização acionária nesse segmento de listagem.
O perfil do acionista minoritário no Brasil é diverso, mas historicamente marcado pela presença de investidores institucionais e estrangeiros. Pequenos investidores individuais tiveram uma participação mais tímida e marcada por episódios de euforia e pânico, como no crash de 1971.
Investidores institucionais, como fundos de pensão e seguradoras, e investidores estrangeiros passaram a desempenhar um papel maior no mercado de capitais brasileiro. Essa participação foi impulsionada pela abertura financeira do mercado brasileiro, pelas privatizações de empresas estatais, pelo potencial de valorização das bolsas de valores e pela diversificação internacional dos portfólios.
De acordo com dados de 2024, investidores estrangeiros detêm os maiores níveis de participação (54%) no mercado acionário, seguidos pelos investidores institucionais (26%) e, em seguida, por pessoas físicas (15%), instituições financeiras (4%) e outros (1%).
Dadas as oportunidades com a abertura externa, os investidores estrangeiros adquirem mais ações em ofertas públicas. A economia brasileira se desnacionaliza cada vez mais.
A participação de pequenos investidores individuais ainda é um problema para o mercado de capitais brasileiro. Isso se deve a diversos fatores, entre os quais, a preferência por investimentos conservadores em renda fixa e no mercado imobiliário.
Ela não é motivada só pela memória inflacionária e pela busca por segurança e liquidez. Quem tem conhecimento a respeito do controle estrangeiro, institucional e familiar do mercado de ações brasileiro, evita a participação minoritária como acionista Pessoa Física.
*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP). [https://amzn.to/4dvKtBb]
Nota
[1] Scientia Iuris, Londrina, v.16, n.2, p.107-128, dez.2012.
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