Por MARCELO GUIMARÃES LIMA*
A censura ao PCO interdita o debate político-ideológico
A falaciosa “equiparação dos extremos” é utilizada pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes, para um ato grave de censura contra o pequeno e combativo, por vezes estridente, Partido da Causa Operária.[1] Afinal, as críticas contundentes do PCO à atuação do STF e do citado juiz, jamais pregaram atentados contra pessoas e instituições, nunca insuflaram a violência física contra os magistrados, como é o caso da militância, remunerada ou não, de Jair Bolsonaro e seus aliados.
No caso do PCO, trata-se de uma crítica de argumentação político-ideológica, com a qual é possível concordar ou discordar tanto na forma quanto no conteúdo, mas que exige resposta, positiva ou negativa, nos termos do debate ideológico argumentado, racional, público, se levamos a sério os valores da inteligência em geral e da liberdade de opinião e expressão na chamada democracia liberal.
Caso contrário, as grandiloquentes declarações nas atuais instituições da combalida democracia brasileira sobre os valores da liberdade, serão, ou são de fato, meras palavras destinadas a confundir e impedir a compreensão dos fatos e processos reais por detrás das máscaras ideológicas do discurso público “democrático”. Afinal, o líder da extrema direita nacional, Jair Bolsonaro, que, de modo até aqui impune, desrespeita as leis do país diariamente, seja em infrações de trânsito ou em iniciativas inconstitucionais e outras de (des)governo, também se diz defensor da “liberdade”.
Aqui podemos observar que a degradação da linguagem é característica dos tempos neoliberais que vivemos mundialmente. A ação do ministro contra o PCO pode, evidentemente, ser vista como resposta no plano do poder de fato, que nem sempre se equipara ao poder de direito, ao discurso crítico o qual, em teoria, é direito dos cidadãos.
O douto juiz Alexandre de Moraes, é autor de um livro sobre direitos humanos. Seguramente faz ideia do alcance de seus atos para o debate político na esfera pública da chamada democracia brasileira e para os chamados direitos fundamentais da cidadania, incluindo o direito da informação e expressão de ideias sobre o atual ordenamento da sociedade em seu conjunto, seus graves desequilíbrios e impasses, e as possíveis e desejáveis alternativas ao mesmo.
Caberia aqui lembrar a triste atuação do STF em seu conjunto na longa preparação e participação na deposição ilegal e injusta da presidenta Dilma Rousseff? No respaldo à malfadada e ilegal Operação Lava-jato? Na prisão ilegal, injusta, politicamente motivada de Lula? A convicta e energética participação do ministro Alexandre de Moraes no (des)governo Temer?
O governo Temer e seus aliados nas instituições e na mídia, que deixou como herança principal a crise política e a destituição de direitos dos trabalhadores, prepararam o caminho para a presidência de Jair Bolsonaro. O resultado do golpe de 2016, aprofundado em 2018, é a atual situação calamitosa do ordenamento social brasileiro, situação maquiada pela mídia hegemônica conservadora, no contexto de uma grave crise da ordem mundial, ordem sustentada pela potência dominante global, os EUA e seus parceiros da União Europeia.
O desgoverno Bolsonaro agrava em muito os efeitos da crise mundial na vida cotidiana do povo brasileiro. E não há resposta à altura da gravidade e da urgência dos problemas (pandemia, perda de direitos, perda de recursos materiais básicos, perda de soberania, corrupção, desemprego, inflação, etc.) que afetam o povo e a nação por parte das chamadas instituições democráticas.
Seguramente, o ministro Alexandre de Moraes pode se sentir pessoalmente ofendido ao ser chamado de “skinhead de toga” pelo PCO.[2] A imagem pode ser meramente ilustrativa, como alegam, ou aludir ao extremismo ideológico dos skinheads. Não deixa de ter alguma pertinência poética na economia geral do discurso ideológico de combate. Pode ser considerada algo excessiva, de extremado mau gosto, pelos cultores da justa medida estilística e discursiva.
O que não é pertinente ou razoável, é que a resposta do ministro extrapole o campo discursivo da pessoalidade, digamos assim, para o qual existem esferas jurídicas próprias, e a matéria seja enquadrada como atentado ao cargo público e à instituição. Ademais, a ação do ministro Alexandre de Moraes dá argumentos aos críticos do atual regime “pós-democrático”, vale aqui o eufemismo, implantado no Brasil com o golpe parlamentar-jurídico-mediático de 2016: para muitos, vivemos no país uma situação de “fake democracia”.
Neste momento, a prevista derrocada eleitoral de Jair Bolsonaro parece exigir da direita brasileira uma reformulação da sua estratégia de poder e da sua imagem pública comprometida pelo neofascismo militante. A ação do ministro Alexandre de Moraes surpreende como inadequada para a pretendida afirmação da “pós-democracia” brasileira no cenário interno e externo.
O PCO é um partido pequeno nos números e nos recursos. Sua prática política aguerrida e estilo contundente nas críticas, que, por vezes, para alguns extrapola a razoabilidade na forma e/ou no conteúdo e termina por perder alcance e eficácia, se desagrada a muitos, também é valorizada por outros, por gente que entende que a falta de radicalidade na compreensão e atuação em contextos críticos é na verdade o problema maior para o enfrentamento e a contestação dos inimigos do povo e da nação brasileira.
Neste particular, não é necessário ser trotskista, neo-trotskista, marxista-leninista, etc., para entender que o PCO, entre outros, cumpre um papel de apresentar perspectivas outras sobre a presente situação do país e os caminhos da superação da crise atual. Concordemos ou não, isto amplia o debate necessário. E o alcance do PCO nas redes confirma isto.
Vale lembrar igualmente que na história moderna do Brasil, a criminalização e eliminação legal e mesmo física dos partidos de esquerda foi sempre o recurso que a classe dominante utilizou em momentos críticos com o mesmo resultado: a ditadura, a tortura, o assassinato de opositores, o agravamento das crises econômicas, a fome e a miséria do povo.
A ditadura, a censura, a tortura pesam na história do país. Os nomes de políticos, generais, empresários, jornalistas, servidores do estado, etc. associados aos golpes e às ditaduras formam uma galeria da infâmia na memória nacional. Estes passam no tempo, a memória permanece.
*Marcelo Guimarães Lima é artista plástico, pesquisador, escritor e professor.
Notas
[1] https://www.brasil247.com/regionais/brasilia/alexandre-de-moraes-inclui-pco-no-inquerito-das-fake-news-e-bloqueia-contas-do-partido-nas-redes-sociais
[2] https://www.causaoperaria.org.br/rede/dco/politica/pco-convoca-a-esquerda-a-repudiar-ataque-gravissimo-do-stf/