Por WALNICE NOGUEIRA GALVÃO*
As comprovações arqueológicas do relato considerado como fantasia até o século XIX.
No ano de 338 A.C. travou-se a batalha final da guerra que opôs tebanos e atenienses, afinal derrotados, às hostes de Filipe II da Macedônia, assessorado por seu filho Alexandre, que futuramente receberia a alcunha de “O Grande”. O terreno do confronto foi a planície de Queroneia, próxima à cidade do mesmo nome, na Grécia Central, e próxima também de Tebas. Não foi um episódio de pouca monta. Na opinião de muitos estudiosos, o prélio e a derrota marcam o fim da época clássica.
Os eventos eram conhecidos no passado, mas quem tratou deles com maior minúcia foi Pausânias, viajante e geógrafo grego que viveu no século segundo de nossa era e escreveu uma Descrição da Grécia em vários volumes, alguns dos quais chegaram até nós.
É ele quem conta uma bela história, que ficou conhecida como a história do Batalhão Sagrado de Tebas – designação dada já na Antiguidade. Diz ele que esse grupo de elite enfrentou as forças macedônias muito superiores em número, não arredou pé e foi dizimado até o último homem. Seu contingente era de 300 guerreiros. Detalhe adicional, eram todos pares de amantes, na boa tradição de Esparta, confiando em que um homem não faria feio na presença de seu amado. Consta que o batalhão pode ter sido formado por espartanos, originários daquela cidade-estado. Um leão colossal de mármore teria sido erigido no local, perpetuando a memória desses bravos e prestando homenagem a seu espírito indômito, que simboliza.
Esse relato foi sempre considerado fantástico. Nem por ser comentado com aprovação em O banquete, de Platão, foi tido por menos ilusório. Também a Ilíada e a Odisseia, até que as escavações de Schliemann no século XIX desenterrassem Troia e Micenas, passavam por obras de pura ficção.
Cerca de dois mil anos mais tarde, um grupo de jovens arquitetos ingleses de educação clássica cavalgava pela planície de Queroneia, lendo Pausânias e revivendo os fastos do Batalhão Sagrado. O cavalo de um deles tropeça numa pedra que, a um segundo exame, parecia mais um fragmento de escultura. Foram escavá-la e acharam o leão celebratório. Estava em pedaços, mas foi reconstituído e lá está, podendo ser visitado hoje em dia, no mesmo lugar.
Mais sessenta anos se passaram, e sondagens arqueológicas feitas ao pé do leão depararam com uma vala comum, da qual exumaram 254 esqueletos dispostos simetricamente em 7 fileiras, deitados de costas com todo o decoro, muitos deles de mãos dadas ou braços enlaçados. Desenhos feitos na hora, trazendo inclusive as marcas dos ferimentos mortais, foram mais tarde reproduzidos e documentaram livros escritos sobre o episódio bélico. O mais recente é The sacred band, de James Romm, especialista em estudos da Antiguidade, editado pela Scribner. As ilustrações atuais do volume aproveitam e retomam as que nos chegaram dessa época.
Quem traz uma notícia recente, acompanhada pelo comovente croqui das sete fileiras de corpos, é a revista New Yorker na edição de 19 de abril de 2021.
*Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH da USP. Autora, entre outros livros, de Lendo e relendo (Senac/Ouro sobre azul).