Aquífero contaminado

Foto de Hamilton Grimaldi
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por HERALDO CAMPOS*

Atividades que devem ser consideradas essenciais para a restauração de um aquífero contaminado e os custos envolvidos

A água é um direito da população e os governos têm que garantir que nenhum cidadão fique à margem desse bem público. Os mecanismos de fiscalização, controle e atuação do poder público, quando são frágeis nestes serviços essenciais, possibilitam que determinados lobbies, no afã do lucro e da água arrasada, atuem com desenvoltura nesse setor essencial para a vida, muitas vezes barrando qualquer atitude técnico-científica contrária aos interesses corporativos.

Os aquíferos, ou reservatórios de águas subterrâneas, têm importância fundamental para a sobrevivência dos seres vivos e constituem cerca de 95% da água doce disponível no Planeta Terra, sendo que apenas 5% formam os rios, os lagos e as represas.

Historicamente, quando um aquífero é contaminado pela ação humana, dificilmente os responsáveis acabam recebendo o cálculo do valor ou o custo pelo dano causado.

No caso brasileiro, pela política ambiental predadora desse governo federal de plantão, tomando como referência o desmonte do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), o efeito dominó que essa política pode causar nos órgãos ambientais estaduais pode ser devastador e comprometer o processo de gestão dos aquíferos contaminados e as suas respectivas restaurações.

Nesse ponto, nunca é demais lembrar que o caminho das águas na crosta terrestre é bastante complexo. Por causa da energia solar uma molécula de água, por um número infinitamente grande de estímulos, pode ser evaporada do oceano e a ele retornar precipitada pelas chuvas. Pode, também, cair sobre os continentes infiltrando-se solo abaixo, ser absorvida pelas plantas ou retornar indiretamente aos mares pelos rios e ribeirões. Pode se acumular no subsolo e constituir os aquíferos ou os reservatórios de águas subterrâneas.

As águas de recarga dos reservatórios subterrâneos são provenientes das precipitações ou dos corpos d’água superficiais ou, ainda, de outros aquíferos com os quais mantenham conexão hidráulica. Assim, o fluxo das águas subterrâneas é governado pelas características físicas do meio, composto por solos e rochas e, na maioria das vezes, não respeita as divisões políticas dos municípios, estados e países.

A contaminação dos solos e das águas por elementos, compostos ou organis­mos que possam prejudicar a saúde do homem ou de animais, pode ocorrer tanto no meio urbano ou rural e é uma das grandes preocupações do mundo moderno. Quando a contami­nação não tem a origem natural, sendo provocada por constituintes dissolvidos de minerais constituintes das rochas e dos solos, a contaminação pode ser proveniente de ativi­dades humanas e acaba atingindo os mananciais superficiais e subterrâneos.

Desse modo, a restauração de um aquífero contaminado ou de uma porção dele, que seria a integral e a completa reparação da área contaminada, deve ser entendida quando as águas subterrâneas voltarem a apresentar os mesmos parâmetros de qualidade química natural do meio aquífero e não contendo contaminações de origem antrópica, decorrentes de uma progressiva deterioração desse meio aquífero.

Nessa linha de raciocínio, a restauração de um aquífero precisa acontecer no mesmo cenário, por exemplo, da restituição de um ecossistema ou de uma população silvestre degradada, conforme consta na Lei Federal 9.985/00, artigo 2º, inciso XIV, que trata de uma espécie de reparação in natura e in situ e da sua recuperação, na busca de voltar o mais próximo possível para a sua condição original.

No entanto, para que ocorra a restauração, um dos pontos chave na questão da valoração do dano de um aquífero contaminado ou de uma porção dele, diz respeito à dominialidade das águas subterrâneas. As águas subterrâneas localizadas nos aquíferos não são uma extensão da superfície do solo e, portanto, esses reservatórios não pertencem aos proprietários das terras ou aos superficiários.

Por isso, para que a valoração do dano ambiental de aquífero contaminado seja eficaz devem ser contabilizados, por exemplo, os custos com estudos hidrogeológicos e hidrogeoquímicos, complementados com sondagens, geofísica, amostragens e análises de água, visando o monitoramento da contaminação e reunindo dados científicos para a modelação conceitual e matemática, durante o processo de gestão e de restauração do reservatório subterrâneo.

Além disso, devem ser incluídos, também, os custos da “perda” temporária do uso do aquífero ou de uma porção dele, onde estariam contabilizados os custos com os possíveis poços que poderiam ter sido construídos como fontes de abastecimento, acrescido de uma indenização por causa do dano ambiental causado pelo comprometimento dos serviços ecossistêmicos.

Nesse contexto apresentado, ressalta-se que as águas subterrâneas são consideradas bens de domínio público dos Estados da Federação por força do Artigo 26, Inciso I, da Constituição Federal e compete aos Estados a sua gestão.

Para concluir, o presente artigo que procurou mostrar as atividades que devem ser consideradas essenciais para a restauração de um aquífero contaminado e os custos envolvidos, chama a atenção para a frase do escritor João Guimarães Rosa, cada dia que passa mais atual: “A água de boa qualidade é como a saúde ou a liberdade: só tem valor quando acaba”.

*Heraldo Campos é doutor em ciências pelo Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP).

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Julian Rodrigues Valerio Arcary Ladislau Dowbor Daniel Afonso da Silva Priscila Figueiredo Lorenzo Vitral José Costa Júnior Vladimir Safatle Marcus Ianoni Érico Andrade Paulo Martins Sandra Bitencourt Daniel Costa Jean Pierre Chauvin Antonino Infranca José Raimundo Trindade Ricardo Antunes Alexandre de Lima Castro Tranjan Ronald León Núñez Michel Goulart da Silva Tadeu Valadares João Carlos Loebens Luiz Roberto Alves Boaventura de Sousa Santos Marcos Aurélio da Silva Bernardo Ricupero Airton Paschoa Carla Teixeira Anselm Jappe Rodrigo de Faria Chico Whitaker André Márcio Neves Soares Leda Maria Paulani Marcos Silva Ronald Rocha Paulo Nogueira Batista Jr Eliziário Andrade Anderson Alves Esteves Kátia Gerab Baggio Luiz Eduardo Soares Marjorie C. Marona Dennis Oliveira Flávio R. Kothe Caio Bugiato Carlos Tautz Fábio Konder Comparato João Feres Júnior Eugênio Trivinho Luiz Werneck Vianna Bento Prado Jr. Chico Alencar Tales Ab'Sáber Eduardo Borges Jorge Branco Remy José Fontana Rafael R. Ioris Gilberto Lopes Luiz Bernardo Pericás Eugênio Bucci José Micaelson Lacerda Morais Fernando Nogueira da Costa Otaviano Helene Paulo Fernandes Silveira Walnice Nogueira Galvão Igor Felippe Santos Alexandre Aragão de Albuquerque João Carlos Salles Leonardo Sacramento Armando Boito Marilena Chauí Luiz Marques Luiz Renato Martins José Geraldo Couto Elias Jabbour Thomas Piketty Mário Maestri Celso Frederico Ricardo Musse João Lanari Bo Francisco de Oliveira Barros Júnior Samuel Kilsztajn Ricardo Fabbrini Mariarosaria Fabris João Sette Whitaker Ferreira Marilia Pacheco Fiorillo Slavoj Žižek Celso Favaretto Gerson Almeida Vinício Carrilho Martinez Alysson Leandro Mascaro Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Alexandre de Freitas Barbosa Milton Pinheiro Michael Roberts Andrés del Río Manuel Domingos Neto Matheus Silveira de Souza Bruno Machado Jean Marc Von Der Weid Ari Marcelo Solon Atilio A. Boron Benicio Viero Schmidt Luiz Carlos Bresser-Pereira Lucas Fiaschetti Estevez Maria Rita Kehl Leonardo Avritzer Luciano Nascimento Annateresa Fabris Antônio Sales Rios Neto Marcelo Guimarães Lima Ronaldo Tadeu de Souza Manchetômetro Marcelo Módolo Eleonora Albano André Singer Andrew Korybko Henry Burnett Bruno Fabricio Alcebino da Silva Everaldo de Oliveira Andrade Michael Löwy Gabriel Cohn Eleutério F. S. Prado Plínio de Arruda Sampaio Jr. Sergio Amadeu da Silveira Liszt Vieira Flávio Aguiar Leonardo Boff Luís Fernando Vitagliano Jorge Luiz Souto Maior João Adolfo Hansen José Machado Moita Neto Paulo Sérgio Pinheiro Francisco Pereira de Farias Afrânio Catani Luis Felipe Miguel Daniel Brazil Fernão Pessoa Ramos Denilson Cordeiro Vanderlei Tenório Osvaldo Coggiola José Luís Fiori Antonio Martins João Paulo Ayub Fonseca Renato Dagnino Heraldo Campos Salem Nasser Lincoln Secco Yuri Martins-Fontes Henri Acselrad Claudio Katz José Dirceu Dênis de Moraes Tarso Genro Juarez Guimarães Ricardo Abramovay Paulo Capel Narvai Francisco Fernandes Ladeira Berenice Bento Rubens Pinto Lyra Gilberto Maringoni

NOVAS PUBLICAÇÕES