A Terra em dores de parto

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por LEONARDO BOFF*

Virá o grande salto salvador?

Ninguém pode negar que nosso lar comum, a Terra viva, está se preparando para uma grande transição. O que foi vivido nos últimos séculos, como paradigma de civilização, vale dizer, a forma como habitamos e organizamos a casa comum, à base da ilimitada exploração de seus recursos naturais, não pode mais continuar. Este paradigma esgotou suas potencialidades de realização. Entrou em agonia. Mas esta pode se prolongar ainda por bom tempo.

Ele armou para si, involuntariamente, uma grande cilada: começou com o maior ato terrorista cometido pelos EUA lançando duas bombas nucleares sobre Hiroshima e Nagasaki, devastando todo tipo de vida. Logo, Jean-Paul Sartre reagiu dizendo: “nós nos apropriamos de nossa própria morte e podemos pôr fim à nossa espécie”. Severo, foi um dos maiores historiadores modernos Arnold Toynbee ao constatar, consternado: “coube à nossa geração assistir o modo de nossa autodestruição; ela não será obra de Deus mas de nós mesmos”. Inventamos o princípio de autodestruição das mais diferentes formas. A tecno-ciência moderna que tantos benefícios nos trouxe, tornou-se irracional e enlouquecida posto que suicidária.

As múltiplas crises pelas quais o inteiro planeta está passando, representam uma espécie dores de parto. A maior delas foi e é a intrusão do coronavírus. Ele atingiu somente os seres humanos. Não respeitou os limites de soberania dos países e tornou irrisória a máquina mortífera das potências militaristas. Para quem não apenas constata fatos mas procura discernir neles a mensagem escondida, deve se interrogar: que coisa Gaia, a Terra viva, nos quer comunicar com o Covid-19 que já fez milhões de vítimas?

Seguramente é um contra-ataque da Mãe Terra contra as sistemáticas violências que seus filhos e filhas já há séculos estão movendo contra ela, uma verdadeira guerra, sem nenhuma chance de ganhá-la. Ultrapassamos os limites suportáveis do sistema-Terra de tal modo que precisamos de mais de um planeta e meio (1,7) para atender nosso estilo consumista de vida. É a assim chamada “sobrecarga da Terra” (Earth overshoot). Todos os sinais entraram no vermelho e estamos no cheque especial. Em outras palavras: os bens e serviços necessários para garantir a vida estão se esgotando. Um pouco mais, miais um pouco poderá ocorrer um colapso das bases que sustentam ecologicamente a vida no planeta.

Quem dos chefes de Estado e dos grandes gerentes (CEOs) das megacorporações refletem e tomam decisões face de tal situação-limite de nossa Casa Comum? Talvez tomam conhecimento da real situação. Mas não lhe dão importância porque, caso contrário, deveriam mudar completamente o modo de produção, renunciar aos fabulosos ganhos econômicos, mudar sua relação para com a natureza e se acostumar a um consumo mais frugal e mais solidário.

Porque isso não ocorre, entendemos as palavras do Secretário Geral da ONU, António Guterrez, há pouco tempo, num encontro sobre as mudanças climáticas em Berlim: “Temos uma única escolha: a ação coletiva ou o suicídio coletivo”. Antes, em Glasgow por ocasião da COP 26 sobre as mudanças climáticas asseverou peremptoriamente: “ou mudamos ou estamos cavando a nossa própria sepultura”.

Talvez o risco mais iminente da mudança de situação de nossa casa comum seja o alarmante aquecimento global, constatado nos últimos tempos. A partir do Acordo de Paris de 2015 havia-se acordado de evitar até 2030 a subida de 1,5 graus Celsius, para evitar grandes danos para a biosfera. Com a entrada maciça de metano, devido ao degelo das calotas polares e do parmafrost (que vai do Canadá até os confins da Sibéria) foram liberadas milhões de toneladas de metano. Este é 28 vezes mais danosos que o CO2. Em razão destas mudanças o ICLL admitiu que não mais em 2030 mas até em 2027 ocorreria aumento da temperatura para além de 1,5 até 2,7 graus Celsius.

Os eventos extremos que atualmente estão ocorrendo na Europa, na Índia e em outros lugares, com grandes queimadas e níveis de calor nunca experimentados antes, e ao mesmo tempo, o frio inusitado no Sul do mundo estão dando mostras de que a Terra perdeu seu equilíbrio e está procurando outro.

Resumindo o discurso: a seguir esta tendência que futuro nos esperará? Poderá a espécie humana ter atingido o seu clímax, como todas as espécies a seu tempo e daí desaparecerá? Ou pode ocorrer, pelo engenho humano ou pelas próprias forças do planeta Terra conjugadas com as energias do universo, dar um salto de qualidade e assim inaugurar uma nova ordem e dar continuidade à espécie humana? Se isso ocorrer, o que auguramos, não se fará sem pesados sacrifícios de vidas da natureza e da própria humanidade.

Há 67 milhões de anos caiu um meteoro de quase 10 km de extensão no Caribe que dizimou todos os dinossauros e 75% de todas as formas de vida, poupando nosso ancestral. Não poderia ocorrer algo semelhante com o nosso planeta Terra? Provavelmente não um meteoro rasante, mas qualquer outro incomensurável desastre ecológico-social.

Se sobrevivermos, a Terra terá dado o salto salvador e realizado o parto tão esperado. As dores de parto terão passado e, finalmente, se gerou o bioceno e o ecoceno. A vida (bio) e o fator ecológico (eco) ganharão centralidade, comprometendo o nosso cuidado e todo o nosso coração. Que esse desiderato seja uma utopia viável que nos permitirá continuar sobre esse belo e ridente planeta.

*Leonardo Boff é filósofo e teólogo. Autor, entre outros livros, de O doloroso parto da Mãe Terra (Vozes).

 

O site A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores. Ajude-nos a manter esta ideia.
Clique aqui e veja como

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • A colonização da filosofiamar estacas 14/11/2024 Por ÉRICO ANDRADE: A filosofia que não reconhece o terreno onde pisa corrobora o alcance colonial dos seus conceitos
  • O entretenimento como religiãomóveis antigos máquina de escrever televisão 18/11/2024 Por EUGÊNIO BUCCI: Quando fala a língua do rádio, da TV ou da Internet, uma agremiação mística se converte à cosmogonia barata do rádio, da televisão e da internet
  • Antonio Candido, anotações subliminaresantonio candido 16/11/2024 Por VINÍCIUS MADUREIRA MAIA: Comentários sobre os mais de setenta cadernos de notas feitos por Antonio Candido
  • Os concursos na USPMúsica Arquitetura 17/11/2024 Por LINCOLN SECCO: A judicialização de concursos públicos de docentes na USP não é uma novidade, mas tende a crescer por uma série de razões que deveriam preocupar a comunidade universitária
  • A execução extrajudicial de Sílvio Almeidaqueima de livros 11/11/2024 Por MÁRIO MAESTRI: A denúncia foi patrocinada por uma ONG de raiz estadunidense, o que é paradoxal, devido à autoridade e status oficial e público da ministra da Igualdade Racial
  • O veto à Venezuela nos BRICSMÁQUINAS FOTOGRÁFICAS 19/11/2024 Por GIOVANNI MESQUITA: Qual seria o maior desaforo ao imperialismo, colocar a Venezuela nos BRICS ou criar os BRICS?
  • Balanço da esquerda no final de 2024Renato Janine Ribeiro 19/11/2024 Por RENATO JANINE RIBEIRO: A realidade impõe desde já entender que o campo da esquerda, especialmente o PT, não tem alternativa a não ser o nome de Luiz Inácio Lula da Silva para 2026
  • A falácia das “metodologias ativas”sala de aula 23/10/2024 Por MÁRCIO ALESSANDRO DE OLIVEIRA: A pedagogia moderna, que é totalitária, não questiona nada, e trata com desdém e crueldade quem a questiona. Por isso mesmo deve ser combatida
  • Notas sobre a disputa em São Paulogilberto maringoni 18/11/2024 Por GILBERTO MARINGONI: É preciso recuperar a rebeldia da esquerda. Se alguém chegasse de Marte e fosse acompanhar um debate de TV, seria difícil dizer quem seria o candidato de esquerda, ou de oposição
  • O perde-ganha eleitoralJean-Marc-von-der-Weid3 17/11/2024 Por JEAN MARC VON DER WEID: Quem acreditou numa vitória da esquerda nas eleições de 2024 estava vivendo no mundo das fadas e dos elfos

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES